O Acidente e o Silêncio

1083 Words
Lucas (18) sentiu a bile subir à garganta. Ele viu o pânico nos olhos de sua mãe, a crueldade fria no Promotor Albuquerque, e a satisfação no sorriso de Viviane. A liminar forjada era a prova final de que Daniel não buscava justiça, mas vingança. Ele não podia permitir que Daniel humilhasse Helena baseando-se em uma mentira que ela criara por amor. Lucas se impulsionou para a frente, o diário na mão. — Promotor Albuquerque! Pare! — Sua voz, estridente, cortou o anúncio de Daniel. Daniel se virou, a testa franzida em fúria. Ele via Lucas como o cúmplice de Helena, o amante audacioso que agora ousava interferir em um mandado judicial. — Saia daqui, garoto! Esta é uma questão legal! — Daniel rosnou. Helena o viu. O desespero fez com que ela agisse de forma impulsiva. Ela correu em direção a Lucas, não para pegar o diário, mas para tirá-lo dali. Se ele falasse, a destruição seria total. — Lucas, vá embora agora! — Helena gritou, tentando protegê-lo com seu corpo. Viviane, percebendo que Lucas estava prestes a explodir a narrativa que ela havia meticulosamente construído (a narrativa do "amante espião"), agiu rápido. — Oficiais, impeçam a interferência! O jovem está tentando destruir evidências! — Ela apontou para o diário na mão de Lucas. No caos da sala, o CEO da PHOENIX tentou fugir, esbarrando na mesa de vidro que continha os documentos legais. O móvel tombou, e o barulho de cacos e papéis molhados espalhou-se pelo salão. Lucas, distraído pelo barulho e pela aproximação dos oficiais, tropeçou para trás. Ele estava a poucos passos da porta de vidro que dava para o pátio. No impulso, ele se chocou contra a porta. O vidro se estilhaçou com um som violento. Lucas caiu para fora, a pele e a roupa rasgadas pelos fragmentos. Um grito agudo de Helena preencheu o silêncio repentino. — Lucas! Daniel viu o sangue. Vermelho vivo, espalhando-se rapidamente sobre a pedra do pátio. O diário voou de suas mãos, caindo em uma poça d’água e lama. A fúria de Daniel se dissolveu em pânico. Ele correu em direção a Lucas, Viviane gritando ordens para os oficiais atrás dele. Helena chegou ao corpo do filho um segundo antes de Daniel, caindo de joelhos na lama e no vidro quebrado. — Meu Deus, meu Deus! — As mãos de Helena tremiam ao tocar o corpo inerte de Lucas. Daniel se agachou ao lado deles. A visão do jovem ferido, causada indiretamente pela sua vingança cega, atingiu-o com a força de um soco. — Chame uma ambulância, agora! — Daniel gritou para Viviane. Ele rasgou sua gravata e a pressionou contra o ferimento mais profundo no braço de Lucas, tentando estancar o sangue. Viviane, chocada, pegou o telefone, mas seus olhos estavam fixos em Daniel e Helena. Eles estavam agindo como um casal, como pais. A proximidade deles, a dor compartilhada, era mais íntima do que qualquer beijo. O acidente havia desmantelado sua armadura. — No hospital Santa Clara, Promotor! É o mais próximo! — Viviane m*l conseguiu dizer. Helena estava soluçando, o corpo de Lucas semi-apoiado em seu colo. — Vai ficar tudo bem, meu amor. A mamãe está aqui. A viagem de ambulância foi um borrão de sirenes e silêncio tenso. Daniel, no banco do motorista do seu próprio carro, dirigia como um maníaco, Helena no banco do passageiro. O Promotor Albuquerque, o homem da lei, estava quebrando todas as regras para chegar ao hospital. Ao chegarem na Emergência, Lucas foi levado imediatamente para a sala de trauma. Daniel e Helena ficaram na sala de espera. O sangue seco nas mãos de Daniel era uma mancha de culpa. — Eu sinto muito. — Daniel disse, a voz quebrada. — Eu não queria que isso acontecesse. Eu estava cego pela raiva, Helena. — Cego pelo ciúme. — Helena murmurou, sem olhá-lo. O médico, um homem exausto de jaleco azul, veio até eles. — Ele perdeu muito sangue. Precisamos estabilizar a pressão. Os ferimentos são profundos, mas o pior é a concussão. — E então? — Helena exigiu, levantando-se. — Precisamos de sangue. Tipo O negativo é o ideal, ele é um doador universal, mas o nosso estoque está baixo. Se a senhora ou o pai puderem doar, seria mais rápido e seguro. Helena ficou paralisada. Ela era O positivo. O médico se virou para Daniel. — O senhor é o pai, Promotor Albuquerque? O momento era de vida ou morte. Daniel olhou para o rosto pálido de Helena, a verdade pendurada no ar. Ele ainda acreditava que Lucas era o amante. Mas o sangue. O sangue do garoto estava nas suas mãos. Ele não hesitou. — Sou. — Daniel disse, a voz firme, fazendo a sua própria Minha Escolha. — Meu tipo é B positivo. Verifique a compatibilidade. O médico levou Daniel para a sala de triagem. Helena permaneceu sentada, o corpo tremendo. Ela havia mantido o segredo por dezoito anos, mas o destino, por meio de uma emergência médica, estava prestes a expor a verdade, não através de um diário, mas através de um teste de compatibilidade sanguínea. Minutos depois, o médico retornou, a testa franzida em confusão. — Promotor Albuquerque, o senhor está sendo preparado para a doação, mas há uma incompatibilidade, embora mínima... — Incompatibilidade? Eu sou o pai! — Daniel exclamou, voltando para a sala de espera, confuso. — Sim, o senhor disse isso. Mas o teste genético de emergência... — O médico fez uma pausa, olhando de Daniel para Helena. — O tipo sanguíneo do seu filho, Lucas, não é compatível com o seu, Doutor. E a chance de vocês serem pais biológicos é... baixa. Daniel cambaleou para trás, atingido por um novo tipo de dor: a certeza de que Helena havia mentido mais uma vez. Ele não era o pai. Ele ainda era apenas o homem abandonado. Helena, no entanto, finalmente quebrou. Ela olhou para Daniel, os olhos cheios de lágrimas, mas também de alívio desesperado. O tipo sanguíneo não havia revelado a verdade. Havia apenas jogado mais confusão. O médico continuou, alheio ao drama: — Precisamos de uma confirmação genética rápida e de mais doadores compatíveis, imediatamente. A voz de Daniel era um fio. — Quem é o pai, Helena? Me diga! Helena olhou para o Promotor, para o homem que ela amava e que agora a odiava. A verdade podia salvar Lucas, mas destruiria Daniel. Ela fez a Minha Escolha mais uma vez. — Eu não sei, Daniel. Eu juro que não sei.
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