5 anos depois
_ ...139, 140! Muito bem, Gustavo, o seu tempo foi o mais rápido da história desse clube.
O treinador de Gustavo o aplaudia, era a segunda vez que ele ultrapassava os recordes no quesito natação.
_ Obrigado. _ Ele sorriu, um pouco tímido, ainda imerso em seus próprios pensamentos.
“Alguns dias antes
_ Eu gosto de você. _ Gustavo finalmente tomou coragem para dizer o que tanto o afligia.
_ Eu também gosto de você, Gus. _ Escutou-a dizer, mas não se contentou com essa resposta.
_ Não, Mari, eu não gosto de você apenas como amiga, eu gosto de você como um rapaz gosta de uma garota.
Silêncio. Era exatamente esse o seu medo, ele temia que o momento se transformasse no mais constrangedor possível e era o que estava acontecendo. Marianna não soube como reagir, afinal, já havia recebido declarações de outros rapazes, porém Gustavo era o único que parecia dar-lhe o verdadeiro valor.
Ele não buscou nela a beleza, mesmo que Marianna a tivesse, mas buscou o interior. Aquela jovem nunca, em toda a sua vida, havia visto um olhar tão puro, impactante e amoroso direcionado por um homem a si como tinha visto o de Gustavo.
_ Você acha que sou muito infantil por ser mais novo, eu sei, mas..._ Gustavo estava nervoso com o silêncio.
_ Não é isso... _ Marianna olhou para trás de Gustavo e viu a figura mais desagradável de todas. Sua voz falhou.
_ Está tudo bem? _ Gustavo percebeu a mudança de semblante no rosto de Marianna e ficou preocupado.
_ Está sim. _ Ela fingiu um sorriso quando o homem se aproximou.
O tal homem sorriu para Marianna e Gustavo, mas por dentro estava com um ódio mortal, não queria nenhum outro perto dela, como se fosse sua propriedade, como se ela o pertencesse.
Seu ódio cresceu ao se aproximar e perceber que os dois estavam próximos demais para seu próprio gosto. Olhou o menino de cima abaixo com desdém disfarçado com um sorriso. Segundo sua opinião, o rapaz não a merecia, ninguém a merecia. Ela era sua e de mais ninguém.
Ele fez questão de deixar isso claro quando soube de seu envolvimento com um rapaz de sua escola, disse que descobriria quem era e o mataria, a jovem não lhe deu ouvidos e o que teve por consequência foi um ex-namorado morto por asfixia. Desde então, Marianna jamais se envolveu com nenhum outro rapaz.
_ Sobre o que você ia falar..._ Gustavo a incentivou, mas não viu ânimo em seu olhar.
_ Eu só ia dizer que você tem razão, te acho bem infantil, então não venha me falar esse tipo de coisa ou nossa amizade acabou.
Marianna se arrependeu no instante que viu o sorriso se esvair dos lábios de Gustavo. Mas, ela não voltou atrás, era sua única saída.
_ Tudo bem, obrigado pela sinceridade. _ Ele sorriu triste, quase arrancando uma confissão dela, mas a garota se manteve firme.
Os dois se levantaram do banco onde estavam sentados e se despediram com um breve cumprimento no balançar de suas cabeças. Gustavo ficou pensativo, olhou para trás novamente e já não a viu mais.
Havia desaparecido. Não só ela como o homem que a acompanhava. Era seu parente, Gustavo lembrou-se de Marianna tê-lo mencionado em algum momento. Não importava mais, o sentimento não era recíproco e ele seguiria em frente.”
_ Gustavo! _ A voz que ouvira o fez reagir. Era ela.
Ele sorriu. Talvez para os outros aquele sorriso fosse normal, mas não para Marianna. Ela via o sorriso dele como um troféu que ela recebia por acordar todos os dias. Era como uma ajuda para resistir a tudo que passava quieta, sem que ninguém soubesse. Um dia, ela pensava consigo, ainda terei coragem de contar a ele o que acontece comigo.
Ela continuou encarando-o enquanto ele saía da piscina, como se estivesse paralisada. Nunca havia reparado, de fato, nos olhos de Gustavo, no sorriso, no cabelo.
