Problemas

826 Words
Matheus estava na boca, sentado em uma cadeira improvisada, analisando o movimento enquanto dois vapores faziam a contagem do dinheiro. A rotina no morro parecia tranquila, mas um grupo de moradores, visivelmente incomodados, se aproximava. — Chefe, tem umas pessoas aí querendo trocar uma ideia contigo — avisou um dos vapores. Matheus franziu a testa. Não era comum moradores irem diretamente à boca para falar com ele. Geralmente, qualquer reclamação ou pedido passava por outros antes de chegar ao chefe. — Manda entrar — respondeu, levantando-se e estalando os dedos. Os moradores subiram hesitantes. Eram três mulheres mais velhas e dois homens, todos com rostos sérios e palavras prontas a sair. — Fiquem à vontade. O que tá pegando? — Matheus perguntou, cruzando os braços enquanto os encarava. Uma das mulheres tomou coragem para falar. — Matheuzinho, a gente sabe que você sempre teve respeito pelo morro e pelos moradores. Mas o Elias… O nome de Elias foi como uma faísca em um barril de pólvora. Matheus ergueu a sobrancelha e os outros continuaram. — Ele tá achando que pode fazer o que quiser — continuou um dos homens. — Fala torto com todo mundo, arruma confusão sem motivo e ainda fica intimidando os muleques que não tão no movimento. — Semana passada ele mandou o filho da Doralice lavar o carro dele. Disse que se não lavasse, ia botar o pessoal do movimento,na cola do pai do moleque, que nem se mete nessas coisas — completou outra mulher. Matheus fechou a mão em punho, tentando não demonstrar o incômodo imediato. A tensão começou a subir entre os presentes. — Tem mais, chefe — disse o homem que havia falado primeiro. — Os vapores tão reclamando que ele pede a parte dele na força. Tá desrespeitando os combinados. O silêncio ficou pesado por alguns segundos. Matheus respirou fundo, encarando cada um deles. — Eu entendi. Podem ficar tranquilos, vou resolver isso. O morro continua tendo dono, e vocês têm minha palavra que essas coisas não vão se repetir. As pessoas trocaram olhares antes de agradecerem e saírem. Matheus ficou parado por alguns instantes, analisando tudo o que ouvira. Aquilo era mais do que um aviso; era um problema que precisava ser contido antes que crescesse. Ele chamou um dos vapores. — Vai chamar o Elias. Quero ele aqui agora. Matheus esperou na boca enquanto o vapor saiu à procura de Elias. Sua mente fervia com as reclamações que acabara de ouvir. Não era apenas sobre os abusos de Elias; era sobre o respeito que ele tanto cultivara no morro estar sendo ameaçado. Elias apareceu minutos depois, subindo a ladeira com o passo confiante de sempre. Assim que viu Matheus esperando, deu aquele sorriso que costumava carregar um toque de deboche. — Fala, chefe. Tava me procurando? Matheus cruzou os braços e o encarou, sem sorriso no rosto. — Entra aí. Quero trocar uma ideia. Elias parou na frente dele, mas a expressão descontraída deu lugar a um semblante de curiosidade, misturado com alerta. — O que foi? Aconteceu alguma coisa? Matheus foi direto ao ponto. — Recebi uns moradores aqui na boca. Vieram reclamar de umas atitudes tuas. Elias piscou, confuso, e depois franziu o rosto. — Reclamar de mim? Tá de brincadeira, né? Eu só faço meu trabalho. — Mandar filho de trabalhador lavar teu carro é trabalho? Falar torto com as pessoas da comunidade que nem tão no movimento também é? — Matheus elevou o tom, mas sua voz ainda estava controlada. Elias estreitou os olhos, o tom defensivo. — O que tá acontecendo aqui, Matheus? Tá ouvindo fofoca agora? Isso não é meu jeito, e você sabe. Se tão falando isso de mim, é porque querem me queimar com você. Matheus deu um passo à frente, apontando para Elias. — Não é fofoca quando várias pessoas dizem a mesma coisa. E não é questão de queimar tua imagem, é você respeitar a comunidade. Você sabe como a gente se sustenta, Elias. Sem os moradores, sem o apoio deles, o morro cai. E eu não vou deixar ninguém destruir o que Zé Preto construiu. Elias recuou, claramente sentindo o peso das palavras. — Eu nunca quis derrubar nada, Matheus. Só tô fazendo meu papel. Se alguém acha r**m, é problema deles. — E é problema meu também! — Matheus cortou, firme. Ele se aproximou ainda mais, olhos fixos no amigo de infância. — Olha pra mim, Elias. Se tá difícil de entender, deixa eu te explicar: você é meu braço direito, mas não vai fazer o que bem entender. O comando é meu, e eu decido as regras aqui. Tá claro? Elias sustentou o olhar por alguns segundos antes de forçar um sorriso. — Tá claro. Se é o que você quer, é o que vai ser. Matheus o observou enquanto Elias virava as costas e saía. O sorriso falso no rosto do amigo era um aviso silencioso de que aquilo não terminaria ali.
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