Gabriel e Mel continuam a conversa em vídeo.
Gabriel diz: - Só um pouco. - Ele levanta-se e senta-se na cama, apoiado no travesseiro. Dorotéia vem junto e aparece no vídeo.
Mel: - Olha que linda.
Gabriel mostrando ela diz: - Essa é Dorotéia, a Doris. Era a cachorrinha da minha vó, que faleceu.
Mel: - Eu sinto muito.
Gabriel: - Já faz alguns meses, mas ainda não estou bem.
Mel: - Você morava com ela?
Gabriel: - Sim. Minha mãe morreu de câncer quando eu era moleque. Meu pai nos deixou quando ela ainda estava grávida. Sempre foi só nós três. Quando minha mãe faleceu, só tinha ela.
Mel: - Eu sinto muito. Você deve estar se sentindo sozinho.
Gabriel: - Muito. - Ele segue a narrativa de sua vida: - Minha vó sempre foi muito marcante e guerreira. Meu avô faleceu, novo. Ela não se abateu, mesmo ele sendo o amor da vida dela.
Coragem então vem agradar a Mel. Gabriel sorri dizendo: - Olha, quem é?
Mel: - Coragem. Ele é meu dono.
Gabriel gargalha e diz: - Entendi.
Mel: - Falo literalmente. Ele praticamente manda em mim. Furioso com todo mundo, só aceita minha mãe. Desde que o adotei não tenho mais vida social.
Gabriel: - Você tentou trabalhar isso, nele?
Mel: - Tentei e não tentei...eu não consigo ver quando são enérgicos com ele. Como dizem, eu estrago ele.
Gabriel: - Talvez uma outra abordagem. O que já tentaram?
Mel relata tudo. Gabriel escuta interessado. Ao terminar ele diz: - Quando eu for morar aí, acho que sei como podemos tentar uma nova abordagem.
Mel: - Sério?
Gabriel: - Ele é muito inteligente e manipulador, esse mocinho.
Mel ri, dizendo: - Meu dono….
Gabriel: - Você é a humana dele.
“Busca
Esperando reviver em busquei a vida,
nascente de um ser totalmente fragmentado,
alma dilacerada de incertezas,
enfim horizonte descobriu.
Asas de cristal banharam a fronte repleta de lágrimas,
caídas encheram o jarro de pensamentos absortos,
alheio vagando rumo ao incerto,
visão presenteou o que nunca surgiu.
Sem laços, sem brumas, sem pesos,
subindo aos céus acariciando o infinito,
força e fragilidade acompanharam se sutilmente,
algozes desejos libertos ao vento.
Aparente caminho apontou luz bendita de abnegação,
doação e inteireza soltaram-se sem temer,
o cair transmutou-se em flutuar,
voando como pássaro rumo ao desconhecido.
Pacificando recebi retocadas de amor,
amando iluminei como astro-rei,
felicidade refletiu semblante de luz,
entregando-me absorvi mais do que procurei.”
Mel: - Isso! Mas você estava contando sobre sua avó. Acabamos mudando de assunto.
Gabriel: - Então, ela já faleceu a meses, e estava procurando um sentido para minha vida, como te falei.
Mel: - E você mora na casa que era dela?
Gabriel: - Sim. Vou ter que vender.
Mel: - E vai conseguir se desfazer de tudo? E as lembranças?
Gabriel sorri, dizendo: - Vão comigo aqui. - Fala colocando a mão no coração e termina: - E aqui. - Fala colocando a mão na cabeça.
Mel: - Eu fiquei chateada quando venderam a casa dos meus avós. Quem comprou demoliu. Ela era muito antiga e caía aos pedaços. Fiquei meses olhando aquele lote vazio...pensando em tudo que tinha vivido. Confesso que me doeu. Minha mãe ainda tem coisas deles.
Gabriel olha para tudo: - Eu vou levar algumas coisas, mas vou doar e vender o resto.
Mel: - Eles juntavam tantas coisas né?
