Capítulo 6

2428 Words
Olívia O combinado é irmos todos pra Vila dos Anjos, pelo menos é o que todos querem, não é que eu não queira, mas minha situação é um pouco mais complicada. Meus dois pais sabem sobre a Maria, minha mãe não. Não tenho pressa em ir pra lá, mas os outros quatro membros desse grupo estão ansiosos por irmos todos juntos. Vila dos Anjos, aparentemente, não é um lugar pra se ir sozinho, é muito pra qualquer um enfrentar. A questão é, eu estou pronta pra ir? Eu estou pronta pra contar? E será que estou pronta pra apresentar a Maria? Durante toda a festa eles falaram da viagem, empolgados até, era bom quando reuníamos todo mundo, mas eu preferia quando a gente fazia isso aqui mesmo em Belo Horizonte. Eles foram delicados em não me perguntar se eu iria ou se levaria a Maria, eles sabiam das minhas condições e me respeitavam mesmo que pensando o contrário, por eles eu já teria contado e esfregado a Maria na cara de toda a cidade, só que é difícil pra mim. Eu não sou como a Dita, ela sempre foi como aqueles espinhos molinhos que olhando você não acha que espeta até que é espetado por eles. Ele enfrentou a mãe pelo direito de viver a própria vida como queria e hoje vive um relacionamento sem culpa com o Davi, é exatamente o que eu sonho pra mim. Eu nunca pensei que poderia gostar de uma mulher, nunca me vi como lésbica, mas além do pênis porque motivo escolhemos os homens como parceiros? A gente deveria mesmo apenas nos apaixonar pela forma física que aquela pessoa carrega? Ou pelo que ela é? Eu amo a Maria e não é porque ela tem um pênis ou uma v****a, isso não foi determinante ao me apaixonar por ela, eu a amo pelo jeito que ela me faz sentir, pela inteligência e senso de humor que ela tem e um caráter extraordinário. E ainda calhou dela ser linda. Eu olho para o relacionamento do meu irmão e da minha prima e do Murilo e da Beca, eu vejo o quanto eles se apoiam e se sustentam, os sonhos da Dita valem muito para o Davi, mesmo que sejam sonhos que só dizem respeito a ela. Eu vi o quanto o Murilo e a Beca precisam um do outro, só eu vi o estado que ele chegou na minha casa depois que eles brigaram e agora o sorriso dos dois por estarem de volta e bem um com o outro. Meu relacionamento não é nenhum um pouco diferente dos deles, com exceção de que nenhuma de nós duas tem um p***o pra carregar. Quando eu comecei o curso eu estava perdida, mas com uma determinação do caramba pra voltar a viver ou começar a viver. Maria sabia disso, ela conhece toda a minha história de vida e sentia orgulho de cada passo que eu dava, eu percebia isso. Ela estava na fila da frente torcendo pela minha vida profissional e principalmente pela minha autonomia. Foi com a indicação dela que eu consegui um emprego em uma das maiores clínica odontológicas da cidade, eu aprendia agora o que tinha esquecido ao longo dos anos que não exerci minha carreira. E quando ela me perguntava todos os dias como tinha sido meu dia no trabalho era porque ela realmente queria saber como tinha sido meu dia lá. Pela primeira vez alguém ouvia o que eu dizia, olhando nos meus olhos e gravando cada palavra que saía da minha boca. Eu deveria mesmo me preocupar com o fato dela não fazer xixi em pé? A questão que me corrói na verdade é porque sabendo de tudo isso ainda é difícil ainda assumir meu relacionamento para o mundo e principalmente para minha mãe. Maria não era mulher de se esconder, ela me entendia, compreendia meus motivos, mas não ia aceitar viver assim pra sempre e eu tinha medo de perdê-la. Quando eu a via assim, em meio aos meus amigos, meu irmão e minha prima, pessoas que são tão importantes pra mim eu sabia que não podia perdê-la. Ela gostava deles, eles gostavam dela. Aquela era nossa família e isso me importava de verdade. Ela sorrindo com as histórias do Murilo e do Davi me dava certa paz, confidenciando com a Dita e a Beca como se fosse uma de nós, do nosso grupo. - Maria está se misturando mais do que você hoje, - Dita interrompia meus pensamentos, eu nem tinha visto ela se aproximar. – preocupada com a viagem? Eu nem precisava dizer. - Um pouco. - Você sabe que ninguém lá pode te morder, né? - Tem certeza? - Absoluta. - Fico me perguntando se eu tenho mais medo de contar ou de