Coloquei a última mala no carro e avistei Tom conversando com Yasmin, o que me fez sorrir, esse garoto de fato é insistente e nem é desprovido de beleza, tem a pele morena, cabelo liso e olhos negros, um corpo atlético, mas sua falta de habilidade em conquistar alguém deixa a desejar. Quando acabo fecho o carro e vou ao encontro dos dois.
– Vamos?
– Sim, foi um prazer, Tom. _Yasmin também sabia jogar esse jogo de sedução.
– Com certeza o prazer foi todo meu. _ Ele fala, sorrindo, como dizem: “A esperança é a última que morre”.
– Até qualquer dia, Tom, quem sabe ainda volte aqui.
– Vou aguardar ansioso.
Despedimo-nos e logo entramos em meu carro, com certeza iriamos no meu bebê, eu nunca o deixaria tão longe de mim.
– Como me convenceu a isso? _ Escuto a gargalhada gostosa de Yasmin.
– Primeiro, você faz tudo que eu quero, e segundo, sem mim você não vai conseguir o que quer, então...
– Espertinha. _ Digo, sorrindo e ligo o carro. – Pronta? Será uma longa viagem de quase quarenta horas, a noite paramos para dormir.
– Ótimo, até porque ninguém dirige seu bebê, certo?
– Por isso eu te amo, você aprende rápido. _ Sinto certa tensão vinda de Yasmin, mas logo se dissipa quando ela sorri para mim.
– Vamos nessa.
A voz firme da morena me deixa aliviada. Era manhã, depois de uma bela noite de sono, já sem argumentos sobre Yasmin não ir comigo, saímos de carro, deixando tudo para trás em busca de respostas que poderão significar o meu futuro. Conversamos sobre muitas coisas, sinto que ela sempre evitava falar do meu castigo, afinal, acordar com mulheres mortas ao meu lado com certeza não era assunto para se ter em uma viagem. Depois de quatorze horas paramos em um hotel em uma cidade pequena no estado de Mato Grosso, era simples, mas só precisamos de uma cama. Assim como eu, Yasmin tinha documentos falsos.
– Desculpa, mas só temos um quarto disponível. _ A garota da recepção falou, não tínhamos problemas em dividir uma cama.
– Tudo bem.
Yasmin respondeu sorridente para a atendente, mulheres também são bem interessantes quando estão querendo s**o. Pena que agora eu não posso ajudar muito, afinal, não queria alguém morto em minha cama na manhã seguinte.
– Prontinho.
A morena entregou os documentos a Yasmin e depois subimos a escada. Eu carreguei nossas mochilas com simples peças de roupas e material de higiene pessoal, ambas já conhecíamos bem essa vida de turista e viajante.
– Se quiser pode ir “comer” a recepcionista.
Falo e escuto Yasmin gargalhar, se fosse em outros tempos ela faria isso mesmo, mas segundo ela, estava tentando adotar uma vida mais saudável, isso para ela quer dizer encontrar alguém, quem sabe casar e formar família, queria desfrutar de todos os momentos que um humano tem direito.
– Apesar de isso ter passado pela minha cabeça, eu vou negar, a garota é super gostosa, mas ainda estou disposta a tentar uma vida normal, s**o apenas com alguém que eu for ter um relacionamento.
– Isso é tão chato. _ Falo ao jogar as mochilas na cama e tirar a minha jaqueta.
– Pode ser, mas eu caí para isso, Juliette, para viver uma vida normal, isso quer dizer encontrar alguém, me casar, ter filhos, amar, tudo vem em um pacote.
– Você está aqui há dois anos, Yasmin, por que ainda não fez isso?
Pergunto sem dar tanta importância, mas isso muda quando ela vira o corpo e fica de frente para mim, encarando meus olhos e suspirando.
– Ainda não encontrei essa pessoa.
Disse e vai para o banheiro, me deixando sem entender. Yasmin é uma mulher linda, sensual, inteligente, com certeza encontrará um homem ou mulher que a mereça, esse sempre foi o seu plano, amar na plenitude que o ser humano é permitido, porém ela parece se guardar, não se deixa sentir, isso é no mínimo confundível.
– Tudo bem então.
Digo ao me deitar na cama e respirar fundo, ainda teríamos outro dia de viagem, chegaremos a Manaus a noite, no dia seguinte iriamos para uma tribo no meio da floresta, era um tanto extraordinário. Logo escuto o som da porta se abrindo e a morena reaparecendo com um lindo sorriso no rosto.