Os dois pareciam completamente opostos: enquanto Gustavo era alto demais para seus dezoito anos, Marianna era extremamente baixa para seus dezenove, ele era branco com cabelos pretos e ela, ruiva, ele sorria com frequência, ela não. Enquanto ela tinha olhos azuis, ele tinha olhos negros. Ah, os olhos dele, ela jamais havia visto olhos tão meigos, com tanto amor voltado para si!
_ O que faz aqui? _ A pergunta saiu de forma inocente, mas bastou para deixar Marianna envergonhada.
_ É que... bom... eu _ ela gaguejou como nunca. _ A sua irmã, ela te pediu para me buscar.
_ O que? _ Gustavo soltou uma risada com a confusão de Marianna. E foi então que, pela primeira vez, Marianna percebeu que Gustavo tinha covinhas.
_ Você tem covinhas. _ Quando viu, as palavras já haviam saído de sua boca.
_ Sim..._ Ele franziu o cenho, como se não entendesse o que aquilo significava.
_ Ai meu Deus, a sua irmã, ela está te esperando, me pediu pra buscar você no clube! _ Ela bateu na própria testa com tamanho esquecimento.
_ E por que ela te pediu isso? _ Mais uma vez, Gustavo estava confuso.
_ Vamos ao shopping fazer um trabalho de pesquisa e estatística para nosso projeto da faculdade e ela disse que você poderia ir conosco, pois de lá, ela vai ao grupo jovem.
_ Tudo bem, só preciso me arrumar.
Ele disse bagunçando o cabelo, que estava cheio de gotículas d’água. O olhar que receberia de sua irmã seria o de reprovação, mas Marianna riu com a brincadeira.
Quando Gustavo saiu foi que Marianna se deu conta: estavam em um clube de natação e ela tinha pavor a piscinas, mares, praias e tudo que envolvesse água em grande quantidade.
Ninguém, inclusive a mãe de Marianna, sabia o porquê desse medo tão inusitado, mas todos a respeitavam, ou melhor, quase todos.
_ Mari, querida, quanto tempo! _ Karina, a líder das Top Beautiful, as 5 garotas consideradas mais bonitas e ricas da faculdade em que Marianna era bolsista, diz.
_ Olá, Karina, só faz algumas horas desde que saímos da aula. _ Marianna respondeu o que lhe pareceu óbvio.
_ Tanto faz. _ A líder disse, revirando os olhos e continuou, dessa vez com um sorriso falso no rosto.
_ Quer dizer, é um prazer para nós recebermos a bolsista mais inteligente da nossa faculdade aqui no clube.
_ Karina, eu não quero confusão. _ Marianna respirou fundo. Não engoliria mais uma ofensa daquelas garotas.
_ Quem quer confusão aqui?
Karina olhou para os lados como que procurando, de fato, uma pessoa. Marianna se afastou de Karina, indo para o outro lado da piscina, desviando-se dos venenos em forma de palavras afiadas.
Ela olhou para o lado a fim de ver Gustavo, ele estava demorando para trocar de roupa, foi sua impressão. Mas, logo viu-o sair do vestiário masculino com uma calça jeans azul escura e uma blusa polo preta, o cabelo continuava no mesmo estado, molhado e bagunçado.
Ela o encarou por alguns segundos, até ver a expressão dele mudar, ela só entendeu quando seu corpo tomou movimento sem seu consentimento.
_ Mari! _ Ele gritou, lembrando-se de que ela não sabia nadar.
Jogou-se na água no mesmo instante, não se importou com a roupa quando viu Marianna se chocar contra as águas da piscina olímpica. Ela respirava com dificuldade, enquanto escutava a risada de Karina e seus amigos. Gustavo nadou até ela com uma rapidez maior do que o seu recorde mais recente, sequer tomou fôlego, tamanho era o desespero em salvar Marianna.
_ Você está bem? _ Gustavo perguntou, assim que a puxou para cima pela cintura.
Marianna estava pálida, o ar era quase imperceptível em suas narinas, mas ela assentiu com a cabeça. Ele a pôs sentada na beirada da piscina, enquanto ela chorava baixinho.
Os soluços estavam aumentando, mas ela segurava, pois nunca chorava em público, apenas quando sabia que estava sozinha em casa, então ela desabava em sua cama. Gustavo olhou-a mais uma vez, sem saber o que fazer e foi quando ouviu uma risada atrás de Marianna. Ele elevou os olhos, furioso. Karina.
