Coisa importante

1347 Words
Naquela noite, enquanto Elias descia do beco principal do morro, ainda remoendo o encontro com Lara, encontrou Matheus na sede, junto com alguns aliados. O ambiente estava descontraído: um jogo de baralho rolava na mesa, cervejas geladas circulavam, e risadas ecoavam pelo local. Matheus parecia à vontade, rindo de alguma piada de um dos rapazes. — E aí, Elias! Tá com a cara fechada por quê? — perguntou Matheus, com seu tom usualmente tranquilo, enquanto embaralhava as cartas. Elias forçou um sorriso, se aproximando. — Nada não, só pensando nas coisas do dia — respondeu, cruzando os braços. — Vi sua amiguinha hoje, a Lara. Bonita, né? Matheus ergueu os olhos das cartas, encarando Elias diretamente. O sorriso diminuiu um pouco, mas sua postura não mudou. — Lara é gente boa. Trabalha duro e cuida da mãe. Nem tenta, Elias. Essa aí não é pra você. A resposta simples atingiu Elias em cheio, embora Matheus não parecesse querer começar um conflito. Ele apenas deu de ombros e continuou: — E, além disso, cê sabe o que ela pensa de nós. Ela não quer saber do nosso mundo. Elias riu, mas era uma risada seca, carregada de ironia. — E você, Matheuzinho? Vai ficar bancando o protetor dela agora? Matheus o olhou de cima a baixo, mantendo a calma. — Só tô dizendo. Você sabe que respeito é a base de tudo aqui, Elias. Não esquece disso. O clima ficou tenso por um instante, mas antes que os outros notassem, Elias relaxou os ombros, fingindo que estava apenas brincando. — Tá bom, tá bom. Não tô aqui pra arrumar confusão. Só comentei. Matheus deu um pequeno sorriso, voltando sua atenção ao jogo, mas algo na expressão de Elias permaneceu em sua mente. Ele sabia que o parceiro andava inquieto ultimamente. E mesmo que fosse leal, Matheus também sabia que a inveja era algo perigoso, principalmente vindo de alguém tão próximo. Enquanto isso, Lara começava a notar que seu nome passava a ser comentado pela comunidade. Depois do encontro com Elias, algumas vizinhas mencionaram que ele havia comentado sobre ela no bar. — Cuidado, menina. Cê sabe que esses homens não deixam nada barato — alertou uma das senhoras na padaria. — Não se preocupe, Dona Ruth. Eu não dou a******a. Mas no fundo, Lara sentia-se desconfortável. Elias era insistente e, ao mesmo tempo, matreiro. Porém, o que mais a surpreendia era Matheus. Apesar de seus próprios preconceitos contra os chefes do morro, algo nele parecia diferente. Ele era educado, respeitava os moradores e, mesmo com todo o poder que agora carregava, parecia manter os pés no chão. Naquele dia, enquanto varria o chão da padaria ao final do expediente, Lara viu Matheus passando do outro lado da rua. Ele carregava sacolas cheias de mantimentos, parando para ajudar um idoso que deixava cair algumas coisas da mochila. — Ele tem jeito de mocinho pra bandido, viu? — comentou sua mãe, que também o observava pela janela. Lara balançou a cabeça, tentando afastar qualquer pensamento sobre aquilo. Não queria se envolver com ele. Não podia. Mas algo no jeito calmo de Matheus parecia cada vez mais difícil de ignorar. Mais tarde, Elias estava sentado em um canto do morro com um pequeno grupo. Ele contava com duas pessoas de sua confiança, e o ressentimento que vinha nutrindo por Matheus começava a ganhar força. — Eu sempre estive do lado dele, desde que a gente era muleque — disse Elias, quebrando o silêncio. — E agora? Agora ele acha que manda em mim. — Cê ainda é o sub, mano. É o braço direito dele — respondeu um dos homens. Elias estreitou os olhos, balançando a cabeça. — Braço direito? Isso é o que ele fala pra me manter sob controle. Todo mundo só vê ele. Os outros homens trocaram olhares cautelosos, mas não disseram mais nada. Elias tinha suas ideias, e algo no tom de sua voz deixava claro que ele não pretendia seguir obedecendo para sempre. Os dias no morro eram cada vez mais