Gabriel: - Você nem imagina. Felizmente vivo em uma comunidade um pouco mais simples. Todo mundo conhecia ela. Todos a amavam. Vai ser fácil doar para essas pessoas coisas que foram importantes para ela.
Mel: - Você não tem medo de se arrepender?
Gabriel olha bem para Mel e fita seus olhos por alguns instantes, respondendo: - Não irei. Tenho certeza na minha alma que não irei.
Mel sente novamente um frio na boca do estômago e um arrepio no seu lado esquerdo. Sem entender diz: - Querendo trazer algumas coisas, você terá um bom lugar aqui. Não é assim uma mansão, mas tem um bom espaço. Qualquer coisa fazemos mais.
Gabriel: - Agradeço. Só vou ver mesmo quando começar a mexer. Vou amanhã mesmo começar. Quero ver se em duas semanas estou aí.
Mel: - Fique o tempo que precisar. Seu container já está pronto. Você ficará bem do meu lado. Seremos vizinhos de porta.
Gabriel: Isso é maravilhoso. Acho que nos daremos bem.
Mel sorri dizendo:- Também estou achando. É fácil conversar com você. Normalmente não falo muito e sempre fica um silêncio desconfortável.
Gabriel: - Eu tenho a impressão que até o silêncio com você é bom.
Mel sorri, encabulada e responde: - Também sinto isso. Mas você deve estar precisando dormir.
Gabriel: - Olha, ando me sentindo sozinho. Dou um dedinho por uma boa conversa. Você que deve ter que levantar cedo amanhã…
Mel: - Preciso sim, mas estou com insônia.
Gabriel: - Você tem insônia?
Mel: - Às vezes durmo cedo, mas quando tenho algo importante, no dia anterior fico com insônia.
Gabriel: - Eu não perco meu sono por nada. - Fala rindo alto.
Mel: - Você parece ser bem calmo.
Gabriel: - Normalmente sim. E você parece ser calma por fora e um turbilhão por dentro.
Mel: - Acertou, mas normalmente o pessoal à minha volta pensa que eu sou calma, então esse será nosso segredo.
Gabriel fala colocando a mão no peito: - Estará guardado comigo. - Ele então para um pouco e pergunta: - Você tem irmãos?
Mel: - Somos cinco irmãs.
Gabriel arregala os olhos, brincando: - Seus pais trabalharam.
Mel ri esboçando um fato sorriso.
Gabriel pensa: - Olha aí de novo.
Mel: - As duas primeiras são filhas do primeiro casamento do meu pai. A terceira do segundo e minha irmã e eu do último.
Gabriel: - Você é a caçula né?
Mel: - Como você sabe?
Gabriel: - A caçula sempre é a mais doce…
Mel: - Você não conhece minhas irmãs para saber qual de nós é a mais doce…
Gabriel: - Tenho certeza que é você…
Mel: - Minhas irmãs dizem que sou geniosa.
Gabriel: - Personalidade forte pode ser doce também.
Mel: - Olha que você vai mudar de ideia.
Gabriel olha de novo nos olhos dela demoradamente e diz: - Acho que não.
Mel sem graça continua a contar sobre sua família:- Meu pai mora com minha irmã mais velha e minha mãe comigo, quer dizer, agora com meu padrasto, mas é minha vizinha de porta. Ela, do lado direito e você será do lado esquerdo.
Gabriel: - Vocês moram todos em Gramado?
Mel: - Não. Minhas duas irmãs mais velhas moram em Florianópolis, SC; minha terceira irmã mais velha em Porto Alegre, aqui pertinho; e minha quarta irmã mais velha mora em Curitiba.
Gabriel: - Nossa, vocês estão todos espalhados.
Mel: - Sim…minha família é complicada…difícil explicar tudo de uma vez…
Gabriel: - Teremos tempo para nos conhecermos. - Fala com um sorriso doce.
Mel: - Espero que sim, Gabriel. Espero que goste daqui e do projeto.
