Capítulo dois

2283 Words
Meu coração ainda estava disparado, tentava entender o que tinha acontecido, eu conhecia aquela luz, tenho certeza, aquela energia era angelical, meu corpo humano ainda estava sob o efeito de todas as emoções que aquele poder estava trazendo, o quarto ainda estava cheio de vestígios de graça, aquilo atraía malditos caçadores. – Seus filhos da mãe, se querem me m***r façam de uma vez. Desgraçados!            Gritei para o nada, mas nem tanto, pois sei que eles me escutavam. Eu respirava ofegante e sem controle, mesmo depois de anos, aquele sentimento era novo para mim, na verdade só o senti uma vez na vida e isso ainda na forma sobrenatural. Medo, estava com medo, porque eu sei que aquilo não era bom, nada bom. Deito-me de novo na cama e analiso as opções. Sair dali, mas do que adiantaria? Eram seres celestiais, onde eu me esconderia? E quem disse que eu quero me esconder? Afinal, o que poderia acontecer? Morte? – Seria um grande desastre eu morrer.            Sorrio irônica com as minhas próprias palavras. Morte seria um privilégio do qual ainda não poderia desfrutar. Agora entendo perfeitamente quando dizem que o verdadeiro inferno não está em cima ou embaixo, mas sim no meio. Viver uma vida terrestre era interessante, mas também angustiante, sentir tudo aquilo, ver as pessoas se mantando, se maltratando, se jugando, claro que tais coisas sempre existiram, mas nos tempos atuais estão descontroladas, eu sendo humana posso sentir na pele, literalmente, os defeitos morais da sociedade, isso é mais que castigo, isso é tortura, essa é a pior das maldições. – Que se dane, se eles quiserem algo comigo me encontrarão de qualquer forma, então... Vão a m***a todos.            Gritei de novo e logo escutei batidas na porta, o que me fez assustar e bufar, agora só faltava essa, ficar me assustando com tudo. Levanto-me da cama e vou abrir a porta, dou de cara com o rapaz da recepção, percebo que nem sei o seu nome. – Tudo bem? Ouvi gritos. _ Ele falava ao tentar olhar para dentro do quarto. – Estou bem, só estava descontando a raiva, extravasando. Qual o seu nome mesmo? _ Assim tenho a atenção dele. – Ah, é Tomás, mas pode me chamar de Tom. _ Ele fala, animado. – Tom, como eu disse, estou bem, obrigada por se preocupar.            Ele sorri e sai, deixando claro que poderei chamá-lo para qualquer coisa, sei bem do que ele fala, pobre coitado. Fecho a porta e resolvo fazer o que posso. Pego o celular e mando uma mensagem de texto para uma das poucas pessoas que ainda confio. “Preciso falar com você, é urgente”.            Deito-me novamente na cama e relaxo um pouco. Preciso de álcool, descobri isso também, o porquê de os humanos gostarem tanto de bebidas, mesmo tendo um gosto forte, que muitas vezes desce pela garganta ardendo, ao mesmo tempo traz paz, alívio, ficar alcoolizado é o mesmo que perder a noção de tudo, no meu caso esquecer os problemas. Nos anos iniciais eu cometi erros quanto a isso, matei mulheres, mesmo que sem querer, devido a transas não planejadas, sem consciência pela embriaguez, mas aprendi a lição, não bebo mais para perder a razão, apenas para me divertir, mas ainda com o controle total de tudo ao meu redor, afinal, caçadores são espertos, porém também me despreocupo, sem “graça” (poderes, magias) eu fico fora dos radares. Ser um reles querubim tem suas vantagens. “Estou em São Paulo, onde está?”            Sorrio com a resposta imediata, mais uma desistente, mais uma rebelde, mais uma revoltada com a atual situação celestial. “São Paulo também, uma cidade chamada, Ribeirão Preto”.            Envio a mensagem e suspiro, pode ser uma armadilha, mas como já disse, o que vou perder? Pois é, nada. “Ótimo, estou perto, chego aí em três horas, marcamos um local de encontro”.            Envio uma mensagem de confirmação e resolvo tomar um banho depois, era hora de sair um pouco, conhecer a cidade, quem sabe provar novas aventuras, mas dessa vez sem s**o, estou decidida a isso. Depois do banho, troco de roupas, coloco um tênis, calça jeans, blusa vermelha e jaqueta de couro marrom, meu cabelo sempre souto, até devido seu comprimento, sendo até o meio do pescoço, com uma franja no meio da testa na frente, maquiagem fraca, mas o batom vermelho estava lá, adoro a cor, aquilo era um tanto óbvio. – Pronto!            