intensos. Matheus, agora à frente de tudo, tinha o respeito da maioria, mas também sentia o peso de ser líder. Ele entendia que não podia agradar a todos, mas sua prioridade era manter o morro em paz e o movimento em alta. Era tarde da noite quando Matheus se reuniu com alguns aliados na quadra. A conversa girava em torno de um carregamento que chegaria no fim de semana, mas ele sabia que precisava falar com Elias, que ultimamente estava cada vez mais distante. — Elias tá estranho, mano. Tá falando pouco e olhando torto pra geral — comentou Renan, um dos homens de confiança de Matheus. Matheus deu um longo gole na cerveja, pensando. — Deixa comigo. Eu e ele temos história demais. Sei como resolver isso. Ele acreditava que a amizade que compartilhavam desde a infância seria suficiente para superar qualquer m*l-entendido. Enquanto isso, Elias estava na parte alta do morro, sentado em uma viela, cercado por um grupo pequeno. Os rostos à sua volta eram conhecidos: homens que também tinham suas desavenças com o comando de Matheus, seja por disciplina, seja por escolhas estratégicas que os deixavam descontentes. — Eu cresci nesse morro, vocês cresceram comigo — começou Elias, com o olhar fixo no chão. — Quando foi que a gente decidiu que Matheuzinho ia mandar na gente? Os outros homens trocaram olhares cautelosos. Eles não estavam prontos para tomar partido, mas Elias era persistente. — Ele acha que tá tudo bem porque conversa bonito, mas é muito mole. Só quer saber de ficar de boa com os moradores. Isso aqui é morro, é guerra. Precisa de alguém com mão forte. Havia um murmúrio entre o grupo, mas ninguém deu um passo adiante. Elias sabia que precisaria de mais tempo, mais alianças, mas já tinha uma certeza: ele não aceitaria viver sob as ordens de Matheus por muito mais tempo. Na manhã seguinte, enquanto Lara abria a padaria, Matheus apareceu. Ele estava sem seus homens, apenas com as mãos no bolso e uma expressão tranquila. — Bom dia, Lara — disse ele, entrando pela porta com seu andar característico, confiante, mas sem pretensão. Ela levantou os olhos da caixa de pães que organizava e ergueu a sobrancelha, surpresa. — Matheus? Não imaginei que você comprasse pão aqui. Ele riu, encostando-se no balcão. — Eu compro, sim. E aproveito pra falar com quem é importante no morro. Lara riu, sarcástica. — E o que você quer falar comigo? Matheus a observou por um instante, percebendo a desconfiança em seu tom, mas sem se intimidar. — Só queria saber se tá tudo bem. Ouvi que o Elias falou com você. Ela suspirou, deixando claro que aquele assunto não a agradava. — Ele não me interessa, Matheus. Mas pelo visto você e ele têm muito com o que se preocupar. — Não se preocupa, não. Qualquer problema com ele, cê me procura, tá bom? — disse, com um sorriso genuíno, entregando dinheiro para pagar os pães. Lara o observou sair, sentindo uma mistura de curiosidade e nervosismo. Apesar de saber que Matheus fazia parte de um mundo perigoso, ela não podia ignorar o jeito atencioso com que a tratava. Mais tarde, Elias encontrou Matheus enquanto ele supervisionava algumas entregas no pé do morro. — Você tá me marcando, Matheuzinho? — Elias perguntou, em tom de brincadeira, mas com um quê de provocação. Matheus franziu o cenho, confuso. — Que papo é esse? — Achei que sim. Tava falando com a Lara hoje cedo, né? Tá preocupado comigo ou tá interessado nela? A tensão era palpável. Matheus deu dois passos à frente, parando de frente para Elias. — Se fosse você, pensava bem antes de falar merda, Elias. Tem coisa mais importante pra gente se preocupar. Elias deu um sorriso torto, como quem não estava disposto a ceder. — Só tô vendo até onde isso vai. — Vai até onde precisar ir, irmão. Mas cê lembra: tô no comando. A gente tá junto nessa. Elias acenou com a cabeça, mas por dentro, o rancor só crescia.
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