Gabriel: - Pesquisei vários, Mel. O seu encheu meu coração de alegria. Um sentimento de lar enorme tomou conta de mim. - Ele fala com os olhos marejados, buscando olhar fundo nos olhos dela.
Mel se emociona e também enche seus olhos de lágrimas. Tinha vontade de pegar ele no colo. Como alguém podia exibir tanta força e tanta vulnerabilidade em um mesmo momento?
Gabriel: - Eu tenho certeza que irei para ficar e fazer um lar. Se você me quiser.
Mel olha para ele surpresa. Ele então reformula: - Quer dizer, se vocês me quiserem.
Mel sorri. Eles ficam ali se olhando em silêncio. O tempo parece congelar. Era como se ambos tivessem uma lembrança sem explicar. Eu seus corações, mesmo que de uma forma inconsciente existiam palavras dormentes como se pensassem nelas ao mesmo tempo:
Sinto tua falta, sem entender ou sem explicar... falta do teu abraço, teu cheiro, teu calor, tua pele, teu gosto, falta de todos os teus jeitos: triste, brincalhão, competitivo, irritado, distante, emotivo, concentrado, nervoso, agitado, agoniado, perdido, e outros tantos que existem em um só… falta de momentos que nunca tivemos: ficar com o nariz encostado no teu de olhos fechados... ali parados, ou olhando nos teus olhos em silêncio, ou simplesmente abraçados, ou separados nos olhando e sorrindo, falta de te cuidar num resfriado, ou me irritar com alguma mania, de não querer ter razão de nada para não brigar, de não me importar em estar certa ou errada, só em te olhar. Falta do som da tua voz, de te amar e me perder e você, de não querer dormir sem fazer as pazes, e se puder evitar brigar, falta de aprender algo para te agradar e deixar de fazer algo que te irrita, de receber uma mensagem no meio do nada, de saber que precisa de mim, de olhar nos teus olhos e me sentir em casa, plena e em paz, ou de simplesmente segurar tua mão e estar no único lugar que gostaria... sem ter que ir ou ficar... só existir... falta de tantas outras coisas que jamais serão e mesmo assim parece que já foram... e diante de tudo isso me pergunto se não é amor o que poderia ser? Que força é essa que me puxa como uma certeza de que é e sempre será? E quando penso que te quero pra mim... vem o cuidado de você não me querer... e o querer que você queira alguém como te quero, mas queira... porque você merece sentir por alguém o que sinto quando olho para você…. e então querendo te segurar, te solto... sem conseguir colocar meu querer acima do teu, minha felicidade acima da tua... Sei que se um dia você quiser vir... se sentir algo mesmo que não o mesmo... que venha por inteiro mesmo que por instantes... e se não sentir nada... só amizade... que seja transparente e sempre verdadeiro... que estará tudo bem, não quero nada que você não queira e mesmo que queira... jamais colocarei meu querer acima do teu... sei que sinto, ficando... sem conseguir partir...esperando algum momento te reencontrar ou nos perdemos por alguma decisão tua... buscando forças em uma decisão minha... se for para te proteger... e seguir…
Por alguns instantes era como se seus corpos não estivessem ali. Sentiam um lugar com cheiro de rosas, um calor gostoso do sol, uma doce brisa, um barulho de água... como se estivessem em outro lugar... juntos... vivenciando outro momento e lugar... juntos como jamais estiveram antes... não naquela vida.
Então Mel pisca seu olhar como se acordasse de um transe. Gabriel então desperta também. Ela assustada com o que aconteceu diz: - Preciso descansar.
Ele compassivo com o momento terno, entende a necessidade de Mel em partir. Sem se delongar diz delicadamente: - Claro. Vai descansar. Teremos tempo para nos conhecermos melhor. - Sorri docilmente.
Mel sem olhar muito para ele, fugindo encerra o vídeo dizendo: - Boa noite.
Ele fala depois que ela desliga: - Boa noite. - Então escreve: - Dorme com Deus.
