O Outro Segredo

1962 Words
O beijo forçado e a pergunta de Daniel (38) haviam rompido a última linha de defesa de Helena (36). Eles deixaram o evento de caridade abruptamente, a tensão entre eles mais visível que qualquer escândalo de manchete. De volta ao apartamento de Helena, a atmosfera era carregada. Lucas (18) estava dormindo, alheio à guerra silenciosa travada pelos pais. Daniel a seguiu até o terraço, onde a noite da cidade parecia prestes a engolir a todos. — Não minta mais para mim, Helena. — A voz de Daniel era perigosa. — O seu diário era sobre paixão e medo de estragar minha carreira. Mas quando você me deixou, você parecia apavorada. Você não estava apenas fugindo por mim. Você estava fugindo de algo. Helena virou-se, apoiando as mãos na grade. Ela estava encurralada. O segredo que ela carregava era muito mais sombrio do que a gravidez. Era a razão pela qual ela havia cortado todos os laços e se transformado na Helena Monteiro que ele conheceu no tribunal. — Você está certo. — Helena confessou, a voz fraca. — Havia algo mais. Algo que me fez ter certeza de que aquela cidade era perigada demais para criar o meu filho. Daniel deu um passo em direção a ela. — O que aconteceu, Helena? — Foi um mês antes de eu descobrir que estava grávida. — Ela começou, a memória a fazendo tremer. — Eu estava investigando um caso pro bono no escritório da faculdade, sobre corrupção na prefeitura e má gestão de fundos de obras. Um dos nomes era grande, muito grande. Daniel franziu a testa. — Nomes conhecidos? — Sim. Eram os mesmos que você estava ansioso para enfrentar quando se tornasse promotor. — Ela olhou para ele, os olhos cheios de lágrimas. — Eu consegui documentos. Provas de desvio de dinheiro. Eu ia levá-las para o seu professor, mas... eu não cheguei lá. Helena respirou fundo, revivendo o trauma. — Eu fui abordada. Em um estacionamento subterrâneo, à noite. Daniel empalideceu. — Helena, o que eles fizeram com você? — Eles não me bateram. — Ela balançou a cabeça. — Eles me deram um ultimato. Disseram que se eu ousasse entregar os documentos, eles iriam destruir a minha vida. E destruir a vida de quem estivesse ao meu lado. — Isso é chantagem, Helena. Por que você não me contou? Nós poderíamos ter ido à polícia! — E você acha que a polícia, na época, estaria do seu lado? — Ela riu, sem humor. — Eram pessoas muito poderosas, Daniel. Se eu tivesse contado, você teria lutado. E eu sabia que você morreria por mim. Se eu continuasse na cidade, com você, eles nos matariam. Ou pior, eles usariam a sua carreira contra você. — Eu não teria morrido. — Daniel a contradisse, mas a dor em seus olhos era de compreensão. — Eu estava grávida na época. — Helena tocou o ventre, um gesto de proteção. — Eu descobri logo depois. Quando soube que carregava o seu filho, eu não tive escolha. Não era mais sobre nós dois, Daniel. Eu não podia permitir que eles tocassem nele. Eu tinha que desaparecer. Eu tinha que criar o meu filho em um lugar onde eu pudesse protegê-lo com dinheiro e poder, fora do alcance deles. Foi a única forma de garantir que Lucas não nascesse com um alvo nas costas. Daniel levou as mãos ao cabelo, processando a profundidade da mentira e o medo que a motivou. Ele pensava que ela havia fugido para salvaguardar sua carreira; na verdade, ela fugiu para salvaguardar suas vidas. — Você viveu dezoito anos com esse peso? — Daniel perguntou, a raiva substituída por uma profunda admiração e pena. — Sim. Eu construí a minha vida em cima de um terror. O meu medo de voltar não era por você; era por eles. Ele se aproximou e a abraçou, não com paixão, mas com perdão. Era um abraço de parceria, de dor compartilhada. — Eu