O final de semana chegou cheio de comemorações na ilha da família. O sol começava a se pôr sobre a ilha paradisíaca da família Blackwolf, transformando o céu em um espetáculo de tons de dourado e rosa que se refletiam nas águas cristalinas, como se o próprio oceano bebesse as cores do crepúsculo. A brisa do mar, agora mais fresca, carregava o perfume intoxicante das flores tropicais, um contraste suave com o aroma salgado da maresia. A arquitetura luxuosa da ilha, com suas cabanas elegantes e linhas clean que dialogavam com a natureza, criava um cenário que parecia saído de um sonho, um palício de privilégio onde até o ar parecia mais puro.
As crianças já estavam dormindo, seus sonhos infantis guardados pelos seguranças discretos. Chloe e Benjamin, celebrando mais um ano de casamento, estavam no centro da pequena festa reservada para os adultos. Eles dançavam lentamente sob a luz prateada da lua que começava a dominar o céu, abraçados e sorrindo, trocando declarações de amor sussurradas que eram roubadas pelo som suave do mar. Cada toque, cada olhar, era carregado de anos de afeto e uma cumplicidade que parecia esculpida no tempo.
– Eu ainda me lembro do dia em que nos dissemos eu te amo pela primeira vez... – Benjamin disse, sua voz um sopro quente próximo ao ouvido dela. – Foi sob uma lua como esta, e mesmo depois de tantas luas, de tantos anos, eu ainda me apaixono por você todos os dias. É como se meu coração reiniciasse a cada amanhecer ao seu lado.
– E eu por você, Ben – respondeu Chloe, acariciando suavemente seu rosto, seus dedos traçando a linha da mandíbula dele com uma familiaridade terna. – Cada dia, cada momento, é mais especial porque estamos juntos. Porque escolhemos isso, um ao outro, todos os dias.
O casal parecia flutuar em um universo próprio, uma bolha de afeto impenetrável. Mia observava em silêncio de sua sombra, sentindo ao mesmo tempo o calor daquela cena e uma pontada gelada de tristeza no peito. Era uma dor surda, o eco de uma música que ela conhecia a letra, mas nunca tinha cantado.
Ela olhou para Bryan, que estava próximo, segurando discretamente o copo de whisky, os dedos firmes ao redor do cristal, mas que não se aproximava dela. O contraste era impossível de ignorar, uma faca cega serrando suas entranhas: ali estava a demonstração de amor que ela conhecia apenas por relatos, por histórias de um tempo que não era o seu. E mesmo com Bryan ao seu lado, fisicamente presente, Mia sentia aquela distância silenciosa, o muro invisível e intransponível que os separava mesmo na multidão.
Mia permaneceu em seu canto, segurando a taça de vinho tinto como se fosse uma âncora, observando cada gesto de carinho de Chloe e Benjamin como um estudante observa um texto em uma língua estrangeira. Bryan estava ao seu lado, rígido como uma estátua, a expressão séria, um general avaliando seu campo de batalha. Ele cumpria seu papel, observando a festa com um olhar analítico, garantindo que tudo transcorresse com a perfeição Blackwolf, mas nunca se voltava para ela de forma verdadeira, nunca seus olhos buscavam os dela para compartilhar um segredo, um sorriso. Mia sentiu o vazio crescer, um buraco n***o se formando no lugar onde deveria estar o conforto do seu parceiro. Ela sabia que, apesar da dedicação inquestionável à família, havia uma parte dele que permanecia trancada a sete chaves, inacessível, um santuário onde ela não tinha permissão para entrar.
Por um instante, ela desejou com uma força que a assustou que ele a chamasse para dançar, que lhe oferecesse a mão com aquele olhar intenso que ele reservava para as reuniões de negócios. Mas Bryan permaneceu parado, imóvel, uma fortaleza de compostura, participando da festa apenas como espectador, nunca como protagonista ao seu lado. Ela respirou fundo, o ar parecendo espesso, tentando afastar a pontada de tristeza, mas era impossível ignorar: aquele era o homem que amava com uma fúria silenciosa, mas que não podia mais lhe oferecer a entrega emocional, a vulnerabilidade que alimenta a chama de um casamento.
