Murilo
Acordei e dois pares de olhos verdes me fitavam, eu estava de novo em casa e isso não tinha nada a ver com o meu retorno da viagem. Ela era a minha casa.
- Te prometi, não prometi? – falou comigo.
Respondi puxando a cintura dela pra mais perto de mim, ela se virou de costas formando uma conchinha. Ainda fazia um pouco de frio na cidade e a essa hora da manhã o melhor lugar pra se ficar era de baixo das cobertas com ela.
- Sempre é difícil dormir nessa cama sem você, já disse isso pra você antes, mas esses dias foram insuportáveis, tive que dormir na sala.
Eu a ouvia em silêncio, com o nariz colado no cabelo dela, o cheiro de sempre. Era casa.
- Você não vai dizer nada? – virou pra me olhar.
- Não quero levantar dessa cama. – confessei.
- A gente não precisa levantar.
- Que dia é hoje? – o fuso horário ainda me deixava tonto.
- Sábado.
- Graças a Deus!
Ela virou o corpo todo de frente pra mim e distribuiu beijos pelo meu peito a fora.
- Eu preparo um almoço rápido e a gente volta pra cama depois. – propôs pra mim
- Não, hoje a gente vai pedir qualquer coisa pelo telefone, ninguém vai pra cozinha.
- Tem certeza? Já tá tudo meio pronto na geladeira.
- Certeza absoluta. Eu precisava falar com o Davi, mas mais tarde eu mando uma mensagem pra ele e segunda a gente resolve no escritório.
- Algum problema em Nova York?
- Não, nada demais. Só um relatório das reuniões que fizemos por lá. – afastei uma mecha de cabelo dela que caia em seu rosto.
- Já que a gente vai passar o dia todo na cama a gente devia escolher um filme pra assistir.
- Não, sem filmes.
- Nem filme?
- Não quero nada que me tire à atenção de você. – ela sorriu pra mim do mesmo jeitinho que sorria antes, do tipo derretida por tudo que eu falava. – Quero passar o dia todo assim, olhando pra você.
- E conversando sobre coisas que a gente não conversa faz tempo. – agora era a vez dela de passar a mão no meu rosto enquanto falava.
- É, a gente não conversa direito há muito tempo. – falei, eu não estava mais triste por isso, mas empolgado pela recuperação do nosso relacionamento.
- Tipo sobre o nosso casamento. – ela me disse olhando nos olhos.
- A gente concordou em deixar esse assunto pra depois. – falei.
- Mas já foi depois o suficiente. – ela sabia que aquele assunto mexia comigo, eu queria muito me casar com ela, os preparativos estavam indo bem até o parto da Mel, foi quando decidimos adiar nossos planos.
- Você quer casar? – perguntei, os olhos dela brilhavam pra mim.
- Eu já sou casada, com o marido mais lindo do mundo. – me beijou. – Agora eu quero a festa.
- Você quer que a gente volte com os preparativos?
- A gente já esperou tempo demais, nossa vida tem que voltar ao normal e eu nunca tive tanta certeza de que eu quero você pra sempre como agora.
Segurei o rosto dela e a beijei, minha Beca estava de volta, com o mesmo brilho no olhar, com a mesma vontade de viver.
- E quando a gente casa?
- Por mim ontem.
***
Davi
Eu não tive tantas notícias do Murilo depois que ele chegou de viagem, nem a Amanda da Beca, decidimos encarar isso como uma boa notícia. Se algo tivesse dado errado com certeza eles teriam nos procurado como sempre acontece.
Sabia que iria encontrar com ele hoje no escritório e estava ansioso por isso. Murilo sofreu comigo quando estive separado da Amanda e hoje eu sei o que ele passa. Minha alegria foi vê-lo entrar pela porta com um sorriso bobo no rosto.
- Pela sua cara você está em lua de mel. – brinquei, ele parou no meio do caminho para sua sala e se virou pra mim.
