Seis Meses Depois
O sol da manhã, forte e implacável, invadia a cozinha da nova casa. Não era um penthouse de vidro, mas uma moradia de dois andares com um jardim tranquilo, um reflexo do desejo de Daniel (39) e Helena (37) de ancorar a nova família em algo sólido e menos ostensivo. O luxo agora era a simplicidade.
Daniel, vestindo uma camisa polo e calções, com uma mancha de farinha na testa, parecia um estranho em seu próprio corpo. O Promotor da Comarca, famoso por sua precisão, estava travando uma guerra épica contra a gravidade e o fermento. Ele estava tentando, sem sucesso, fazer panquecas perfeitas para Lucas (19), cujo apetite havia voltado com força total.
— Pai, a receita diz para não misturar demais a massa, a menos que você queira crepes. Você está agitando isso com a intensidade de quem está tentando extrair uma confissão de um mafioso. — Lucas ironizou, de seu lugar à mesa, sorrindo por cima de um caderno de lógica de programação. Ele tinha o olhar analítico de Daniel, mas o humor leve de Helena.
— Estou apenas garantindo que a consistência seja legalmente aceitável e que as bolhas sejam devidamente submetidas ao processo de cozedura. — Daniel devolveu, jogando a colher de p*u em frustração calculada. Ele riu, um som fácil e descontraído que ele havia redescoberto nos últimos meses.
Helena entrou na cozinha. Ela vestia um tailleur de linho creme, impecável, mas com um lenço de seda esvoaçante que suavizava sua imagem profissional. Ela estava pronta para enfrentar o dia, mas parou no batente para absorver a cena. Seu coração se encheu de uma alegria calma. A imagem de Daniel e Lucas, juntos e relaxados, era a sua obra-prima.
— Bom dia. — Helena beijou Lucas na testa. Em seguida, estendeu a mão para Daniel, recebendo um beijo que era casto, mas cheio de uma cumplicidade intensa. Não era mais a paixão proibida; era o amor construído na base da verdade.
— O Promotor precisa de uma assistente de defesa para salvar o café da manhã. Estou emitindo uma intimação para você assumir o comando da frigideira. — Daniel resmungou, entregando-lhe a espátula.
Helena pegou a ferramenta, olhando para a massa. — A trégua não inclui salvar você de desastres culinários, meu sócio. Mas por Lucas, faço um esforço.
A vida deles era um tecido meticulosamente refeito.
Daniel havia renunciado ao cargo de Promotor, não por vergonha, mas por escolha. A exposição da verdade, a queda da TecnoCore e a luta contra Viviane (34) haviam encerrado um capítulo. Ele abriu seu próprio escritório de consultoria legal e ética, concentrando-se em reformar o sistema de dentro para fora, longe do jogo político. Ele havia trocado o poder de acusar pelo poder de instruir, encontrando um novo propósito.
Helena permaneceu à frente de sua firma, mas transformou sua missão. Ela canalizou sua experiência para a área de compliance e defesa de vítimas de corrupção, usando seu prestígio internacional para financiar e apoiar ações de Daniel. O dinheiro não era mais um escudo; era uma ferramenta para a justiça.
Lucas era o motor da nova vida. Ele havia perdoado completamente os pais, entendendo o sacrifício e o medo que motivaram a mentira. Sua recuperação física estava completa, e ele estava animado com o futuro. Ele não queria seguir o Direito, escolhendo a Tecnologia e a Lógica, um campo que prometia a ordem que sua vida familiar finalmente havia encontrado.
Após o café da manhã, Daniel encontrou Helena em seu escritório em casa. Ela estava revisando documentos para um grande projeto pro bono de combate à lavagem de dinheiro.
— A Suprema Corte confirmou a cassação e as condenações de todos os envolvidos na rede TecnoCore. — Daniel disse, apoiando-se na moldura da porta. — O Juiz foi inflexível. Está oficialmente e irrevocavelmente acabado. Você pode, finalmente, respirar sem olhar por cima do ombro.
Helena fechou a pasta, um alívio profundo em seu rosto. — Está acabado. E Viviane?
— Perdeu a licença e enfrenta um processo civil por danos morais que, francamente, a deixará sem nada. Não posso sentir pena. Ela escolheu a destruição e a vingança. Nós escolhemos a construção.
Helena se levantou, aproximando-se de Daniel. Ela tocou a gravata dele, ajeitando o nó com um toque íntimo.
— Nós perdemos muito tempo, Daniel. Dezoito anos de panquecas queimadas e lições de casa.
— Ganhamos um futuro, Helena. — Daniel a corrigiu, segurando suas mãos. — Você me ensinou que o amor não é um contrato legal, mas a coragem de ser honesto, mesmo que isso signifique destruir a vida que construímos. Eu te perdoei por roubar meu filho, e eu te amo por ter tido a força de me dar a oportunidade de lutar por ele.
Helena sorriu, emocionada. — Naquela época, eu pensei que a Minha Escolha era a única forma de salvar você e Lucas do perigo físico. Hoje, a nossa escolha é a única forma de nos salvar da solidão e da mentira.
Naquela noite, sob a luz suave da sala de estar, Lucas se juntou a eles no sofá. A família estava assistindo a um filme clássico. Lucas parecia hesitante.
— Mãe, Pai. — Ele desligou a TV. — Eu decidi. Vou para a universidade em Nova York. A proposta do MIT é irrecusável.
Helena e Daniel se olharam, a tensão de pais voltando. O Promotor e a Advogada, mestres em crises, sucumbiram ao pânico parental.
— Nova York? — Helena exclamou, a voz alta demais. — Mas... é muito longe! É frio! E quem vai cuidar de você?
— Podemos visitá-lo, claro, mas... — Daniel hesitou, sentindo a familiar pontada de perda. — Mas você vai ficar bem? Sozinho? Você acabou de se recuperar...
Lucas riu, sentindo o amor e o medo na reação deles.
— Eu vou ficar bem. Vocês dois me ensinaram que eu sou forte o suficiente para enfrentar qualquer coisa. E vocês me ensinaram a lutar pela verdade. Vocês me deram a melhor defesa de todas: uma base sólida.
Lucas pegou as mãos dos pais, unindo-as mais uma vez no seu colo.
— Vocês não precisam mais lutar. Vocês me deram a liberdade que eu precisava. Agora, vocês precisam viver a Nossa Escolha.
Daniel e Helena se olharam. A mensagem era um ultimato gentil e final. Eles tinham dado a Lucas a liberdade de que ele precisava, e agora, era a vez deles de viverem a própria, sem medo, sem a sombra de um segredo.
Daniel beijou Helena. O beijo era a promessa de um novo começo, sem o caos do passado, mas com a certeza de um amor que sobreviveu à lei, à distância e à mentira.
A única escolha que importava, afinal, era aquela que os unia. A Minha Escolha havia se tornado a Nossa Escolha, e era a melhor defesa de todas.
(Fim)