– Como vamos fazer isso? _ Pergunto.
– Vamos chegar sem avisar, ele pode fugir, não que não vá me ajudar, porém tem medo, é um caído também, mas está em missão, vive na tribo há uns cinquenta anos, depois que cumprir voltará para o céu com sua graça.
– Arrependimento? _ Muitos se arrependiam da decisão de cair e sofrer das condições humanas, em grande parte era a falta de graça que pesava mais.
– Sim. _ Ela responde sem mais informações e depois se deita ao meu lado.
– Você nunca se arrependeu? _ A escuto suspirar, ambas olhávamos para o teto de madeira do local.
– As vezes sim, mas o peso maior é o de eu ter escolhido cair. Os humanos erram por escolha própria, os seres celestes erram por seguir ordem, os dois lados pesam, mas errar por si só te faz se arrepender, no nosso mundo não temos essa possibilidade. Os que voltam nunca mais tem respeito. A vida humana é mundana, egoísta, grosseira, preconceituosa, entre muitas coisas ruins, mas a sensação de sentir tudo isso é inexplicável. Eu os observava e sentia inveja, sentia desejo, sentia tudo, aquilo estava me matando, então resolvi fazer o óbvio, até porque eu já estava me envolvendo, já tinha sentido os prazeres carnais e depois que isso acontece nunca mais somos os mesmos.
– Isso é verdade. Mas ainda assim sinto que eu a escolheria, mesmo se não fosse esse castigo eu poderia estar vivendo feliz como uma caída, ter uma vida normal, quem sabe uma esposa e até filhos. _ Minhas palavras saíam com amargura e temor.
– Imaginar você como mãe não estava nos meus planos da noite, porém admito que o seu coração bom é maravilhoso para a construção desse sonho.
– Para ser mãe eu preciso... Não, eu quero uma companheira, quero uma família, essa é minha maior inveja da humanidade.
Nós duas sorrimos tímidas, era tudo muito “cru”, muito natural, humanos eram simples, mas ao mesmo tempo complicados, viver como eles era o mesmo que sentir cada sensação das suas condições. Escuto a morena suspirar de novo, então me deito de lado, mas ela permanece olhando para o teto. Apesar de amiga, algumas coisas nela ainda me eram desconhecidas, chegou a hora de mudar isso.
– Yasmin... _ Ela responde com um som nasal “hum”. – Você já se apaixonou?
Estranho era o mínimo que eu poderia dizer, o silêncio foi mais do que eu esperava, Yasmin continuou na mesma posição, eu olhava seu rosto com traços negros perfeitos, seus cachos caídos no travesseiro, de fato, uma linda mulher.
– O que isso quer dizer? É um sim? _ Então a n***a vira o rosto e me encara sorrindo, o que me trouxe um pouco de alívio.
– Sim.
– Oh, caramba, por que eu nunca soube disso? Desde quando?
Acabo me sentando, tamanha foi a surpresa pela revelação. Olho para o lado e Yasmin me encarava com o mesmo sorriso encantador de sempre.
– Todos já se apaixonaram um dia, Juliette. Isso é quase inevitável, por mais que os anjos tentem evitar, até eles passam por essa prova, alguns são fortes para resistir, mas a maioria sucumbe e acabam caindo, como foi o meu caso.
– Opa, opa, opa, você está me dizendo que caiu por uma paixão? _ Pergunto quase gritando, com certeza era muita informação.
– Quase isso, mas não vem ao caso, é uma paixão impossível. _ Minha cabeça girava em torno dessa informação, apesar de conhecer Yasmin há tanto tempo, eu nunca soube disso.
– Por quê? _ Ela me encara e sorri, dizendo sem palavras que não iria falar sobre isso. – Entendo, mas... Caramba, estou impressionada.
– Não fique, como eu disse, paixão impossível, muito mais do que a sua foi. _ Apenas a menção do meu passado me faz ficar quieta, volto a deitar e encarar o teto de novo. – Melhor dormirmos.
– Sim, é o melhor.
Eu confirmo, mas dormir seria uma missão impossível naquela noite. Rolei um pouco na cama, tentando ao máximo não a incomodar, quando viro um pouco percebo Yasmin dormindo calmamente, respiro fundo e me levanto, caminho até a janela e observo a cidade com suas luzes acesas. Tem uma pracinha ao lado, um parque de diversões próximo, vejo a roda gigante ainda em movimento, tento dissipar os pensamentos, mas ao mesmo tempo me incomoda a informação, só ainda não consegui descobrir o porquê disso.