não contar. - Olha no espelho e dá uma boa olhada no sorriso que você carrega no rosto desde que conheceu a Maria, acho que você vai descobrir rapidinho a resposta. Eu sorri, era um modo simples de resolver a equação, mas ainda assim... - Vívia, o que sua amiga está querendo com o Davi? – Dita mudou de assunto repentinamente, cruzou os braços na frente do corpo, estava brava com essa história da Clara. - Não sei, mas você não devia se preocupar com ela, ela nunca vai ser uma ameaça pra vocês dois. - Não entendo como vocês podem ser amigas. - Não somos, não mais. Dita, eu jamais seria amiga dela. - Como ela conseguiu o número do Davi? - Dita, eu jamais daria o número do Davi pra ela, nunca incentivaria qualquer devaneio que ela tenha com ele. Ela bufou irritada. - Eu nunca fui ciumenta, mas quando aparece umas pessoas determinadas a te provocar é demais pra mim. - Você não tem com o que se preocupar, Davi não escondeu esse assunto de você. - Ele ficou com medo de que eu surtasse com ele ou com você. - Por isso que ele não para de olhar pra cá com aquela cara? – meu irmão olhava para nós duas com cara de preocupado, mesmo conversando com o Murilo. Dita olhou na direção dele e sorriu pra mim. - Provavelmente. - Davi te ama desde que virou gente, Dita. Ele jamais perderia o que vocês tem e eu tenho muito orgulho de vocês serem minha família. - Eu sei, mas é irritante saber que tem alguém tentando passar por isso tudo, sem o menor respeito pela nossa história. - Eu te entendo, mas me diz se vale a pena gastar energia com quem não tem relevância nenhuma na vida de vocês? - Não. - Você também encontrou sua resposta. – sorri pra ela. - Olívia! – Murilo me gritou. – Vem aqui contar aquela história do Davi que você me contou. - Qual delas? – puxei a Dita pela mão e nos aproximamos do restante do grupo. - Aquela que você o encontrou no banheiro feminino. Todos riram antes da história começar. - Davi sempre foi muito gato... - Obrigado. – o próprio me interrompeu. - ...as meninas ficavam loucas com ele. – ignorei a interrupção. – Um dia elas cismaram de querer passar mão no cabelo dele que ele insistia em manter grande, era tão liso quanto o meu, mas ele odiava que passassem a mão no cabelo dele, então ele correu e se escondeu no banheiro feminino, me avisaram e disseram que ele não queria sair por nada. Fui até lá e o convenci de sair depois que prometi ameaçar todas as meninas que se aproximassem dele de novo. - Olívia era minha guarda-costas. - Eu me lembro dessa história. – Dita falou. - Aposto que ficou morrendo de ciúmes. – Davi provocou. - Fiquei morrendo de ódio, meu sonho era passar a mão naquele cabelo dele, quando soube que as meninas também queriam e estavam fazendo muito mais do que eu pra conseguir eu morri de raiva. - Não foi fácil ser a prima mais velha, tive muito que proteger esses dois. – eu disse, mas na verdade eu adorava ser a mais velha e tê-los como meus bebês. - Tenho dificuldades de imaginar você protegendo os dois, acho que você devia ser mais a que pentelhava. – Maria disse pra mim rindo. - Que absurdo! – fingi estar ofendida. – Eu cuidava de verdade dos dois. – completei. - Maria, você está certa. – Dita a defendeu. - Ela me vestia de menina, só por isso vocês podem imaginar como a Olívia era. – Davi também me acusou. - Eu só fiz isso até a Dita nascer! – tentei me defender, mas não deu muito certo, todo mundo riu. - Eu e o Davi na verdade nos unimos pra fugirmos da Vívia. – Dita agora mentia descaradamente. - Que horror! É mentira, eles me amavam! - A gente te amava um pouquinho. – ela veio me abraçar. – Mas tá na hora de levar o Davi pra longe de você de novo, eu estou morrendo de sono, vamos embora, Bonito? - Vamos. – ele também me abraçou ao se despedir. – Amanhã ainda é terça e o dia começo cedo. - Obrigada por terem vindo. – Beca agradeceu, estava feliz a anfitriã, tinha rido de todas as piadas e se divertido, não tirava as mãos do Murilo e só tinha olhos pra ele. Beca apaixonada era a coisa mais fofa de se ver. - Nós também vamos embora. – eu disse por mim e pela Maria. - Obrigada também. – Beca também me agradeceu. Maria e eu descemos até o carro que eu deixei estacionado logo em frente ao prédio. - Você parece cansada. – ela me