Olívia
- Descansou, filhinha do papai?
- Descansei, mas não me precisa me chamar assim, pai, estou meio velha pra isso.
- E eu vou de chamar de quê? Olívia? Assim o mundo inteiro já te chama, eu tenho que ter meus privilégios.
- Tudo bem, senhor Carlos, mantenha seu privilégio.
- Maria ainda está lá em cima?
- Sim.
- O que vocês vão fazer agora?
Ainda era dia, depois que chegamos de viagem comemos e fomos descansar. O sol brilhava lá fora.
- Pensei em dar uma volta pela cidade, reencontrar o resto do grupo.
- Você precisa ir na casa do seu pai Augusto, encontrei com ele um dia desses no supermercado e ele disse que estava com saudades de você.
- Está nos meus planos também, a Dita está lá e eu devo roubá-la pra darmos uma saída por aí.
- Isso mesmo, filha, aproveite. – meu pai Carlos era bem sisudo para o mundo, mas era todo manteiga derretida pra mim. – Sua mãe deve te procurar assim que souber que você está na cidade.
- Não tem problema.
- Sei que não, só estou te alertando pra que você esteja preparada.
- Eu trouxe a Maria aqui porque eu já estou muito preparada.
- Papai tem orgulho de você. – ele me abraçou e beijou o topo da minha cabeça.
- E eu de você.
- Até que nós fizemos um belo trabalho ao te criar. – ele me dizia cheio de orgulho.
- Vocês foram um belo casal.
- Belo e mentiroso.
- E eu acho que já está na hora de você sair mais, conhecer pessoas novas, namorar.
- E você acha que seu pai já não está fazendo isso? – contava vantagem pra mim com um sorriso conquistador. Meu pai era um galã, cabelos grisalhos, alto, fortão.
- Pai! E você não me diz nada? – reclamei.
- Minha filha, seu pai sempre foi um sedutor na escola, você acha que eu desaprendi a arte de jogar? Mas é claro que não.
- Fico feliz que você esteja aproveitando a vida.
- Assim como eu fico feliz por você. – me abraçou forte.
De relance vi a Maria no pé da escada nos observando.
- Desculpa, não queria atrapalhar vocês dois. – disse com um sorriso quando viu que tinha sido pega.
- Você não atrapalha. – eu disse pra ela.
- Querem comer alguma coisa antes de sair? – meu pai perguntou.
- Não, a gente se vira na rua. Vamos? – a chamei.
- Vamos.
- Me liguem se forem chegar muito tarde.
- Pode deixar, pai. – me despedi dele.
Agora a casa do meu pai, diferente da nossa antiga casa, me obrigava a andar de carro quando queria ir a qualquer lugar na cidade, o bairro ficava mais afastado do centro.
- É uma gracinha essa sua cidade.
- Eu também costumava achar.
- Seu pai com você também é uma gracinha.
Sorri com a menção ao meu pai.
- Ele é mesmo.
- Eu nunca tive um relacionamento assim com o meu pai. Nem quando ele achava que eu era hetero.
- Eu ganhei na loteria duas vezes.
- Pra isso você até deveria agradecer a sua mãe, dois paizão da p***a ela te deu.
- Muito cedo pra você começar a defender a minha mãe, bebê. Ela nunca vai te aceitar. – Maria sempre pedia que eu jogasse limpo com ela porque era o que ela sempre fazia comigo. Ainda era difícil pra mim, mas ela já havia me mostrado que poucas coisas a atingiam de verdade.
- Quem te disse que estou esperando aceitação? – riu convencida. – Sua mãe só me importa por sua causa, gata.
- Minha mãe vai ter que entender que pra ficar na minha vida vai ter que te aceitar e aceitar quem eu sou. – olhei para a Maria sentada ao meu lado e ela me olhava com brilho nos olhos, era tão linda e tão apaixonante.
- Mas ela vai, engolir eu sei que ela vai. Sua mãe está louca pra retomar o relacionamento de vocês duas.
- Não subestime o desespero pela aparência nas pessoas dessa cidade, você se surpreenderia.
Estacionei o carro na primeira vaga que achei, bem no centro e próximo ao movimento, as lojas já estavam fechadas e por isso as ruas já estavam vazias. Entramos em uma cafeteria, o meu lugar preferido na cidade pra passar o tempo.
- Olívia, quanto tempo! – Senhora Neide veio com o cardápio em mãos. – Sentimos sua falta, menina.
Ela era daquelas senhorinhas que sorri com os olhos, sempre simpática e boa pra mim, mas amava um fuxico como a maioria das senhorinhas dessa cidade.
- Olá, dona Neide. Também estava com saudades.
- Fiquei sabendo que você esteve na cidade e não veio nos ver.
- É porque eu vim correndo, mas dessa vez eu vim com mais calma e não pude deixar de vir aqui. Eu vou querer um cappuccino, dona Neide, como sempre. E você, Maria? – fiz meu pedido pra evitar mais comentários e possíveis perguntas.
- Eu quero um expresso, por favor.
Meu celular tocou em seguida, com o número da Dita na tela eu atendi.