Ela lê e responde: - Você também.
Gabriel tira a roupa, colocando uma calça estilo de capoeira, branca. Então deita embaixo das cobertas, para dormir. Ele então começa a pensar em Mel. Em sua cabeça vem uma música que ele resolve escutar - From This Moment On - Shania Twain.
Mel coloca uma camisola branca, longa e também deixa para dormir.
Gabriel adormece, ouvindo a música, ao mesmo tempo que ela. Mel está ainda consciente e consegue ouvir a mesma música ao longe. Ela sente seu corpo flutuando como se seus pés não tocassem o chão. Gabriel não está consciente, mas seu espírito sai do seu corpo e também flutua. Eles vão em direção a uma linda luz lilás que os sugava para dentro de um espiral cheio de flores e cheiro de rosas. Ao entrar naquele espiral, apareceram naquele lindo lugar, cheio de animais, girassóis, alecrim, rosas...dava para ouvir o som da água da cachoeira do lago... tudo era tão familiar... sim... estavam em casa…
Gabriel e uma mulher branco sentada perto do lago, encostada na árvore. Ele ao se aproximar, senta-se ao seu lado, tocando seu ombro. Então ela se vira. Era Mel, que o olha e sorri, o abraçando. Ao abraçá-lo automaticamente cheira seu pescoço. Ele retribui fazendo o mesmo. Eles ficam ali quietinhos, ouvindo o barulho da água, abraçados, sentindo o cheiro um do outro. Era como se não precisassem estar em nenhum outro lugar. A noite passa. Mel acorda com o despertador. Ela então lembra do sonho e se assusta. Em outro estado, Gabriel está no lugar em outra dimensão e perde Mel. A sensação de rompimento e separação é iminente. Ele então grita seu nome e desperta em seu corpo suando frio. Sem lembrar de nada, acorda com uma sensação horrível de perda. Então pega um calmante natural de cima da sua mesinha de canto, tomando com água. Vira-se para o lado e tenta dormir mais um pouco. Na sua cabeça sofreria a perda de sua avó.
Mel se arruma para receber Augusto. Nervosa com a lembrança do sonho, nervosa com a visita de Augusto, termina de se arrumar, sem conseguir comer nada, leva Coragem e Vida à sua mãe e toma uma xícara de café com leite, indo para o escritório da ONG.
Chegando no escritório encontra Piggy tomando café nas poltronas da recepção, Luca mexendo no celular, sentado na cadeira de Berta, e Berta fazendo um café novinho para Mel.
Berta, sorridente vem e lhe alcança a xícara, dizendo: - Bom dia, flor do meu dia.
Mel sorri: - Sim, que horas acordaram?
Luca: - Praticamente nem dormi.
Mel: - Achei que fosse somente eu.
Piggy: - Estou acordando agora com o café. Estou ainda voltando para meu corpo.
Berta: - Fui lá acordar o Piggy caso precisemos de ajuda. Também pouco dormi essa noite. Espero que ele goste de mim. E se eu causar espanto?
Mel abraça Berta: - Causa nada. Todo mundo te ama.
Berta: - Num segundo momento. No primeiro, alguns me rejeitam.
Mel: - Depois se arrependem. Seja você mesma, Berta, que não tem erro.
Berta sorri.
Um carro se aproxima e estaciona bem na frente da janela. Era Augusto. Lucas e Mel entram na sala. Piggy sai pelos fundos e vai para seu escritório.
“A ti meu amigo
Esse que se entregou a meus braços e abraços…
olhos presos, repletos de luz e de ardor…
Era ontem ideal e perfeito com suas imperfeições…
enchendo meus sonhos e noites de encanto e fantasias.
Fartando me com a ilusão de não mais vazio…
Fazia da minha vida uma doce utopia.
Era quem me deixava vulnerável, passional, impulsiva…
presa pelo medo da perda sem ter tido,
ecoando a ausência em todos os sentidos.
Loucura sem ser, e sem sentido…
Agora repousa em mim, com o fim, e o amigo.