sinto muito, Helena. Sinto muito pelo que você passou. E sinto muito por ter te odiado por algo que você fez para nos proteger. Helena desabou em seus braços, as lágrimas lavando dezoito anos de culpa e medo. — Mas quem eram eles? — Daniel perguntou, o Promotor voltando à tona. — Os nomes? — Estavam ligados a uma empresa de desenvolvimento urbano. A principal cliente do escritório que me chantageou era... a TecnoCore. Daniel congelou. Ele se afastou, olhando para Helena com os olhos arregalados. — A TecnoCore? É a subsidiária que está no relatório da PHOENIX que você me pediu para revisar! O choque era palpável. O caso de corrupção que a forçou a fugir estava interligado ao caso que a trouxe de volta. A PHOENIX estava reestruturando a TecnoCore, a empresa ligada à sua chantagem e à sua fuga. — Foi por isso que você fugiu, e é por isso que você voltou. — Daniel entendeu, a verdade se encaixando. — Você sabia que o caso PHOENIX era a sua chance de se vingar e limpar o seu nome. — E de enterrar o fantasma de quem me forçou a fugir. — Helena completou. Daniel pegou as mãos dela. O ódio havia morrido. Havia apenas uma causa comum. — Nós não vamos enterrar nada, Helena. Nós vamos expor. Juntos. Eu sou o Promotor. Você é a advogada mais implacável que conheço. Vamos usar a nossa aliança, não só para criar Lucas, mas para destruir essas pessoas de uma vez por todas. Esta é a nossa chance de ter justiça. Helena olhou para Daniel. O homem que a salvava estava bem ali, pronto para lutar. A parceria legal reacendia a chama de forma mais intensa e significativa. — Minha escolha. — Helena sorriu, um sorriso de libertação. — A partir de agora, é Nossa Escolha. A confissão de Helena (36) não foi um sussurro; foi um grito abafado, cheio de dezoito anos de terror e isolamento. Daniel (38) a segurou enquanto ela desabava no terraço, o som da cidade misturado aos seus soluços. O ódio anterior de Daniel parecia uma ilusão c***l, substituído por uma torrente de compaixão e uma nova e fria fúria dirigida aos homens que a forçaram a fugir. — Eu sinto muito, Helena. Sinto muito pelo que você passou. Eu sinto muito por ter feito a sua dor parecer sobre mim. — Daniel a embalava, sentindo o peso do tempo perdido. O diário explicava o amor; a chantagem explicava a fuga desesperada. A verdade era muito mais complexa e dolorosa do que ele jamais poderia ter imaginado. Helena se afastou, enxugando as lágrimas. Ela não era mais a advogada inabalável nem a ex-amante aterrorizada; era uma sobrevivente. — Eu não podia contar a você, Daniel. Na época, você era tão puro, tão idealista. Eu sabia que se você descobrisse que eles estavam envolvidos em corrupção e que me ameaçaram, você teria se atirado na frente deles sem pensar. Eu precisava de você vivo. E eu precisava de Lucas (18) seguro. — E foi por isso que você criou a vida que você tem. — Daniel observou o luxo ao redor. — Você se tornou rica e poderosa para se proteger deles. — O dinheiro é um escudo, Daniel. E o anonimato era a minha arma. Eu pensei que se eu fosse inatingível, se eu fosse uma figura de prestígio internacional, eles me deixariam em paz. E deixaram. Até eu voltar. — A TecnoCore. — Daniel disse a palavra, saboreando-a. O nome ecoava com um novo significado. Helena assentiu, a cor voltando ao seu rosto, substituída por determinação. — Sim. O escritório que me chantageou era o braço legal de uma empresa de desenvolvimento urbano. E o maior cliente desse escritório era a TecnoCore. Eles estavam fraudando contratos de infraestrutura e desviando milhões. Eu tinha os documentos que provavam isso. Daniel pegou o telefone e começou a digitar, mas parou. — Onde estão os