O olhar de Mia se perdeu na dança dos casais ao redor, cada um um conto diferente. O amor de Chloe e Benjamin era livre, visceral, visível. O dela com Bryan, embora sólido como rocha, era contido, limitado por regras não ditas, quase protocolar. Um acordo tácito de dever cumprido. Ela sentiu uma mistura ácida de gratidão pelo que tinham e uma dor aguda pelo que haviam perdido, ou talvez pelo que nunca tiveram coragem de ter.
Mia observava a pista de dança com o coração apertado, uma mão invisível espremendo cada batida. Ele estava ali, a poucos passos dela, mas imóvel como os penhascos à beira-mar. Seus olhos, aqueles olhos que outrora a devoravam, seguiam a festa, analisavam, vigiavam, mas nunca se voltaram para ela com a atenção crua ou o desejo desarmado que ela tanto ansiaba. Cada segundo que passava, marcado pelo ritmo suave da música, sem que ele oferecesse a mão, parecia cravar um prego, confirmando a distância glacial que crescia entre eles como um oceano intransponível.
Ela baixou o olhar, os dedos brincando nervosamente com a haste da taça de vinho, sentindo um aperto no peito tão forte que quase a fez faltar o ar. Bryan estava ao lado dela, um farol de força e presença, mas distante como uma estrela no céu noturno, inalcançável como sempre.
Mia permanecia sentada, observando os casais, sua solidão amplificada pela felicidade alheia. Seu olhar acabou sendo capturado por outro casal que sempre chamava atenção pela química eletrizante e quase palpável: Babi Maya e Nathanael Blackwolf. Cada movimento deles era harmonioso, uma coreografia ensaiada pela paixão, cada gesto carregado de uma intensidade que fazia o ar around estremecer. A mão de Nathanael na cintura de Babi não era apenas um toque; era uma afirmação de posse e devoção.
Ao ver a dança deles, Mia não pôde evitar que a lembrança surgisse, nítida e dolorosa como uma faca. Alguém com quem ela havia compartilhado aquela mesma energia avassaladora, aquela mesma conexão perfeita e quase primitiva, veio à sua mente: Axel Blackwolf. Seu ex-namorado, irmão de seu marido, o homem com quem dividira risadas livres e toques que pareciam se encaixar de forma natural, como peças de um quebra-cabeça há muito perdido. A lembrança, proibida e doce, fez seu coração acelerar de forma perigosa, um tambor batendo um ritmo de rebelião.
Ela desviou o olhar para procurar Axel, como se um fio invisível puxasse seu queixo, e logo o encontrou. Ele estava de pé, distante, uma silhueta elegante contra a escuridão do oceano, perfeitamente vestido em um smoking preto que parecia fundir-se com a noite. Um copo de bebida âmbar repousava em sua mão, a outra enfiada no bolso da calça, em uma pose de descontração calculada. Ele parecia sereno, controlado, e, ao mesmo tempo, irradiava uma energia que o tornava impossível de ignorar, um ímã para seus sentidos mais aflorados.
Mia suspirou silenciosamente, o som se perdendo na música. Era difícil, quase um suplício, não se deixar levar pelos "e se?" que martelavam em sua mente, cada um mais tentador e perigoso que o outro. Ela sabia, com a clareza dolorosa e cortante de um diamante, que se Axel fosse seu companheiro, eles estariam agora na pista de dança, seus corpos se movendo em perfeita sincronia, seus olhos travados em um diálogo mudo que dispensava palavras.
Ela fechou os olhos por um instante, sentindo a mistura intoxicante de desejo e frustração, um coquetel amargo que lhe queimava as veias. Agora ela era Luna Blackwolf, casada, mãe de três filhos, e não podia, não devia, se permitir ser levada por esses pensamentos traiçoeiros. E, ainda assim, cada fibra de seu corpo, cada nervo exposto, parecia ansiar pelo que poderia ter sido, pela intensidade que havia trocado por segurança.
Quando abriu os olhos novamente, umedecidos por lágrimas que não ousavam cair, Axel continuava ali, elegantemente perigoso e distante, uma presença que consumia seu olhar e seu raciocínio, lembrando-a de tudo que a realidade, suas próprias escolhas e o peso do nome Blackwolf não permitiam.