Não mais um querer, uma paixão e sim um carinho,
da sombra a luz se fez em um gentil alívio…
Diante de ti, está só a paz no laço e entre laços,
de almas livres, em suas vidas felizes, convivem alheios…
Presentes, distantes, ressurgem novo capítulo…
resgate da dor enfim com um puro convívio.”
O Sr. Augusto sai do carro dizendo ao motorista: - Pode me esperar. Talvez demore um pouco.
Berta levanta e gentilmente estende a mão para o senhor, esperando rejeição. Ele olha bem para ela, sorri e lhe beija a mão como um cavalheiro. Berta então sorri, sem graça. Era a primeira vez que alguém fazia isso com ela.
Sr. Augusto: - Minha jovem...tenho uma reunião com a senhoria Mel. Ela está?
Berta esboçando um lindo sorriso dia: - Se ela está? Logicamente. Está esperando o senhor! - diz o acompanhando até a porta, abrindo e anunciando. Ele passa por ela e lhe dá uma piscadinha. Berta arruma o cabelo, envaidecida.
Mel cumprimenta o senhor e apresenta Luca: - Como vai senhor Augusto, bom lhe conhecer pessoalmente. Esse é meu associado e melhor amigo, Lucas. - diz mostrando ele.
Senhor Augusto o cumprimenta dizendo: - O prazer é todo meu. Muito prazer senhor Lucas. Espero que façamos um ótimo trabalho, juntos.
Mel aponta para a cadeira de visitas dizendo: - O senhor gostaria de sentar?
Senhor Augusto: - Querida, vim agora de viagem, sentado. Se não for pedir muito, gostaria de um copo de água e já ir visitar a ONG. É muito cedo?
Lucas vai até o frigobar e lhe alcança um copo de água mineral.
Senhor Augusto toma tudo em um só gole e agradece.
Mel responde ao nobre senhor: - De forma alguma. Quase ninguém chegou, mas podemos lhe mostrar tudo.
Augusto: - Você vem também, né? Perguntando para Mel.
Ela e Lucas se entreolham. Ela havia pensado em deixar ele e Berta fazendo as honras para poder operar e conseguir a renda do dia, porém precisava conseguir a ajuda do nobre e gentil senhor, então sorrindo, responde: - Claro que sim.
Eles então vão. Berta fica cuidando do telefone, já que Mel saiu do escritório.
Augusto se vira para Berta dizendo: - Logo mais venho conversar um pouco com essa dama.
Berta sorri mais uma vez envaidecida, mexendo os cabelos.
Eles saem. Mel, alcança uma garrafa de água para cada um dizendo: - Vai ser uma longa caminhada.
Augusto animado: - Que bom. Preciso de exercício. Ademais, sempre faço uma hora de caminhada matinal. Hoje que não fiz. Parece que adivinhava.
Eles saem.
Berta, olhando para o motorista, vai até o carro batendo na janela.
O rapaz, alto, magro, branco da cor de Berta, sorri. Berta sorri de volta dizendo: - Você gostaria de entrar, tomar um café, uma água. Vai esperar muito tempo. Aqui é bem grande e tem muita coisa para mostrar para seu chefe.
O motorista sorri e sai, fechando o carro. Ele então entra no escritório.
Berta: - Senta aí e fica à vontade. Não precisa ficar todo duro. Você está em casa. Vou fazer um café novinho para você.
Ela faz e alcança. Depois traz um copo e uma garrafinha de água mineral, colocando com descansa copos, em cima da mesinha de centro na sala de espera.
Ele sorri e agradece.
Berta diz apontando para uma porta ao lado da sala: - Ali é o banheiro se precisar. Aqui tem revistas, o wi-fi é aberto e se quiser posso ligar a televisão.
Ele: - Obrigado. Vou ficar no celular mesmo.
Berta senta-se e começa a mexer no seu celular.