Nem o proprietário aguentava mais aquelas meninas fazendo badernas em seu clube, mas as aturava pela quantia que recebia em troca. Agora Karina passou dos limites, e Gustavo queria uma posição do dono do clube.
_ Venha comigo, Mari, você precisa se secar. _ Ele disse, guiando-a ao vestiário feminino, mas antes passando no vestiário masculino, entregando-lhe suas roupas secas, as que ele deixava de reserva em seu armário.
_ Isso mesmo, venha cá, querida.
Karina, com seu deboche em dia, tentou entrar no vestiário feminino atrás de Marianna.
_ Pode entrar no vestiário, eu aproveito esse tempo e vou agora mesmo à delegacia te denunciar por tentativa de homicídio! _ Gustavo proferiu as palavras com irritação.
_ Você acha mesmo que eu, euzinha, ficaria presa um dia sequer tendo o pai que tenho? _ Karina riu mais uma vez.
_ Acredito que seu pai não queira uma manchete com direito a capa de jornal com sua filhinha indiciada por tentativa de homicídio. Ele tiraria seu carro, pelo menos. _ Gustavo sorriu quando a pose de deboche de Karina desandou.
_ Se essa garota não atravessar meu caminho, eu nem saberei que ela existe. _ Karina se virou para ir embora.
_ Se você não a perturbasse, ela sequer saberia que você existe. _ Gustavo rebateu na mesma hora.
Karina continuou seu caminho, agora mais furiosa do que nunca. Odiava a todos que não tivessem o mesmo nível social que ela, a humilhação por passar necessidade era pouco pelo que Karina achava que mereciam.
Os que ousaram cruzar seu caminho, como era o caso da bolsista melhor amiga dos Smith, ela usava de golpes baixos, descobrindo seus piores segredos e fazendo-os passar a maior das vergonhas na frente de uma multidão. Holofotes: era isso que ela tanto queria.
A líder das Top Beautiful descobriu o pavor de Marianna por água pelo fato dela não participar das aulas extras de natação. Os bolsistas sempre aproveitavam tudo o que podiam e com Marianna não era diferente, com exceção da piscina, pois era o que ela mantinha distância.
Numa conversa com Natália, a melhor amiga de Marianna, que também sonhava com os holofotes, mas no caso de Natália era para ser modelo, Karina abordou o assunto de trajes de praia de todas as alunas que viam com biquínis e maiôs bregas, até que fingiu curiosidade por nunca ter visto Marianna com roupas de banho.
Depois de sondar Natália, dizendo que compraria biquínis para Marianna, caso ela não tivesse condições, a aspirante a modelo deixou escapar que a amiga tinha um certo medo de água. O motivo ainda era um enigma, tanto para Karina quanto para as amigas, mas o fato em si já era bom o bastante para pôr sua “pequena” travessura em prática. O que Karina não sabia era que tudo tinha uma consequência.
***
_ Sem mesada, sem carro e bloqueei os seus cartões! _ A voz extremamente alterada era a de Pablo Ayala, o prefeito da cidade, e pai de Karina.
_ O que? Mas, pai..._ O que a filha teve por resposta foi um olhar zangado, desafiando-a a continuar.
_ Sem mais. Estou farto de suas loucuras. Você tem noção do que fez? A garota não sabia nadar, Karina.
O senhor Ayala olhou-a e notou que ela não ficou surpresa.
_ Você já sabia disso? Meu Deus! Não te criei para ser uma delinquente, os seus estudos são para te fazer alguém melhor e não uma criminosa. _Ele respirou fundo, tamanha era sua irritação.
_ Pai, foi só uma brincadeira. _ Ela tentou intervir.
_ Sua brincadeira quase matou uma pessoa. Eu perguntei ao delegado qual seria sua punição e ele me disse que como você é ré primária e a menina não quis te indiciar, você apenas fará serviços comunitários. _ O pai disse com tranquilidade.
_ Impossível! _ Foi a vez de Karina explodir em irritação.
_ Você tem sorte de a garota não ter seguido com a denúncia, no lugar dela eu teria prosseguido, quem sabe alguns dias na cadeia te fizessem rever tudo que você tem e desse mais valor às pessoas ao invés de usá-las como objetos. _ Karina olhou-o com lágrimas nos olhos, mas ele não pediu desculpas, estava decepcionado demais.
_ Você começa amanhã. _ Ele manteve-se firme em sua decisão.
