📖 CapÃtulo 10 – De Volta à Tempestade
Narrado por Kael
O avião tocou o chão em São Paulo como se carregasse o peso de tudo que eu vivi e ainda teria que enfrentar. O ar frio da madrugada bateu no rosto, mas não era isso que me queimava: era a verdade crua que agora me atingia em cheio. As sombras que cercavam Olivia não estavam distantes — estavam dentro do alcance dela, dentro do alcance do perigo real que eu precisava neutralizar.
Naquele mesmo instante, antes de qualquer descanso, decidi enviar um recado direto ao alvo. Liguei para ele, o pai dela, usando o número que consegui com os caras da quebrada:
— Se tocar na Olivia, vai ter que passar por mim.
Houve silêncio. Um silêncio pesado, carregado de ameaça velada. Então, a voz rouca do outro lado respondeu, rÃspida:
— Achou que podia mandar no meu território assim?
— Tô falando de proteção, não de território — respondi, firme. — Mexeu com ela, mexeu comigo.
Não era só uma ameaça vazia. Quem conhece esse jogo sabe que certas palavras não se jogam ao vento. Elas carregam consequência, aviso e promessa de retaliação.
Nos dias seguintes, a tensão só aumentou. Me encontrei com Alemão, velho parceiro do morro com contatos estratégicos em São Paulo. A mesa apertada do bar escuro parecia ainda mais sufocante, cada cigarro tragado pelo Alemão queimando no ar como se aumentasse a responsabilidade sobre meus ombros.
— Esse cara é mais sinistro do que parece — disse ele, olhando para mim com seriedade. — Tá cercando a mina, fechando o cerco. Quem se meter, some.
— Por isso que eu tô aqui — respondi, encarando-o firme. — Quero que o cerco vire prisão pra ele.
Montamos um esquema minucioso. Informantes discretos, vigias em pontos estratégicos, aliados até dentro da polÃcia. SabÃamos que ele era esperto, perigoso e impiedoso, mas não podÃamos deixar barato. Cada passo meu precisava ser calculado, cada decisão tinha que antecipar os movimentos do inimigo.
Na reunião na base, Neto, sempre atento, não deixou passar:
— Kael, e a mina? Ela sabe que tá correndo perigo?
Olhei firme para ele, a gravidade da situação pesando em cada palavra:
— Sabe que não tá sozinha. Que eu não vou deixar ninguém passar a mão nela. E isso já é meio caminho andado.
Mas como esperado, o inimigo percebeu o jogo virar. Começou a enviar capangas para rondar a rotina dela, ameaçando os poucos amigos que Olivia tinha, transformando cada passo dela em um risco.
Numa noite quente, o telefone da base tocou frenético.
— Chefe, dois cara armados tão rondando a rua. Tão esperando a hora certa.
— Tô indo — respondi, pegando as chaves da moto, sentindo o coração acelerar, pulsando mais rápido do que qualquer batida de medo que eu já senti.
Quando cheguei ao endereço, vi o carro preto parado na esquina, dois homens descendo com armas em punho. O confronto foi rápido, tenso, intenso. Tiros cortaram a madrugada, gritos ecoaram, cada movimento era uma dança mortal. No fim, os caras fugiram, mas a mensagem estava clara: não iam facilitar.
Mais tarde, liguei para Olivia. Ouvir sua voz, assustada, mas ainda firme, me deu força e confirmou que tudo que fizera valera a pena.
— Kael... — ela sussurrou, quase tremendo. — Não sei quanto tempo vou aguentar isso.
— Você não vai enfrentar isso sozinha — falei, sentindo a raiva subir, quente, pulsante. — Eu tô aqui. Ninguém vai te atingir enquanto eu estiver de pé.
Ela suspirou, a mistura de medo e esperança clara na voz:
— Preciso acreditar que isso vai passar.
— Vai passar. Pode crer. E enquanto eu estiver em pé, ninguém mexe com você.
Naquele momento, entendi a dimensão do que havia assumido. Proteger Olivia não era apenas uma questão de segurar o morro. Era enfrentar uma tempestade que vinha do passado dela, um passado que agora eu tinha que enfrentar também. E eu estava pronto para a guerra.
Nos dias seguintes, organizei rondas discretas em pontos estratégicos de São Paulo. Informantes em cafés, motoristas de aplicativos, vizinhos atentos: cada detalhe contava. Tinha que antecipar cada passo do inimigo, prever cada movimento. Cada vez que Olivia saÃa de casa, o coração disparava, a adrenalina subia, mas cada vez que ela me via ao lado dela, sentia um alÃvio silencioso — e era por ela que eu continuava, vigilante, implacável.
Uma noite, enquanto vigiava a rua perto do prédio dela, vi sombras se aproximando. Meu corpo reagiu antes do pensamento, mãos firmes na arma, olhos atentos, respiração controlada. Mas ao mesmo tempo, meu pensamento corria para ela: o medo nos olhos dela no dia da invasão, a força que ela tentava mostrar, o sorriso que quase não surgia quando me via. Tudo isso me manteve alerta, mas também me fez perceber: quanto mais eu a protegia, mais difÃcil era manter a frieza que construà no morro.
Olivia não era apenas uma responsabilidade. Ela era parte da tempestade que eu precisava controlar — mas também parte da razão pela qual ainda respirava. Proteger o morro eu já sabia. Proteger alguém como ela… isso era novo, perigoso e, ao mesmo tempo, vital.
E no silêncio da madrugada paulistana, enquanto vigiava cada esquina, cada ruÃdo suspeito, cada passo em falso, sabia que aquela guerra não seria curta. Mas se alguém ousasse machucá-la, teria que passar por mim primeiro.
O peso da tempestade era real, o perigo próximo, mas a certeza de que não a deixaria sozinha tornava cada ação mais clara. Cada decisão tomada, cada ronda, cada alerta era uma promessa silenciosa: eu não recuaria. Nunca.