Gabriel acorda. Era nove horas passadas. Ele então levanta e vai tomar um café. Sua dor no peito de angústia estava melhor. Ele pensava em resolver tudo e ir embora. A sensação é de que iria para casa. Um alívio invadiu seu coração e só pensava em Mel.
Ele então envia uma mensagem: - Bom dia, que seu dia seja de paz e alegria. Pensando em nossa conversa de ontem. Se quiser podemos repetir…
Mel está conversando, percebe que recebeu mensagem e espera Luca tomar a palavra para ler. Quando percebeu ser de Gabriel aquele frio novamente aconteceu no seu estômago. Não conseguia controlar. O que estava acontecendo. Querendo evitar não consegue e responde: - Bom dia. que seu dia seja igualmente de paz e alegria. Se quiser e puder, podemos conversar hoje no mesmo horário.
Gabriel que não tirara os olhos do celular, vendo que ela visualizou esperava ansioso a resposta. Ao ler esboça um largo sorriso, novamente. Então responde: - Às vinte horas te ligo. Beijos.
Mel: - Beijos. - Estava confusa e assustada. O que estava fazendo? Pensou em dizer não, dar uma desculpa e escreveu que sim. Tinha tido visões, sonhos e não controlava o próprio corpo por conta de momentos com ele. Era claro que precisava tratar tudo com formalidade antes que se apaixonasse. Para e pensa: - Bem capaz. - Fazendo uma cara condizente.
Luca vê a cara dela e, já acostumado com sua conversa interior, emenda outro assunto, distraindo Augusto.
Mel está absorta em seus pensamentos. Uma parte fica negando o que está sentindo e racionalizando e outra sentindo tão forte que parece que seu peito vai explodir.
Gabriel começa a encaixotar o que decididamente vai levar com ele. As lembranças de sua avó e de sua mãe estão em toda a parte. Ele fica pensando se deveria vender a casa ou alugar, mas não iria ficar viajando de lá para cá. ele se conhecia, quando estava em um lugar ficava nele. E com as atribuições da ONG com certeza nem férias tiraria. Estava decidido a viver para o projeto de mel. Ficaria a casa abandonada. Renda alugando não precisava. Era somente mais incômodo. Ele então separa na garagem tudo o que vai doar para a comunidade. Sabia que algumas coisas dariam para pessoas específicas, que sua avó adoraria. Ele então para um pouco e respira lembrando do sorriso de sua amada vozinha. Aos poucos foi tirando tudo do lugar e a casa foi perdendo o toque. Ao entrar no quarto que era dela, mais lembranças. Já tinha doado suas roupas para a sua melhor amiga. Eram só móveis e lembranças. Ele então e a poltrona que tantas vezes sentava para conversarem, quando chegava do trabalho muito tarde. Ela sempre o chamava, quando passava pelo quarto, para dar boa noite e conversar sobre seu dia. Nunca dormia sem ele ter chegado em casa. Ele já cuidava para nunca deixar de voltar ou avisar que dormiria fora, caso estivesse de plantão. Ah aquela poltrona, certamente iria com ele.
Ligando para um amigo, pede se pode ajudá-lo a colocar os móveis na garagem, para doar. Esse amigo vai na mesma hora interessado. Chegando lá, pergunta: - Vai redecorar a casa?
Gabriel: - Vou vender. Quero me mudar.
O amigo: - Sério isso?
Gabriel:- Sim.
Amigo: - Percebi que não está bem desde a perda da sua avó.
Gabriel: - Estou sem família. Preciso mudar, ter um propósito na vida.
Amigo: - Eu acho que faz bem. Vou sentir tua falta, mas se acontecesse comigo, acho que eu também iria querer recomeçar em outro lugar.
Gabriel: - Acho que isso ajuda a iniciar uma nova página na vida. Um lugar novo para novas lembranças.
Amigo: - E quanto você quer na casa?
Gabriel: - Porque, está interessado?
Amigo: - Na casa e nos móveis.