– Ela é sua amiga, apenas isso.
Digo as palavras altas o suficiente para eu mesma me convencer delas, respiro fundo, fico ali por mais uma hora e depois volto para a cama, tentando ao máximo dormir, afinal iriamos ter uma longa viagem a partir de amanhã, Floresta Amazônica que nos aguarde.
No dia seguinte acordamos cedo, fechamos a conta na pousada e logo pegamos a estrada depois de um café da manhã reforçado. A verdade é que estranhamente se instalou um clima desagradável, diferente da primeira parte da viagem, nós não abrimos a boca para falar além do necessário. Isso resultou em mais onze horas de viagem desgastante e chata. Às onze da noite chegamos a Manaus.
– Vamos passar a noite aqui e cedo pegamos o barco para ir até a tribo. _ Yasmim diz.
– Espera, e meu carro? _ Com certeza não deixaria o meu bebê.
– Você tem que deixá-lo em algum lugar, ele não pode ir junto, vamos entrar na floresta.
– O que? Como assim deixá-lo, Yasmin? É o meu bebê. _ Falo quase chorosa.
– Juliette, vamos encontrar um lugar bom para ele. Pagamos um estacionamento ou então deixamos no hotel, nada vai acontecer com seu bebê. _ Sinto a ironia em suas palavras, mas deixo para lá, agora só quero encontrar um lugar seguro para meu filho.
– Então vamos para um hotel bom, me sentirei mais segura assim.
Dirijo para o centro de Manaus e logo avistamos um hotel que parece ser aceitável, entramos e fizemos o acordo de deixar o carro na garagem, claro que pagando uma taxa extra, para todos os efeitos éramos turistas em busca de aventuras, o que era normal por ali. Entramos no quarto e o clima estranho mais uma vez se instala.
– Você está bem? _ A voz suave de Yasmin é viciante.
– Sim. _ Jogo-me na cama, ela logo faz o mesmo ao meu lado.
– Você está esquisita. _ Eu sei, até eu percebi isso. Mas não daria esse gostinho a ela.
– Desculpe, apenas preocupada, essa viagem é importante, encontrar esse informante está mexendo com os meus nervos.
– Entendo, está preparada para o que pode descobrir?
– Na verdade nem um pouco. _ Nós duas sorrimos.
– Claro, claro. _ Alguns minutos de silêncio se fazem presente, era muito fora do normal ficar assim com Yasmin, éramos amigas, aquilo tinha que acabar.
– Posso te fazer uma pergunta? _ Eu falo.
– Sim. _ Ela suspira, mas ainda não nos encaramos.
– Quem é ele? _ O silêncio agora foi pior, pois sinto que ela não quer falar sobre isso.
– É complicado.
– Por quê?
– Está perguntando demais. _ Mesmo sem olhá-la sei que está sorrindo, a conheço muito bem.
– Você não acreditou que iria me dizer aquilo e eu não perguntaria, certo?
– Tinha esperança. _ Mais sorrisos, que apesar de sinceros eram nervosos.
– Não vou te dar um nome, Juliette, até porque não tem como acontecer. É impossível.
– Estou confusa, se fosse celeste, você não teria caído, pois continuaria no céu ao lado dele, se fosse humano, poderiam estar juntos, afinal caiu para isso. Então o que impede vocês de ficarem juntos?
Escuto mais um suspiro pesado de Yasmin, dessa vez sinto que passei dos limites, mas as palavras saírem naturalmente, é óbvio que ela não falará quem é, afinal, era um amor impossível.
– Ele é um caído, Juliette, um caído que está fora do meu alcance.
– Por que fora do seu alcance? _ A escuto suspirar de novo, esse assunto mexia muito com ela, fato que me deixou mais curiosa, principalmente porque eu nunca soube disso.
– Impossível porque ele nunca poderá me amar de volta.
E ao invés de sua resposta ser tranquilizadora, me deixa mais confusa, afinal, se apaixonar por um caído seria o sonho de qualquer um, pois seriam dois seres celestes apaixonados, que poderiam viver no mundo humano sem impedimentos, então por que isso não está acontecendo? Por que é impossível? As coisas só se complicavam mais. No fim resolvi deixar o assunto para depois, já tínhamos problemas demais para resolver e a vida amorosa de Yasmin não era a minha prioridade no momento.