disse. - Eu me sinto bem cansada. - Você estava pensativa durante a festa. - Era cansaço. - Tem certeza? – ela questionava. - Por que você pergunta? - Não sei, acho que você estava incomodada com a viagem à cidade de vocês. Fiquei em silêncio por alguns segundos sem saber se eu mentia ou não. - Eu só não sei se vou poder ir. - Por quê? - Trabalho, estudo, estou cansada pra viajar, queria aproveitar o feriado pra descansar. Ela não disse mais nada até que eu parasse com o carro na porta do prédio dela. - Adorei a festa, obrigada por me levar. – ela agradeceu tirando os cintos de segurança. - Você faz parte da turma agora. - Obrigada mesmo assim. – ela se aproximou, botou a mão no meu cabelo e me beijou. – Me avisa quando chegar em casa. - Durma bem. – eu disse quando ela saía pela porta, ela se despediu e se foi, aguardei que ela entrasse no prédio e fui embora. Em casa eu me olhei no espelho enquanto tirava a minha maquiagem. Eu amava aquela mulher, de verdade, amava tê-la por perto, amava quando ela me beijava, o sorriso dela, o jeito que ela me lia. Olhei bem para a minha imagem no espelho, Dita tem razão, o meu sorriso era mais frequente agora que eu tinha a Maria. Peguei meu celular de novo, já havia mandado uma mensagem dizendo que eu havia chegado. Dessa vez eu liguei. Ela atendeu logo. - Decidi ir à Vila dos Anjos, quer ir comigo? - Tem certeza? - Absoluta. - Seria um prazer. *** Nossas viagens de volta à terra natal eram sempre em comitivas, um comboio de peso pra uma cidade que nos causava arrepios. Todas as vezes que íamos era uma bomba diferente no nosso colo, dessa vez pelo menos a gente sabia qual seria. Maria sabia de algumas histórias, mas ainda era inocente quanto à Vila dos Anjos, mas de alguma forma ela me tranquilizou, ela já tinha passado por todos os tipos de situação por ser lésbica, ela era muito mais preparada do que eu. - Você vai me mostrar a escola que você estudou? – éramos só nós duas no carro, eu dirigia. - Você quer conhecer? - Eu quero conhecer tudo sobre você. Eu sorri pra ela. - Tudo bem. - Aonde nós vamos ficar? - Na casa do meu pai. - Qual deles? - Meu pai Carlos, o que me criou. Ele ficaria ofendido se eu não ficasse lá com ele. - Deve ser difícil pra ele. - Um pouco, mas ele e o meu pai Augusto se dão bem. Você vai gostar da casa do meu pai, logo depois da separação ele ficou um pouco perdido, mas agora ele se estabilizou, a nova casa dele é linda. - Aposto que foi você quem decorou. Sorri. - Eu ajudei. - Tenho certeza que eu vou adorar ficar lá, pelo menos eu já conheço seu pai, vou ficar bem menos sem graça. - Ele te adorou. Meu pai Carlos tinha ido a BH pra me ver e tinha feito questão de conhecer a Maria, ele definitivamente era um homem que não merecia minha mãe, mas que eu tinha muita sorte de ter na minha vida. Vila dos Anjos continuava a mesma, era frequente que uma casa antiga dava lugar a um prédio novo, mas eram apenas detalhes que não alteravam a matéria de que ela era feita. Eu olhava para as ruas sem saudade, não pensava em voltar para cá de jeito nenhum, eu já me sentia em casa em Belo Horizonte e dava mais pra voltar, não depois de tudo que aconteceu, aqui não era mais meu lugar. Botei o carro na garagem, meu pai já me esperava ansioso e com um sorriso no rosto. - Bem vinda de volta, minha filha. - Estava com saudades, pai. - Eu também. – me abraçou apertado, me soltou e foi direto para a Maria. – Seja bem vinda também, Maria é um prazer te ter aqui. - Prazer é todo meu. - Deixe eu levar logo essa bagagem de vocês lá pra cima, seu quarto já está arrumado, filha. - Obrigada, pai. Ele nos ajudou com as bagagens, meu quarto estava arrumado para nós duas, era o tipo de coisa que fazia meu coração saltitar de alegria. Aceitação era importante. - Vou deixar vocês a vontade pra se arrumarem, espero vocês lá embaixo pra tomarem café comigo. Saiu e fechou a porta. A casa do meu pai ficava em uma parte alta da cidade, longe de onde era a casa dele com minha mãe. Da minha janela dava pra ver boa parte da cidade, a vista era linda, me aproximei pra admirar, Maria se juntou a mim. - Maria, essa é minha cidade Vila dos Anjos. Vila dos Anjos, essa é minha namorada.
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