Esse era um amigo de infância de Gabriel. Perdeu as contas de quantas vezes dormira lá. Era um sinal para Gabriel que abre mais uma vez um lindo sorriso dizendo: - Quanto você teria?
O amigo; - Isso é sério?
Gabriel: - Diz aí.
O amigo diz. Era uma quantia mais do que justa. Gabriel poderia tirar um pouco mais, mas não era de seu interesse, ademais era seu melhor amigo e a casa de sua avó ficaria com um neto postiço. Era perfeito.
Aceitando, ele e o amigo se abraçam. Gabriel então diz - Achei que fosse demorar para seguir viagem, mas parece que é destino.
Amigo: - Vou agora mesmo ver o dinheiro que juntei para a casa e podemos fazer tudo hoje, se quiser.
Gabriel: - Está ótimo. Posso arrumar tudo para viagem, hoje, e seguir amanhã mesmo para a nova cidade.
Eles brindam com um café e assim fazem. Enquanto seu amigo vai pegar os documentos e transferir a quantia para efetivar a compra, depois iriam no cartório. Confiavam um no outro. Gabriel encaixotava e colocava no seu carro o que iria levar. Em sua mente estava a cara que Mel faria ao saber que no outro dia ele já estaria lá. Não via a hora de estar com ela pessoalmente. Seu coração dava pulos.
Na ONG, Augusto está realmente satisfeito com tudo que viu. Os projetos ainda estavam iniciando. Precisavam de mais patrocínio, para maiores atividades e ele estava feliz em participar. Eles então vão para o escritório tomar um café chegando lá encontram Berta e o motorista conversando como se fossem amigos de infância. Berta, que estava sentada na sala de espera, levanta arrumando sua saia e vai para sua mesa.
Augusto olha para o motorista e sorri. Mel pisca para Berta que segura o riso.
Mel convidando Augusto para sua sala diz: - Vamos tomar um café?
Augusto: - Adoraria, depois preciso ir. Já vi o que preciso. Com certeza vamos fechar com sua entidade.
Mel faz posição de oração com sua mão dizendo: - Namastê.
Augusto sabe exatamente o que significa e retribui com o mesmo gesto: - Namastê. - ele acrescenta ainda um comentário: - Quero vir aos finais de semana cuidar do gatil.
Mel sorrindo diz: - Será adorável.
Augusto: - Amo gatos. Tenho cinco em casa que eram de minha esposa. Ela os amava. - Ele enche os olhos de água dizendo: - Quando estava doente, nem se preocupava com a sua dor. Só pedia para que eu cuidasse deles. Me fez prometer. Eu não era tão apaixonado assim como ela, mas fui me apegando. Depois que ela partiu, agora vejo um pouco dela em cada um. - Fala esboçando um sorriso de saudade e paz, conformado com sua perda.
Mel se emociona. Ela entendera o motivo daquele coração ter dado uma a******a à causa social depois de tanto tempo. Então diz: - Lamento por sua perda.
Augusto diz: - Eu também, querida. Quando encontramos o amor aos vinte e cinco anos, e passamos a nossa vida ao lado dele, a despedida nunca é fácil, mas tive tempo para vivê-lo a cada amanhecer. E aproveitei, sabe? Sou grato a Deus por ter tido quarenta anos de muito amor e plenitude. Não tivemos filhos, não pudemos, mas hoje tenho meus gatos. - Fala gargalhando para disfarçar sua tristeza. Então levanta agradecendo a atenção e parte.
Berta e Luca entram na sala com cara de interrogação.
Mel diz: - Conseguimos!
Eles se abraçam e depois dão um abraço a três. Nisso chega Piggy, que se atira em cima dos três, fazendo palhaçada e todos riem.
A noite cai e Mel está em casa tomando banho. Deixando uma água muito quente cair em seu corpo pensa no cansaço, mas também na alegria de conseguir mais um patrocinador e voluntário.
Gabriel está com tudo no carro e já fechara a venda da casa. Tudo aconteceu maravilhosamente e milagrosamente rápido. Estava louco para chegar às vinte horas e contar para Mel. Ele então vai tomar um café e comer algo.