- Ainda não é uma lua de mel, mas pelo menos voltamos a falar de casamento. – ele disse ainda sorrindo.
- Nossa, sério?
- Sério.
- Que avanço, meu amigo. Fico feliz por vocês. – bati no ombro dele, uma novela chegava ao fim. – Vem pro meu escritório, a gente conversa mais.
Eu entrei e ele veio também, se sentou no sofá, dava pra ver que tinha uma tonelada a menos nas costas.
- Vocês se resolveram mesmo? É pra valer?
- É, Beca voltou a ser a mulher que eu amo finalmente. Eu tô muito feliz, não por mim, mas porque ela é sensacional demais pra viver cheia de tristeza e culpa, eu tô feliz é por ela.
- Eu te entendo, mas olha, ela passou maus bocados quando você esteve fora, então calma, ela ainda tem as mesmas feridas e precisa de cuidado. Vê se cuida dela direito.
- Eu sei, me sinto culpado por tê-la deixado assim.
- Ela já estava assim, você ter ido embora foi a gota d’água pra ela entrar em crise, valeu porque ela caiu em si e viu que precisava de ajuda. Agradeça a sua sogra, inclusive, ela fez um ótimo trabalho.
- Tia Vânia é maravilhosa mesmo, vou ligar pra ela depois. A gente se falou enquanto eu estava em Nova York, queria notícias da Beca e ela também achou melhor eu esperar pra falar com ela.
- Você tem sorte de ter uma sogra assim, a minha é minha tia, mas na verdade é o cão em pessoa.
- Ela deu as caras mais uma vez?
- Não e espero que continue assim. Toda vez que minha sogra aparece a sua precisa entrar em cena pra consertar o estrago, isso me deixa puto.
- E aquela história do pai dela?
- Outra coisa que me deixa puto, nem falo nada com a Amanda, mas ela ter ido à festa só pra jogar essa bomba pra cima da filha é muita falta de caráter. Eu evito ao máximo entrar nesse assunto com a Amanda porque toda vez ela fica pra baixo com essa história. Essa semana eu vi que o tal pai dela tá solto, nem falei nada com ela.
- Você acha que ela vai querer conhecer o cara?
- Não sei, às vezes ela fala que sim, mas no outro dia já desisti.
- O que você acha?
- Eu acho que ela não deve se meter com esse cara, passou a vida sabendo que ela existia, mas nunca procurou por ela e agora ela vai procurar ele pra quê?
- O que seu pai acha?
- Meu pai é radicalmente contra ela tentar qualquer reaproximação com esse cara e por falar nele, ele tá querendo que a gente vá pra lá no próximo feriado.
- Ixi, toda vez que a gente vai naquela cidade é uma novela diferente.
- Eu que o diga, a tal amiga da Olívia me mandou mensagem. Não faço ideia de como ela conseguiu meu número.
- Com a Olívia com certeza.
- Olívia me jurou de pé junto que não deu o meu número pra ela.
- Amanda deve ter ficado uma fera.
- Ela não sabe e fiz a Olívia prometer que não vai contar.
- Se ela descobrir vai ficar uma fera com você.
- Eu sei, eu vou contar, só não queria dizer nada no meio dessa confusão entre você e a Beca.
- Nem vem me culpar se der merda entre vocês, você já teve tempo suficiente pra falar com a Amanda.
- Nem é nada demais, essa menina só é inconveniente, nem respondi a mensagem e já bloqueei o número dela, agora ela se manca.
- Ou não, talvez ela se sinta mais desafiada. Lembra daquela garota de Houston?
- Aquela lá te deu trabalho, mas vocês tinham um lance, é diferente desse caso.
- De qualquer forma, quanto mais eu tentava sair fora, mas ela grudava em mim.
- Pode ficar tranquilo que eu vou falar com a Amanda e já tomei as devidas providências pra que ela não consiga mais entrar em contato comigo e nem entrar nesse escritório.