Satisfeita, pego as chaves e saio do cômodo, me certificando que estava tudo seguro com os selos que desenhei na porta. Quando desço a escada, vejo Tom paquerando outra hóspede. Pelo jeito ele é mais i****a do que aparenta. – Vou seguir seu conselho, Tom, dar uma volta e visitar o parque. – Se quiser posso ir com você, saio em quinze minutos.            Ele fala e escuto a loira ao seu lado bufar, pelo jeito a inocência da humanidade ainda era grande em relação à conquista. – Não, obrigada. Você não é muito novo para estar dando em cima de mim? _ Ele abaixa a cabeça, mas logo volta a me encarar. – O amor não tem idade. – Com certeza você é muito novo, pois essa cantada foi péssima. _ Acabo gargalhando, o deixando sem graça. – Você é difícil. – Não, Tom, eu não sou difícil, eu sou impossível.            Digo e saio sorrindo vitoriosa pela sensação de controle que tenho, pelo menos manipular os humanos era fácil, principalmente os leigos ao que tem ao seu redor. Observo o meu bebê no estacionamento e sorrio, com certeza era o amor da minha vida. Aquele carro é lindo, sua cor brilhando, seus rodões prateados, sua capota preta acinzentada, o motor devidamente alterado de modo que corra o suficiente para estar na estrada por muito tempo, desde que o adquiri passei a viajar mais, agora não só por necessidade, mas também por prazer, sentir o vento bater contra o meu rosto é inexplicável. Logo estou dentro do meu bebê, olhei o endereço na internet e não demoro a chegar ao local, Park do Gorilão era o nome, aparentemente muitas atrações para todas a idades. Saio do carro, arrumo a jaqueta e me olho no espelho do retrovisor. – Perfeita.            Quando caminho, certamente percebo alguns olhares sobre mim, já estou acostumada com isso, homens são previsíveis e indiscretos, assim como algumas mulheres, mas ainda considero o s**o feminino mais eficaz em termos de conquistas. Ando por uma área que tem algumas barracas com materiais artesanais, observo uma que vende joias e apetrechos de vários materiais naturais, gosto de uma pulseira e resolvo comprá-la, era de cor preta e vermelha, com certeza iriam associar a alguns times de futebol, porém não gosto desse tipo de coisa, sou parcialmente humana, mas ainda não me acostumei com alguns costumes. Estava realmente concentrada quando escuto meu celular tocar, olho e sorrio ao ver quem é. – Estou na cidade, onde você está?            Era hora de descobrir qual mistério estava me cercando, só ainda não sei definir se gostarei das respostas que encontrarei.  ............................................            Depois de enviar o endereço a Yasmin, me direciono ao pequeno restaurante do local, pedindo um suco e recebendo um lindo sorriso da morena que me atende, mas ao mesmo tempo dissipando os pensamentos obscenos que insistiam em vir. – Vejo que ainda consegue fazer corações baterem mais rápido.            Quando olho para trás dou de cara com a linda n***a. Yasmin é um anjo querubim caído igual a mim, quer dizer, eu não sou caída, eles me jogaram, mas ela veio por escolha própria, abriu mão de todos os seus poderes e graça para viver uma vida mediana e humana, com direito a envelhecimento. E cá está ela, com seus cachos caídos para o lado, seu corpo devidamente atlético, seu sorriso meigo, mas ao mesmo tempo forte, sempre deixando claro sua preferência por tudo que diz respeito a vida humana. Yasmin decidiu cair depois de estar sucumbindo aos seus desejos carnais, se considerou impura e desmerecedora, traçando tal destino a sua vida. – E pelo visto mesmo envelhecendo no mundo dos humanos você continua linda. _ Levanto-me para abraçá-la, sendo recebida gostosamente por seus braços. – Por que você tinha que ser tão gostosa? _ A n***a sorriu ao se afastar. – Uma pena você estar com essa maldição, assim poderia aproveitar desse corpo como quisesse. _ Nós duas gargalhamos, de fato iria com aquela mulher facilmente para a cama. – Sente-se. – Para você ter entrado em contato comigo com certeza deve ser grave.            Ela disse enquanto se sentava na cadeira à minha frente, sedutora e maravilhosa como sempre. Ah, Deus, dei-me forças! Falei internamente, mas sorri também, tocar no nome de Deus era até irônico, há anos não ouvimos falar do “Supremo”, o que para alguns é bom, já que querem a todo custo ficar no comando de tudo. – Ainda não sei ao certo, mas estou preocupada. Vamos comer e conversar um pouco.            