Mel sai do banho e vai comer algo. Como sempre, um suplemento e um chá para tentar dormir melhor. Estava agitada e nervosa. Tremia por dentro ao pensar que dali alguns minutos conversaria com Gabriel. Não entendia mesmo o que estava acontecendo. Não gostava de se sentir assim. Toda vez que lembrava do olhar dele, do sorriso dele, da sua voz, sentia seu coração disparar, seu peito enchia de calor e seu estômago sentia arrepios. Seriam as tais borboletas que tanto falavam nos filmes de amor? Ela negara-se a acreditar. Não com ela. Havia passado quarenta anos praticamente sozinha. Se apaixonara, mas nada assim. Deveria ser uma gripe, um encosto, um m*l-estar. Mas amor? Paixão? Por alguém que acabou de conhecer? Não mesmo. Era irracional, adolescente e sentimental demais para alguém como ela.
Pronta para dormir, senta-se em sua cama, faltando vinte minutos para a hora marcada com Gabriel. Ela então começa a pensar nele forte. Ele está do outro lado, sentado em sua cama, também, preparado para dormir, por querer conversar muito tempo com ela, e pensando forte nela. Ela então sente um arrepio do seu lado direito. Sabia ser ele, pensando nela. Não entendia como, mas sabia.
Uma música esboça bem esse momento - Inesquecível - Laura Pausini.
Ele pensa nela, ela nele. O coração de ambos dispara. Faltavam cinco minutos.
Tinham conversado por tão pouco tempo, mas parecia que já conheciam aquela alma …e ao mesmo tempo era como se o lar de cada um fosse no corpo do outro. Não entendiam metade dos seus sentimentos, não explicavam nada do que sentiam, nem se perguntavam nada…apenas sentiam…era doce, cálido, imensurável, bendito, afável, mágico, humano, angelical, inestimável, contraditório, saboroso, inegável, recíproco, transparente, acalentador, inocente de uma forma sensual, simplesmente incomum, envolvente e infinito.
Sim…sentiam-se infinitamente entregues, mergulhados em um escuro lago de diversos sentimentos e emoções, onde a razão não habitava, nem visitava, nem mesmo sabia onde ficava…ao mesmo tempo tudo parecia tão claro, nítido, lógico e simples, como se pela primeira vez na vida estivessem vendo o mundo realmente como ele era: com uma caga grande de escuridão, sim, mas uma imensa possibilidade de bondade e amor. Era como se tivessem entendido ser a vida um grande milagre, só de olharem um para a alma do outro…
Ali onde os olhares dos espíritos se reconheceram de distantes origens...
“Colo abrigo
Olhar para você me faz sentir e lembrar…
o barulho do mar em uma noite suave de verão,
o cheiro de terra molhada em um dia de chuva,
uma doce brisa nos dias de calor,
um céu estrelado depois de muitos dias de tempestade…
Enxergar você me dá paz, luz e proteção…
como um abraço demorado em um filhotinho de estimação,
ou o som gostoso de uma criança rindo,
o cheiro de recém-nascido,
o beijo do primeiro amor…
Teu sorriso revela a melhor parte da vida…
como acordar cedo num final de semana e poder voltar a dormir,
ou cheirinho de café passado nas manhãs,
ou o flutuar em águas calmas sentindo a leveza do momento,
o caminhar em pétalas de rosas de olhos fechados…
Teu olhar transborda emoções únicas e indecifráveis…
como sentir amor à primeira vista,
ou se entregar ao mais puro desejo,
ou a certeza de que existem outras vidas,
o tocar de almas num simples gesto amigo…
Tua existência dá sentido à vida…
deixando claro a justiça do fim da alegria para a dor também findar,
libertando, para felicidade, o amor do cativeiro,
sem tempo nem espaço estar inseparáveis e eternos,
abriga, alimenta, salva, cura, ilumina e resgata…”