Lara descia a viela em direção à padaria quando avistou Elias e TK parados na entrada de um beco estreito. Eles conversavam em tom baixo, as cabeças próximas, os olhos atentos ao redor. Lara não sabia exatamente sobre o que falavam, mas o jeito descontraído de TK contrastava com a expressão dura de Elias.
Quando ela passou por eles, sentiu o olhar de Elias pousar sobre ela, intenso como uma lâmina fria. O coração de Lara disparou. Não era a primeira vez que o encontrava assim, mas toda vez a sensação era a mesma: um misto de medo e desconforto.
— Tá correndo por quê? — ele perguntou, em um tom que beirava o deboche.
Ela parou, sem jeito, mas não o encarou diretamente.
— Tô com pressa, Elias. Tenho coisa pra fazer.
— Sempre tão ocupada, né? — Ele cruzou os braços, estreitando os olhos. — Nunca tem tempo pra gente.
O comentário fez a espinha dela gelar. Ela levantou os olhos por um breve momento e percebeu o sorrisinho m*****o de TK.
— Tenho tempo pra quem importa — ela respondeu, firme, mas cautelosa, antes de retomar o passo.
Elias riu baixo enquanto ela se afastava.
— Tá achando que é melhor que a gente, TK. Certeza que é influência do Matheuzinho.
Lara sentiu a risada de Elias ecoando atrás de si, o que fez sua pele arrepiar. A cada passo que dava, mais forte era a sensação de que deveria evitar qualquer contato com ele. Sempre que Elias estava por perto, a presença dele parecia sufocá-la, como se algo sombrio emanasse de sua postura arrogante e raivosa.
Ao chegar na padaria, Lara respirou fundo, tentando controlar o coração disparado. Não sabia se era imaginação dela, mas a convivência forçada com Elias desde a infância só parecia piorar conforme os anos passavam. Se antes ele era apenas um garoto irritante e malandro, agora parecia um homem perigoso e imprevisível.
O que ela não sabia era que o desconforto que sentia seria apenas o começo.
A noite estava chuvosa, o tipo de chuva constante que não dava trégua, acompanhada de trovões distantes que retumbavam no céu pesado. Lara fechou a bolsa que carregava com cuidado, verificando se tudo estava no lugar: biscoitos caseiros, balas que Sofia adorava e alguns chocolates que ela sabia que fariam a alegria da filha de sua amiga Luana.
Ela ajustou o fecho do casaco antes de pegar a sombrinha preta encostada na parede. A mãe, sentada na pequena sala iluminada pela fraca luz de uma lâmpada, ergueu os olhos do crochê.
— Vai mesmo sair nessa chuva, menina? — perguntou em tom preocupado.
— Vou sim, mãe. Não demora, só vou entregar isso.
A mulher suspirou, largando a linha e a agulha no colo.
— Você sabe o que sempre te falei, Lara. Evita certos caminhos.
— Eu sei, mãe. Não se preocupe. Vou direto pra casa da Luana e volto rápido.
Lara forçou um sorriso tranquilo e saiu pela porta, protegendo-se sob a sombrinha contra o vento gelado. A noite no morro tinha um tom diferente quando chovia, as luzes fracas nos postes iluminavam o concreto úmido e as goteiras criando pequenas poças ao longo das vielas.
Ela seguiu pelo caminho habitual, mas ao perceber que o trajeto principal estava mais movimentado por causa de um pequeno tumulto próximo à pracinha, desviou para um dos becos mais isolados. Era mais rápido e direto, mas menos seguro, especialmente àquela hora.
O beco estava deserto, as paredes estreitas cobertas por graffiti e um cheiro de terra molhada se misturando ao ar frio. Os únicos sons vinham de seus passos apressados e do pingar contínuo da chuva. Lara segurava firme a sombrinha, a bolsa presa contra o corpo, enquanto olhava em volta de tempos em tempos.
No meio do percurso, algo a fez olhar para trás. No começo, achou que fosse o reflexo da luz de um poste em uma das poças, mas logo percebeu uma sombra se movendo na direção dela. Era alguém.
O coração dela acelerou.
Lara respirou fundo e tentou se convencer de que era apenas outra pessoa pegando o mesmo caminho. Afinal, o beco era bastante usado como atalho pelos moradores. No entanto, havia algo na maneira como a figura caminhava que a deixou inquieta: passos lentos e deliberados, como se não houvesse pressa, mas com uma intenção difícil de ignorar.
Ela apertou o passo, tentando não demonstrar medo, mas sentia o olhar daquela pessoa queimando suas costas. A chuva, agora mais forte, abafava qualquer som ao redor, mas Lara conseguia ouvir os passos atrás de si, compassados e constantes.
De repente, ouviu a voz, rouca e inconfundível, cortando o silêncio.
— Tá indo aonde com tanta pressa, Lara?
Ela parou de supetão, o coração disparado. Virou-se devagar, e o viu ali, parado a alguns metros de distância. Elias.
Ele estava sem sombrinha, encharcado, o cabelo pingando água em seu rosto sério. Seus olhos a analisavam com um misto de curiosidade e diversão, como um predador que observa a presa antes de dar o bote.
— Tô indo pra casa da Luana. — A voz dela saiu firme, mas contida, sem querer alimentar o tom provocativo dele.
Elias deu alguns passos para frente, ainda com aquele olhar que a deixava desconfortável.
— Toda vez que te vejo, você tá correndo de alguma coisa, Lara. Tá fugindo de mim? — perguntou, um sorrisinho provocador surgindo em seus lábios.
— Não tô fugindo de ninguém — ela respondeu rapidamente, apertando ainda mais a bolsa contra si. — É tarde e chove muito.
— E mesmo assim saiu de casa. Não tem medo do que pode acontecer por aí?
Havia uma insinuação sombria nas palavras dele, e Lara sentiu sua garganta secar. Mas não recuou.
— Não preciso ter medo, sei cuidar de mim. Agora, com licença. — Virou-se de volta para o caminho e começou a andar.
— É bom mesmo saber cuidar de si — Elias respondeu, com uma risada baixa que a seguiu pelo beco.
Lara apressou os passos, m*l notando que suas mãos tremiam enquanto segurava a sombrinha. A presença dele atrás dela era como uma sombra, pesada e sufocante. Ela só conseguiu respirar aliviada quando viu a luz da rua principal e ouviu as vozes das pessoas nas barracas de comida próximas.
Mesmo sob o abrigo da multidão, Lara não conseguia afastar o frio que Elias sempre lhe causava. Ele não era apenas um homem com poder no morro, era alguém capaz de transformar até o mais inocente gesto em ameaça velada.
Chegando à casa de Luana, Lara entrou rapidamente e trancou a porta. Sua amiga a recebeu com um abraço caloroso, sem perceber que Lara ainda estava perturbada.
Aquela sensação de que Elias representava mais perigo do que queria admitir não saía da sua cabeça. E, embora tentasse seguir com sua rotina, sabia que ele estava cada vez mais próximo, rondando, esperando o momento certo para aparecer de novo.