Yasmin concorda e começamos a conversar. Fazia sete meses que não via minha amiga, assim como fazia dois que não nos falávamos nem por telefone. No começo fiquei com receio de entrar em contato com ela, afinal poderia correr riscos por me ajudar, mas desde que descobri que ela caiu há dois anos, percebi que estava segura, afinal, agora ela era uma simples humana, mesmo sendo mais velha e de um patamar maior que o meu, a morena me respeitava, o que era normal, devido a minha importância. – Bom?            Pergunto olhando nos olhos negros de Yasmin, colocando a comida sedutoramente na boca, depois lambendo os lábios devagar. – Isso não vai funcionar comigo, Juliette.            Sorrio da sua fala, ela parecia ser imune a mim, mas acredito que apenas saiba dos riscos que corre se algo acontecer. O que com certeza não vai, nós duas sabemos que de pura Yasmin não tem nada. – Não custa tentar. _ Limpo os lábios com o guardanapo e bebo a água. – Por que me chamou com tanta urgência? _ Era hora da conversa séria. – Aconteceu duas coisas interessantes comigo, apesar de me sentir insegura, talvez você possa me ajudar, não com poderes ou graça, apenas com sua experiência. – Certo, conte-me.            Começo a relatar todos os acontecimentos, desde a conversa com Isabel até a confusa luz no quarto de hotel. – Uau. _ É tudo o que a linda n***a diz antes de se encostar à cadeira, pelo jeito está tão impressionada quanto eu. – Pois é, estou receosa, afinal, o que eles querem comigo? Já me tiraram tudo. – Como pode ter certeza que foi um anjo? Juliette, você está sem “graça”. – Aquela vibração é incomparável, mesmo sem graça eu posso senti-la, na verdade qualquer humano que se dê ao trabalho de prestar atenção em detalhes sente, apesar de espertos esses filhos da mãe se acham muito inteligentes. Pecam por acreditarem que são superiores a qualquer custo. – Certo, então digamos que foi um anjo, isso foi estranho, que planos são esses? Afinal eles já tiraram sua graça, tiraram Laura, fizeram o possível para você continuar viva, na verdade isso explica muita coisa, o fato de você ainda estar viva depois de tantos anos. – Eu não sei, mas quero saber, afinal é minha vida, depois que perdi Laura, perdi tudo, que se danem. _ Falei em uma mistura de raiva e tristeza, falar de Laura sempre era difícil, Yasmin sabia bem. – Vamos com calma, o que quer exatamente de mim? – Contato. _ A vejo respirar fundo. – Isso é difícil. – Por favor, sei que ainda entram em contato com você, assim como sei que você sabe onde encontrá-los, apenas me mande para a pessoa certa, preciso descobrir isso. Você melhor do que ninguém sabe que aqueles desgraçados agem para benefício próprio, eu estava quieta, mas agora estão voltando a mexer comigo, preciso fazer isso. – Você pode morrer. _ Sinto o medo nas palavras dela. – Isso seria um favor que eles me fariam. _ Encaramo-nos e Yasmin suspira, apoia seus cotovelos na mesa e depois me olha de novo. – Você tem certeza disso? – Tanto quanto amei Laura com todas as minhas forças.            Foi o suficiente para ela, Yasmin sempre foi uma confidente no mundo celestial, sei que depois que me lançaram esse castigo, ela ficou triste e tentou interceder por mim, em vão, logo que soube da sua caída fui atrás dela, agora como era antes, somos melhores amigas. – Conheço alguém, mas... – Mas... _ A incentivo. – Ele fica no Amazonas. – Diga-me aonde é que eu vou. – Com uma condição. _ Seus olhos brilharam e eu soube que vinha mais uma de suas artimanhas.            – O que?         – Eu vou com você. _ Paralisei, mas talvez, apenas talvez não seja uma má ideia. – Nem pensar. – Vou sim. _ Respiro fundo e também me acomodo melhor na cadeira, fazendo meu corpo relaxar. – Isso pode ser perigoso, Yasmim, eu nunca me perdoaria se algo acontecesse a você.            Vejo que a peguei de supressa, mas era verdade, desde que caiu há dois anos, Yasmin era a minha única a amiga. – E eu nunca me perdoaria se te mandasse para algum perigo, eu te garanto, eles vão chegar.            As palavras dela mostravam algum significado que eu não entendi, porém ao mesmo tempo desejei ter a presença dela nessa jornada, além de estar indo em busca do desconhecido, eu estava indo em busca do meu futuro, da minha liberdade. Encaro a mulher mais uma vez, os olhos negros me deram a resposta, eu fui vencida naquela batalha.
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