Alexandra
Eu e as meninas estávamos reunidas vendo televisão. Eu já tinha tirado tudo o que eu queria do Jumbo que a dona Patrícia trouxe pra mim, e o restante eu dei pra elas dividirem. Porque aqui dentro tem isso: tudo que você ganha no dia da visita você tem que dividir. Se você não dividir, dá uma confusão danada. Ninguém aqui dentro é amiga de ninguém, todo mundo vive no interesse, mas graças a Deus as que dividem a cela comigo são tranquilas.
E se eu já não tinha muitas amigas lá fora, imagina aqui dentro. Eu sempre soube que muita mulher junta dava confusão, e por isso eu nunca gostei. Eu tenho uma única amiga na Vila Kennedy, ela se chama Thais, e ela sempre pulou no miolo por mim. Quando eu fui presa, ela não conseguiu autorização pra vir me visitar porque ela não era da família. Ela tentou manter contato comigo, mas aos poucos até isso o Panda tirou de mim.
Escutei o barulho de passos, então já comecei a esconder o telefone e as coisas que eles não podiam ver. Começaram a bater com os cacetetes na grade e eu me tremi toda. Me sentei na cama e passei a mão no rosto pensando que vinha confusão. As outras meninas levantaram e grudaram na grade, e o carcereiro entrou.
Carcereiro: Liberdade! — ele gritou.
A minha perna começou a tremer e eu me levantei pra olhar, mas tinham muitas mulheres na minha frente porque elas correram antes de mim. Como eu já estava sem esperança, eu me sentei de novo. Foi aí que ele gritou:
Carcereiro: Alexandra Figueiredo de Guimarães!
Eu dei um pulo da cama na hora, me levantei, empurrei quem estava na grade, encarei ele e falei:
Alexandra: isso é sério?
Carcereiro: tu tem 10 minutos pra arrumar tuas coisas. Tu tá saindo agora. Anda logo, garota, antes que o juiz mude de ideia e resolva te deixar aqui dentro mais um tempinho pra tu pensar na vida.
Eu corri e comecei a ajeitar as minhas coisas sorrindo. Eu não acreditava. As meninas começaram a sorrir também e a me abraçar. Todo mundo aqui fica feliz quando alguém vai sair, até porque a maioria é abandonada aqui dentro pelos companheiros.
Corri pro banheiro, tomei um banho rápido, lavei meu cabelo, coloquei a única roupa que eu tinha, uma calça jeans e uma blusa branca. Peguei todas as fotos do meu filho e coloquei dentro da sacola. Não peguei celular, não peguei roupa, não peguei mais nada. Elas vão precisar mais do que eu, até porque a minha liberdade cantou, mas elas vão continuar aqui.
Vim pro lado de fora da grade e fiquei esperando abrirem. Depois de alguns minutos, escutei o barulho das grades destrancando, e logo o portão abriu também. Eu finalmente vi a rua.
Confesso que meu estômago embrulhou. Senti uma vontade louca de chorar, mas o que eu queria mesmo era sair correndo. As lágrimas começaram a cair. Atravessei o último portão e, de longe, vi um carro parado. Quando eu me aproximei, eu vi a Patrícia. Ela veio correndo na minha direção e eu corri na direção dela pra abraçar também.
Alexandra: como?
Patrícia: o advogado ligou pro Panda e falou que o juiz estava aceitando R$ 100.000 pra poder te liberar. Eu fiz ele pagar.
Alexandra: obrigada, dona Patrícia. Muito obrigada mesmo.
Patrícia: não precisa me agradecer. É o mínimo que ele pode fazer depois de todo esse tempo. Vamos pra casa.
Alexandra: nem sei se eu tenho mais uma casa.
Patrícia: é claro que tem. E mesmo se não tiver, você pode ficar na minha por enquanto. Agora você tá livre, pode recomeçar do zero e pode recuperar seu filho.
Eu abracei ela mais uma vez, deixando as lágrimas caírem, e entrei no carro. Quanto mais perto da favela a gente ia chegando, mais eu tremia. Quando finalmente chegamos, meu corpo ficou todo arrepiado. Eu pensei que seria barrada, mas não fui. Chegamos na casa dela e ela tinha comprado algumas roupas pra mim. Tomei outro banho porque eu queria deixar o cheiro daquela cela pra trás.
Quando eu saí do banheiro, me olhei no espelho e eu não parecia a mesma mulher que saiu daqui. Eu parecia outra pessoa completamente diferente.
Patrícia: está tudo bem, minha filha? Eu tô te chamando pra lanchar e você não desceu.
Alexandra: eu nem escutei, dona Patrícia, me desculpa. É que eu tô tão diferente da menina que saiu daqui com os policiais… eu olho no espelho e nem me reconheço.
Patrícia: hoje é dia de baile aqui no morro. Você sabe, né?
Alexandra: sei.
Patrícia: eu já pedi pras meninas do salão virem aqui cuidar de você, pra você voltar pro seu cabelo vermelho, fazer a unha, sobrancelha e tudo que você tem direito. Também comprei uma roupa pra você ir no baile. O Panda ainda não sabe que você tá aqui no morro, porque ele foi pra uma reunião da facção. Ele vai voltar direto pro baile. Não vai dar tempo dos vapores avisarem.
Alexandra: eu não quero ir pra baile nenhum. Eu não quero olhar na cara do seu filho.
Patrícia: mas você vai se arrumar, vai ficar belíssima, vai subir a escada daquele camarote junto comigo, vai colocar o dedo na cara dele e vai falar que quer seu filho de volta. Tem coisas que não tem como a gente correr. Você tem que caçar antes de ser caçada. Tá na hora de você recuperar sua vida, mesmo que você não fique mais na vida do meu filho.
Travei durante alguns segundos com as palavras dela, porque eu não queria bater de frente com o Panda assim. Mas eu quero meu filho de volta. E se tiver que ser desse jeito, vai ser. Mesmo que eu tenha que fazer um escândalo naquele baile, ele vai devolver o meu bebê.