***
- Oi, Bonita. – a voz dela pelo telefone era linda, mas nem um décimo do que era pessoalmente, mas ligar para ela era um passatempo e tanto mesmo assim. – Vou poder almoçar com você hoje ou terei que te raptar?
- Ei, Bonito. Você vai ter que me raptar, porque eu ainda estou na biblioteca estudando, vou comer qualquer coisa por aqui mesmo e ir direto pra agência depois.
- E a noite? Posso te levar pra jantar?
- Beca me ligou, ela está querendo fazer alguma coisa surpresa para o Murilo hoje por conta do aniversário dele essa semana. Acho que ela vai dar um jantar só pra nós, Olívia vai levar a Maria. Eu ia te ligar, mas me esqueci completamente.
- O jantar fica pra amanhã então, sem problemas, ainda mais com a Beca dando festa para o Murilo.
- Lindo, né, ela parecia tão feliz no telefone, Bonito. – ela se derreteu. – Fiquei tão aliviada e satisfeita por ela.
- Murilo não está muito diferente não.
- Jura?
- Juro. Ele disse que eles já voltaram a falar sobre casamento de novo.
- Graças a Deus, esses dois bagunçados bagunçam a gente também.
- Bonita, te vejo em casa a noite, então.
- Nunca vou me cansar de te ouvir dizer isso.
- Te direi todos os dias.
- Te amo, Bonito.
- Também te amo.
***
Quando eu cheguei em casa ela já estava lá, normalmente nos dias que ela tinha mestrado ela trabalhava até mais tarde do que eu, mas hoje tinha sido uma exceção, com o Murilo de volta de viagem tínhamos uma dúzia de reuniões pra fazer e relatórios a repassar.
Eu gostava de chegar em casa e encontrá-la, pé no chão, cabelo desarrumado, à vontade na casa que era nossa, era a materialização do significado de eterno, era assim que eu sabia que éramos um do outro.
- O que você está fazendo na minha cozinha? – perguntei.
- Mas você me respeita, Davi Cestari, que essa cozinha também é minha, não quer dizer que só porque eu não cozinho como o senhor eu não posso bagunçá-la também.
Com meu corpo a empurrei contra o balcão, cheirei o pescoço dela.
- Não quero ver nem uma baguncinha na minha cozinha, ouviu? – provoquei.
- Já disse que não é só sua cozinha – ela ria de cosquinha que sentia quando eu ficava muito próximo do pescoço dela como agora. – e não tô bagunçando, é só um suco.
Dei espaço pra que ela passasse, mas não sem antes dar um tapa na b***a dela. i********e é uma benção, ao contrário do que dizem por aí.
- Vou tomar meu banho, quando sair eu quero esse suco.
- E não demora que o jantar é daqui a pouco, se demorar eu corto a energia.
- Eu te acordo com água gelada em vingança. – retruquei.
- Por isso que não gosto de lidar com escorpianos, sempre vingativos e rancorosos. – ela bufou.
Saí rindo e voltei pronto para o jantar, não tinha demorado no banho e nem em me aprontar, já ela continuava do mesmo jeito.
- Pelo visto só eu vou ao jantar.
- Já estou quase pronta.
- Tô vendo.
- Toma seu suco. – ela me entregou um copo e passou por mim saindo da cozinha, eu quis beijá-la por isso, mas deixei que ela fosse se arrumar. – Que cheiroso! – ela gritou já se afastando.
Nunca me imaginei casado, esse não era um sonho que eu carreguei comigo, foi só com a Amanda que eu quis isso e agora eu não me imagino com outra vida. Nossa rotina, nossa i********e, a proximidade que dividir o mesmo teto trouxe, de tudo isso eu não abriria mão.
Ela não demorou pra se arrumar mesmo não, eu ainda estava na cozinha refletindo sobre nós dois quando ela voltou de calça, salto e blusa.
- A mais gata. – passei meus braços pela cintura dela.
- Vamos? Acho que estamos atrasados.
- Não vai nem retribuir o elogio?