documentos, Helena? — Eu os escondi no último lugar que eles procurariam: dentro da única caixa que nunca foi movida da casa da minha avó. Eu nunca tive coragem de tocá-los. Mas quando você me disse que a PHOENIX estava reestruturando a TecnoCore, eu soube. O destino estava me dando uma segunda chance. — E é por isso que você aceitou o caso PHOENIX. — Daniel finalmente entendeu a motivação real. Não era apenas defesa legal. Era vingança, era justiça. — Eu não estava apenas defendendo a PHOENIX contra você. Eu estava me posicionando para derrubar o poder que me destruiu dezoito anos atrás. Eu estava esperando a brecha para usar o caso PHOENIX como uma alavanca para expor a TecnoCore e, finalmente, me vingar. A fúria de Daniel se concentrou no alvo correto. Seu ódio por Helena havia desaparecido. Havia apenas uma causa comum, e uma admiração avassaladora pela coragem da mulher à sua frente. — Por que você não me contou a verdade antes, quando voltamos a nos ver? — Você estava me odiando pelo ciúme, Daniel. Você teria corrido para enfrentá-los. Eu vi a sua raiva e percebi que você ainda faria a mesma coisa de dezoito anos atrás. Eu não podia arriscar a vida de Lucas. Eu precisava que você fizesse a Minha Escolha de proteger Lucas no tribunal, não atacando. A honestidade era a cura. Daniel soube que, se ela tivesse dito a verdade antes, ele teria, de fato, agido impulsivamente, expondo a todos ao perigo. — Chega de fugir. — Daniel disse, segurando as mãos dela com firmeza. — Eu sou o Promotor da Comarca. Você é a advogada internacional. E nós somos os pais de Lucas. Esta é a nossa chance de fazer justiça por nós três. Ele olhou para ela, e havia um novo tipo de promessa em seus olhos. — Eu não sou mais o estudante ingênuo, Helena. E eles não vão me intimidar. Nem a você. Vamos usar o caso PHOENIX como um cavalo de Troia. Vamos expor a TecnoCore e todos os seus cúmplices. Juntos. Helena sorriu, um sorriso de libertação e de paixão renovada. — Minha escolha? Não mais. É a Nossa Escolha. O que fazemos agora, Promotor Albuquerque? Daniel a beijou, não com a urgência desesperada da noite anterior, mas com a calma e a certeza de quem tinha encontrado sua parceira e seu propósito. — Vamos voltar à lei, Doutora Monteiro. Vamos usar o relatório de contabilidade forense que a Viviane ignorou. Vamos analisar o fluxo de caixa da PHOENIX e provar que o desvio não era para fraude fiscal, mas para cobrir os pagamentos ilícitos feitos à TecnoCore para contratos fictícios. Ele pegou uma caneta e começou a esboçar no guardanapo de papel. A paixão pelo intelecto estava no auge. — A TecnoCore é a chave. Vamos ligar os pagamentos ilícitos da PHOENIX a eles, e depois ligar a TecnoCore aos nomes dos corruptos da prefeitura que ameaçaram você. Usaremos a fraude fiscal como um pretexto para abrir a caixa de Pandora da corrupção. Helena observou-o, o coração batendo com a certeza de que eles eram invencíveis juntos. — Eu sei exatamente onde procurar nos balanços da PHOENIX. — Helena disse, o olhar de predadora voltando. — Eles tentaram encobrir os pagamentos como "consultoria externa". É uma trilha de migalhas. — Você consegue obter os registros da TecnoCore para as transações de dezoito anos atrás? — Daniel perguntou. — Eu tenho os nomes e as datas nos documentos da minha avó. Com a cooperação da PHOENIX, posso forçar uma auditoria que remonte à época da ameaça. A aliança estava formada. Eles passaram o resto da noite, não em carícias, mas em planos de vingança e justiça. O apartamento de Helena se transformou em uma sala de guerra legal. O amor deles renasceria através da luta pela verdade.
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