_ Eu .não .vou. _ Karina disse pausadamente.
_ É isso ou a cadeia, você decide. _ O pai deu de ombros.
_ O senhor não se importa com sua posição, não se importa com o que vão pensar da filha do prefeito na cadeia? _ Karina tentou uma última vez.
_ Você já me conhece, deve saber melhor do que ninguém que eu me importo em fazer o que é certo, mas também sabe que não renuncio a responsabilidade de te dar a melhor educação. E se a sua correção vai custar a minha imagem como prefeito, paciência. _ O prefeito virou a cadeira de costas, encerrando o assunto.
_ “Minha Nina, o que aconteceu com você?” _ O senhor Ayala pensou, enquanto acariciava o porta-retrato em suas mãos, com a foto de uma menina sorridente ao seu lado, assim que ouviu-a fechar a porta, furiosa.
_ Ainda acho que você poderia ter seguido com a denúncia. _ Gustavo disse, quando os dois saíram da delegacia.
_ Você acha mesmo que ela ficaria presa? _ Para Gustavo parecia fácil responder “sim”, mas ele não entendia como o mundo social funcionava.
_ É claro. As câmeras de segurança mostram o exato momento que ela te empurra na água. _ Gustavo respondeu como se fosse óbvio.
_ Ela é ré primária e eu não sofri danos tão graves. No máximo, ela ficaria alguns dias, isso se o pai dela não interviesse e ela saísse totalmente ilesa e com mais ódio de mim.
_ Entendi. _ Gustavo disse, coçando a cabeça, ainda confuso sobre o fato de Karina não pagar pelo delito que cometeu.
_ As meninas devem estar preocupadas com nossa demora. _ Marianna pareceu se lembrar daquilo só naquele momento.
_ Não estão, quer dizer, não estão preocupadas com a demora, pois liguei para elas, mas por você e pela situação.
_ Vamos para onde agora? _Ela perguntou.
_ Para minha casa, elas já estão esperando. _ Gustavo respondeu.
Os dois caminharam lado a lado rumo a casa de Gustavo, onde as amigas de Marianna os aguardavam. O caminho não era longo, mas ambos andavam a passos lentos, como se não quisessem chegar tão cedo ao seu destino.
O silêncio estava se tornando insuportável para Gustavo, ele queria conversar sobre algo que quebrasse o clima pesado da situação que ocorrera, mas, ao mesmo tempo, queria dar espaço a Marianna, não queria que ela se sentisse pressionada a falar sobre qualquer assunto, principalmente sobre o motivo do medo de água em maior quantidade.
_ Me fale um pouco desse trabalho de vocês, fiquei levemente interessado. _ Foi a única maneira que ele conseguiu achar de começar um assunto aleatório.
_ Eu sei o que está fazendo e obrigada..._ ela sorriu, entendendo o que Gustavo queria fazer.
_ É um trabalho sobre pesquisa da bolsa de valores, perguntávamos às pessoas se elas investiriam em uma empresa decadente e o motivo, se sim ou não. Nós formulamos uma empresa fictícia baseada nas informações das outras empresas que obtiveram os mesmos resultados e no final faríamos um trabalho englobando tudo que concluímos.
_ Uau! _ Gustavo gostava mesmo era de natação, mas poderia passar horas ouvindo-a falar de bolsa de valores, tecnologia e tudo que ela quisesse.
_ É um assunto chato, eu sei..._ ela tentou justificar, mas ele a interrompeu.
_ Não, não é. Gosto de ouvir você falando sobre essas coisas, aprendo bastante com você, sobre tecnologia, matemática, estatística.
Marianna ficou do tom de seu cabelo ruivo, como se pudesse ficar ainda mais vermelha, ela sorriu, um sorriso que Gustavo não via há muito tempo. Parecia que estava escondido em um lugar precioso e só fosse liberado em momentos verdadeiramente especiais.
Sem se dar conta, eles chegaram à casa de Gustavo conversando ainda mais sobre os trabalhos. O rapaz deu-lhe dicas valiosas sobre como abordar as pessoas com um assunto importante, mostrando-lhes que o mesmo deve ser levado a sério.
Gustavo, como sempre amou a natureza, deu dicas de empresas que se erguem usando meios e recursos sustentáveis como parte de seus valores. Marianna achou a ideia plausível e prometeu apresentá-la às meninas para que fosse acrescentada ao trabalho.