- Oi, Dita.
- Vívia, onde você está? Estamos querendo dar uma volta na cidade. – ela disse radiante, foi se o tempo que essa cidade fazia m*l pra minha prima, ela era a o que me dava esperança de que um dia tudo ia ficar bem pra mim também.
- No café da dona Neide, vem encontrar com a gente.
- Espera a gente aí, então.
- Vem logo.
Quando desliguei o celular dona Neide já tinha ido pra trás do balcão me deixando a sós com a Maria.
- Eles vêm pra cá? – ela me perguntou.
- Sim, vão encontrar com a gente aqui.
- Muito simpática essa senhora.
- Mas tava doida pra me perguntar do meu ex-marido que eu sei.
- Talvez ela ainda pergunte quando trouxer o seu cappuccino. – brincou. Eu amava esse humor da Maria, ela nunca se sentia ameaçada ou ficava enciumada. Eu tinha segurança de falar sobre tudo com ela.
- Mas que merda... não olha agora, mas o ex namorado da Dita está entrando aqui.
Fazia muito tempo que não via Lucas, costumávamos nos encontrar sempre em eventos, minha relação com ele mudou depois que os boatos de que ele tinha pegado alguma DST tinha se espalhado pela cidade, isso foi na época do meu casamento, foi assim que descobri que ele havia traído minha prima e depois descobri que ela mesma tinha dado um jeito de criar esses boatos.
- Olívia, quanto tempo? – veio sorrindo até minha mesa.
- Oi, Lucas, tudo bem?
- Melhor agora. Desde que você largou o Diogo eu não te vi mais.
E era desagradável esse garoto.
- Novos rumos.
- Parece algo de família, seu e da sua prima.
- Por motivos bem diferentes, não é, Lucas.
- Não acredite em tudo que sua prima diz sobre mim.
Amanda reconheceu logo quem era o cara em pé próximo a minha mesa quando entrou, Davi foi mais devagar, mas mesmo assim ela puxou a mão do meu irmão determinada em nossa direção.
- Oi, Vívia. Oi, Maria. – cumprimentou ignorando a presença do ex ali.
- Oi, Dita, estávamos te esperando. – respondi a ela.
- Vou deixar vocês, com licença. – ele disse antes de ir se sentar com um cara em outra mesa.
- Vila dos Anjos, cidade dos reencontros. – Davi brincou enquanto a namorada parecia bem mais incomodada.
- Ódio desse garoto! – Dita resmungou.
- Preciso dizer que você fez uma excelente troca. – Maria comentou mais pra apaziguar o clima.
- Obrigado, Maria, eu tenho que concordar. – Davi pôs a mão no peito e fez uma reverência com a cabeça.
- Odeio ter que encontrar com essa peste. – Dita ainda resmungava.
- Eu tenho que discordar de você, Bonita, porque se não me falha a memória naquele dia que você tinha torcido o pé e fui te levar em casa, ele estava no seu portão, você me pediu pra eu te tirar dali.
- E o quê que tem isso? – perguntei.
- Ele me levou para o flat dele e rolou nossa primeira vez. – ela completou a história com um sorriso. Davi tinha conseguido mudar mesmo o humor dela em um segundo.
- Faz sentido, meu irmão.
- Isso sem contar aquele dia no hospital em que você pediu o exame de HIV na frente dele e da sua mãe. Foi sensacional!
- Queria ter visto. – eu disse.
- Me conta essa história! – Maria pediu curiosa.
- Eu namorava aquele i****a, - Dita começou. – um belo dia eu peguei ele com outra e terminei tudo, mas minha mãe insistia que eu voltasse com ele. No dia da festa de pré-casamento da Olívia eu e ou Davi fomos nos encontrar escondidos na cachoeira e eu acabei sendo picada por uma cobra e no hospital minha mãe tentou de tudo pra me empurrar esse traste pela minha goela abaixo, de raiva eu pedi para o médico me fazer um teste completo pra DST porque eu não podia garantir que ele estava limpo. Eles ficaram tão desnorteados que me deixaram em paz e nunca mais ele me procurou.
- Que história maravilhosa! – Maria ria. – Eu também queria ter visto.
- Eu estava lá e posso dizer que foi um momento e tanto, ela estava com tanta raiva que fiquei preocupado. – Davi fazia carinho na namorada, ele não se importava nem um pouco com o Lucas, ele se importava com a Dita e com o humor dela.
Dona Neide voltou com os nossos pedidos e pareceu ainda mais contente em ver a mesa cheia.
- Amanda, minha menina, que linda você está!
- Obrigada, dona Neide.
- Esse é o seu novo namorado?
- Ele mesmo, mas já não é tão novo assim.
- Conheci muito seu pai Augusto.
- Imagino que sim. – ele respondeu.
Ela deixou os nossos copos na mesa e Dita aproveitou pra fazer o pedido deles.
- Adora um mexerico essa, dona Neide. – Dita disse.
- Nunca muda. – completei.
- Onde está a Beca e o Murilo? – Maria perguntou.