Com o copo vazio e o coração pesado como chumbo, Mia se afastou, suas sandálias fazendo um ruído suave contra o piso de madeira. Aproximou-se do bar impulsionada por um impulso cego, buscando algo que pudesse preencher o vazio, mesmo que fosse um preenchimento falso e efêmero.
— Algo mais forte, por favor — disse Mia ao garçom, a voz firme, mas carregada de um cansaço emocional que vinha dos ossos.
O garçom, com a impassibilidade treinada de quem servia aos Blackwolf, serviu uma dose generosa de vodka cristalina. Mia pegou o copo, a frieza do cristal contrastando com o calor de sua pele, e, sem hesitar, virou-o de uma vez, deixando o líquido incolor queimar um caminho ardente por sua garganta abaixo, anestesiando temporariamente o gosto amargo da decepção.
Ela permaneceu ali, encostada no balcão de ébano, sentindo o peso opressivo do silêncio de Bryan, mais alto que qualquer música. A vodka não apagava a frustração, mas oferecia um alívio fugaz, um véu embaçado entre ela e a dor da sua realidade.
Depois de várias doses, o mundo ao seu redor havia adquirido uma suavidade nas bordas. Mia ergueu o copo vazio novamente e, com um gesto firme que não admitia questionamentos, pediu:
— A garrafa inteira, por favor.
O garçom hesitou por uma fração de segundo, mas um olhar de Mia, uma centelha de fúria e desespero sob a embriaguez, foi suficiente. Ele entregou a garrafa pesada de vodka, e Mia a segurou com determinação, seus dedos se fechando around o pescoço de vidro como se fosse uma arma ou um salva-vidas. Sem olhar para trás, sem procurar por Bryan, ela se afastou da festa, do barulho, da felicidade alheia, seguindo pela areia fofa e ainda quente da praia. O som distante da música romântica se misturava de forma dissonante com o som rítmico e ancestral das ondas.
Mia inclinou a garrafa e bebeu mais uma vez, um gole longo e impiedoso, sentindo o calor da bebida misturar-se à tontura que começava a dançar em sua cabeça. A frustração e a solidão acumuladas pesavam em cada respiração, cada gole era um grito abafado, uma tentativa desesperada de afogar a mulher que era e deixar flutuar a sombra da mulher que poderia ter sido.
Mia finalmente se sentou na areia, as pernas cedendo, a garrafa ainda firmemente em mãos, agora seu único companheiro. A areia era fria sob seu vestido de seda. Foi então que Bryan apareceu, seus passos firmes e pesados deixando marcas profundas na areia clara. Ele a encontrou sentada, um vulto elegante e triste contra o vasto oceano, o olhar fixo no horizonte infinito, os cabelos levemente bagunçados pela brisa e a expressão distante de quem havia viajado para muito longe dali.
— Mia, o que está fazendo? — perguntou ele, a voz firme, mas carregada de uma preocupação que lutava para não ser engolida pela irritação contida.
Ela nem se virou, sequer piscou. Embriagada demais, o orgulho ferido até o último fio de seu ser. A vodka lhe dera a coragem que o amor não lhe dava mais.
— Estou afogando minhas mágoas, não está vendo? — respondeu, a voz arrastada, espessa, carregando toda a dor e frustração que guardava a sete chaves no altar do seu casamento. Cada palavra era um sussurro áspero, um desafio lançado ao vento.
Bryan permaneceu alguns segundos observando-a, seu corpo imponente bloqueando a luz da lua, projetando uma sombra longa que engoliu Mia. Ele a viu, realmente a viu, naquele estado, e em seus olhos não havia compaixão, mas uma avaliação severa.
— Isso não é o comportamento adequado de uma Luna! — falou, finalmente, a voz fria como o aço, firme como a rocha da ilha, atingindo-a como um golpe físico.
Mia mordeu o lábio até sentir o gosto metálico do sangue, sentindo a raiva e a mágoa se misturarem em um turbilhão dentro de seu peito. Ali estava ele, tão próximo que ela podia sentir o cheiro de seu perfume, e ainda assim tão distante quanto as estrelas, cumprindo seu papel de Lobo Alfa, mantendo a autoridade, erguendo mais uma vez o estandarte Blackwolf, mas completamente incapaz, ou não disposto, a atravessar aquela barreira final que separava o líder do marido, o dever do amor.