- Oh, me desculpe, o mais gato, agora vamos?
Dei espaço pra que ela fosse à minha frente, mas segurei na mão dela. O jantar seria no salão de festas do prédio, alguns andares abaixo. Descemos pelo elevador de mãos dadas, ela com a cabeça encostada no meu ombro, nem era preciso dizer muita coisa.
Olívia já estava no salão, ela e a namorada Maria. Vê-la me fez lembrar que eu esqueci de falar com a Amanda sobre a tal mensagem. Era tanta coisa boa pra viver pra que a gente vai tocar nas ruins?
- Ei, Vívia, que saudades! – as duas primas se abraçavam. – Quando é que você vai se mudar para o nosso prédio, heim?
- Assim que tiver um apartamento à venda. E eu também estava com saudades, Dita. Oi, irmão! – ela se virou pra mim depois de se afastar da Amanda.
- Oi, irmã.
- Também estava com saudades suas.
- Eu sei.
- Convencido!
- Depois eu falo e ninguém acredita. – Amanda brincou. – Maria, quanto tempo não nos víamos! – Amanda cumprimentou a namorada da minha irmã.
- É verdade, a gente precisa sair mais vezes, se formos esperar termos mais tempo nunca vai acontecer.
- Olívia precisa parar de te monopolizar.
- Até parece, Dita, não sou dessas.
- É cunhada, essas duas vão ficar te disputando agora. – falei para a Maria.
- Deixa eu aproveitar, porque sei que é só no começo.
- Nem é começo mais. – reclamou a Olívia. – Já são meses, viu.
- Ainda sou a novidade por aqui.
- Beca me mandou uma mensagem. – Amanda interrompeu. – Eles já estão descendo.
- E a gente faz o quê? – perguntou a Olívia.
- Só espera. – Amanda respondeu.
Logo ouvimos a porta do elevador se abrir.
- Acho que deixei uma pulseira minha aqui. – era a voz da Beca.
- A gente vai se atrasar para o jantar. – Murilo reclamava segundos antes de surgir no salão onde estávamos, gritamos surpresa e ele realmente foi pego, só pelo olhar dele dava pra saber.
- Não acredito que vocês estão aqui! – ele pareceu emocionado. – Meu aniversário nem é hoje.
- Se eu esperasse o dia você desconfiaria. – Beca sorria abraçada a ele. – E não é só uma comemoração pelo seu aniversário, é a nós todos.
Um a um ele foi abraçando os convidados, que não eram muitos, apenas quatro, mas éramos o suficiente.
- Esse sorriso no rosto de vocês já é motivo de sobra pra comemorar. – Amanda disse.
Todos começaram a conversar entre si, aproveitei para puxar a Amanda pra um canto.
- O que foi, Bonito?
- Sabe aquela amiga da Olívia? Um dia desses ela me mandou mensagem. – fui direto. – Não respondi e nem dei bola, não quis te falar porque você estava no meio da confusão com a Beca e depois eu esqueci, mas antes que você descubra e fique brava comigo eu estou te contando.
- O que aquela cara de p*u quer com você? – ela estava brava.
- Nem quero saber.
- Ai de você se chegar perto dela.
- Eu não quero chegar perto dela.
- Vou ter uma conversa séria com a Olívia sobre essas amizades dela. – disse carrancuda.
- Olívia não tem ela como amiga mais.
- Pois então que não coloque essazinha no nosso meio mais.
- Ela não vai colocar. – afirmei. – Tá brava?
- Não com você.
- Nem com a Olívia?
- Claro que nem com a Olívia. – me puxou de volta pra roda, com um bico de emburrada, não olhava pra mim enquanto que eu a observava, dois minutos depois se virou e me abraçou. – Meu, todinho meu. – sussurrou no meu ouvido. – Ouviu?
- Ninguém nessa Terra tem duvida disso.
- Parece que alguém tem.
- Nem ela deve ter.
- Então, diz que me ama. – ordenou.
- Te amo.