- Em lua de mel em algum lugar dessa cidade. – Dita respondeu. – Eles iam para o chalé agora à tarde e à noite voltariam para o nosso jantar.
- Estou tão feliz por eles. – eu disse.
- Estamos todos. – Davi completou.
- Depois do café a gente devia ir direto pra casa do nosso pai, Davi, ele ainda não conhece a Maria e vai me esfolar se eu demorar a aparecer por lá.
- Ele disse mesmo que era pra você ir, ele está doido pra te conhecer, Maria.
- Nunca me senti tão requisitada. – ela respondeu.
- Aproveita enquanto você é a novidade. – brinquei com ela.
Pela porta entrou outra pessoa indesejada, mas essa sabia o que encontraria aqui, entrou procurando e quando achou veio direto em nossa direção.
- Olívia!
- Mãe.
Ela estava emocionada, os olhos marejados e a voz fraquejando, ela adorava esse papel de vítima e era muito boa nele.
- Não sabia que você viria.
- Decidi de última hora. – as outras pessoas na mesa faziam um silêncio sepulcral.
- Oh minha filha, deixa eu te abraçar. – ela deu a volta até ficar ao meu lado, me abraçou e eu a abracei de volta. Com todos os seus defeitos ela ainda me fazia falta.
- Como você está, mãe?
- Levando, tentando sobreviver a tudo isso, tem dias que eu acho que não vou conseguir mais.
Nem sei por que eu perguntei, é claro que ela faria drama.
- Tudo vai ficar bem. – foi o que eu consegui dizer a ela.
- É a minha esperança. – ela percebeu que a Amanda também estava na mesa e se virou para ela. – Amanda, quanto tempo. Como você está?
- Muito bem, tia Andrea.
- E sua mãe? Você tem a visto?
- Não, a última vez já faz alguns meses.
- Não sou a favor de filho contra mãe, - fez de indireta. – mas sua mãe está colhendo o que plantou, tanto ódio pra nada.
- Tia Ângela pode ter os defeitos dela, mas não tem nada a ver com os seus, mãe.
- Eu errei, mas não errei por m*l, Olívia. Eu era jovem e não sabia o que fazer. – soava desesperada.
- Eu não vou discutir, mãe.
- Não vamos. Vamos lá pra casa? Lá a gente pode conversar, você tem tanto pra me contar da sua vida em Belo Horizonte.
- Agora eu não posso, meu pai Augusto está me esperando.
- Ele pode esperar.
- Foi por causa dele que a gente veio, ele que insistiu que viéssemos todos. – apontei pra as pessoas ao meu redor, foi quando ela notou o Davi ali também.
- Oi, Davi.
- Oi, tia Andrea, tudo bem?
- Que rapaz lindo você se tornou, - ela disse sorrindo, minha mãe tinha dessas de ser extremamente agradável com as pessoas, fazia parte da função de socialite que ela exercia. – quem diria que vocês dois se tornariam namorados.
- Poderia ter sido eu. – alfinetei, todo mundo me olhou tenso.
- Claro que não, Olívia.
- Porque não? Os dois são primos como eu pensei que fosse, já pensou se eu tivesse me apaixonado pelo meu próprio irmão?
- Olívia, eu nunca permitiria isso!
- Como a tia Ângela não permitiu?
Ela ficou muda. Mas eu não devia brigar, não aqui, todas às vezes que prometo não dizer nada eu quebro essa minha promessa.
- Você tem razão. A verdade é que mesmo com todos os meus erros Deus continuou olhando por mim e cuidando pra que esses erros não se tornassem maiores. Mas eu me arrependo de tudo que fiz, Olívia, você precisa acreditar em mim.
- Eu acredito, você perdeu tudo que era de mais importante pra você.
- E quero muito reconquistar, filha. Não sei viver sem vocês.
Dona Neide voltou com o pedido da Amanda e do Davi, percebeu o movimento e ficou de orelha em pé, minha mãe sabia de como as coisas funcionavam e se calou por instantes. Elas se cumprimentaram e falaram amenidades.
- Filha, eu vou deixar vocês se divertirem, mas promete que vai me ver. Nós temos tanto que conversar, eu fiquei tão preocupada quando soube do Diogo, vocês estavam felizes!
- Não estávamos.
- Aquele casamento era o seu sonho.
- Eu achava que era.
- Você está perdida, filha e é por culpa minha. – ela não fazia ideia de como aquela frase me atingiu e me atingiu porque diminuía a escolha que fiz pra minha vida e porque diminuía a pessoa que escolhi pra ficar ao meu lado, aquilo ofendia a Maria.
- Eu não estou perdida, eu sei exatamente o que eu quero.
- E o que você quer?
- Ser dentista e ficar com a Maria. – me irei pra ela e peguei em sua mão entrelaçando nossos dedos, ela me sorriu um pequeno sorriso, não contestou ou tomou a iniciativa de nada, era meu momento ali.
Minha mãe olhou chocada aquela cena, eu tinha certeza que era a primeira vez que ela não sabia o que dizer.
- O que você está dizendo? – ela perguntou quando recuperou o fôlego.
- Que essa é a minha namorada e é com ela que eu quero ficar.