JERICHO
Viro as costas para a garota e saio da capela. Eu deveria saber que não deveria vir aqui. Sabia que não encontraria consolo nem na capela. Não enquanto qualquer Bishop viver e respirar. Meio-Bishop, meu cérebro esclarece.
Bishop mesmo assim, digo.
Eu ajusto minha máscara quando entro no pátio. A garoa se transformou em chuva. Seu vestido de penas ridículo será arruinado. Carlton Bishop vai ficar chateado. Eu me viro na direção do prédio mais escuro. Separado da parte principal do complexo, está apagado, exceto por uma janela. Mas antes que eu dê meia dúzia de passos, o telefone no meu bolso vibra com uma mensagem.
Eu desenterro, olho para a tela. Abro a mensagem porque é minha mãe.
Venha para casa.
Algo se contorce dentro de mim com as palavras, eu paro. Ela sabe que não deve me enviar mensagens a menos que seja importante. E eu sei que é quando a próxima mensagem dela chega.
Ela precisa de você.
Eu não hesito. Mudo de direção, voltando para o pátio enquanto digito minha resposta.
No meu caminho.
Então, para o Conselheiro Hildebrand, o homem sentado dentro daquela sala iluminada no prédio do Tribunal, digito outra.
Mudança de planos. A reunião é na minha casa.
Clico em enviar e depois faço algo que não planejei. Digito uma segunda mensagem para Hildebrand.
Traga a menina. Vou tomar posse esta noite.
Desligo o telefone antes que Hildebrand possa responder, sem saber ao certo por que enviei a última parte. Isso vai derrubar os planos estabelecidos. Planos nos quais tenho trabalhado por muito tempo.
Vozes quietas enquanto eu passo pelo pátio, minha capa esvoaçando em meu rastro. Não me importo. Eu fico de pé, ando pelo centro, o mar de pessoas se separando quando me aproximo. Eles têm medo de mim. Curiosidade também, mas tem mais medo.
Eles deveriam ter. Porque os rumores são verdadeiros. Jericho St. James está de volta. Voltou para casa do exílio auto imposto.
Deixe-os saberem.
Deixe a notícia chegar a Carlton Bishop, se ainda não chegou. Eu o quero tremendo.
Por cinco anos ele viveu sua vida enquanto eu estive escondido. Não por mim. Não. Se fosse só eu, teria voltado. Tomei minha vingança. Matar ele. Mesmo que eu morra fazendo isso.
Não, meu desaparecimento da vida foi para manter “alguém” muito mais precioso em segurança. Minha filha.
Mas não é nela que estou pensando agora. É a mulher que deixei naquela capela. Sua pequena mão na minha. A sensação estranha disso.
O que ela teria feito se eu não estivesse lá? O que aqueles homens teriam feito?
Homens. Não, não homens. Rapazes. Idiotas intitulados. O futuro da Sociedade, pelo amor de Deus. Mas o que ela teria feito? Como ela teria se defendido? Ela é pequena. Metade do meu tamanho. Como ela vai se defender de mim?
Assim que ponho os pés fora dos portões do complexo, o manobrista vira a esquina com minha Lamborghini. Ele para a centímetros de mim. Eu arranco minha máscara e a jogo no chão enquanto o garoto sai do veículo parecendo estarrecido como se eu fosse algum deus. Embora seja amor pelo meu carro, não por mim.
— Você cuidou bem disso? — Eu pergunto quando enfio a mão no bolso para pegar minha carteira.
Ele acena com entusiasmo. — Não o deixei fora da minha vista, senhor.
Eu deslizo-lhe uma nota de cem dólares. — Bom trabalho. — eu digo, batendo em seu ombro antes de deslizar para o banco do motorista.
O garoto fecha a porta e eu dirijo pela rua chuvosa. Estou ziguezagueando pelo trânsito para voltar para casa, para o que deveria ser meu lar. O lugar que eu amo. O lugar que eu fiquei longe por muito tempo.
Tudo por causa deles.
Os olhos azuis elétricos de Isabelle Bishop dançam diante de mim. Eu me pergunto se foi o medo que os iluminou ou se essa é a cor deles. Como vidro quebrado. Fragmentos e estilhaços dele.
Meu p*u se contorce em antecipação daqueles olhos olhando para mim quando eu a empurro de joelhos. Quando eu a levar. Possuí-la. Eu sorrio para as imagens. Ansioso para elas. E eu tenho que me forçar a voltar ao porquê disso. Para o fato de que ela é um Bishop. Eu me lembro por que eu estava naquela capela em primeiro lugar. Lembrando. Para prestar minha homenagem. Para dizer aos mortos que eles não são esquecidos. Que chegou a hora da vingança. Finalmente.
Isso é o que eu preciso manter na vanguarda da minha mente. Não os lindos olhos da garota Bishop.
Eu viro para a entrada da casa e os portões se abrem. É a única casa em vários hectares de terra a poucos quilômetros da cidade. O único inconveniente é a propriedade em que se volta. Terra dos Bishop.
O carro geme quando eu desacelero. Ele é construído para velocidade. Eu dirijo pelo caminho circular onde a porta da frente se abre e Dex, meu braço direito, sai para me cumprimentar.
Eu saio do carro e jogo as chaves para ele. Ele está comigo há cinco anos. Ele está mais perto de mim do que meu irmão.
— Tudo certo? — ele pergunta.
Eu concordo. — O que aconteceu aqui?
— Ela quer você. Sua mãe está lá em cima com ela há um tempo, mas ela está lutando.
Eu aceno, vou para dentro. Embora tenhamos vivido bem nos últimos cinco anos, ela não está acostumada com essa escala de coisas. Ou a idade da antiga mansão. A propriedade de St. James tem vários séculos, embora modernizada, há muitos cantos escuros e fantasmas. Vou ensiná-la que eles não querem fazer m*l a ela. Mas cinco é uma idade tenra.
A casa está iluminada com uma suave luz dourada. Meus sapatos soam enquanto caminho pelo chão de mármore até a grande escadaria que é a peça central do saguão redondo. Corro para o quarto dela, lembrandome da sensação do corrimão sob minha mão, dos buracos no mármore onde foi usado ao longo dos séculos. O carpete suaviza meus passos enquanto desço o corredor curvo até o quarto de Angelique. Coloco a mão na maçaneta e respiro fundo, banindo os pensamentos da Sociedade, dos Bishops. Da menina com olhos de vidro azul. Abro um sorriso e abro a porta do quarto.
— Papai! — Angelique chama da cama.
Eu forço meu sorriso a se alargar mesmo quando vejo seu rosto pálido, as sombras em seus olhos. Eles não pertencem a uma criança da idade dela e eu pretendo bani-los. A única coisa que ela fez de errado foi nascer comigo como seu pai.
Meu coração se contrai enquanto atravesso o grande quarto, principalmente amarelo. Meu irmão se superou.
— O que você ainda está fazendo acordada, querida? — Eu pergunto tão suavemente quanto posso enquanto minha mãe silenciosamente se levanta da cama, confortando minha filha. — É muito tarde.
Angelique olha para a avó e depois para mim. Eu estudo seus olhos. Familiar. Uma cópia carbono de minha autoria. Mas isso é tudo que ela herdou de mim. Sua beleza vem de sua mãe. Assim como sua natureza gentil.
— Fiquei com medo. — confessa. — Está muito escuro aqui.
Eu esfrego seus cachos selvagens sobre seus ombros e a abraço. Eu a sinto tão pequena. Tão vulnerável. — Você está segura aqui, Angelique. Estou aqui. O tio Zeke está aqui. Sua avó está aqui.
Às vezes me pergunto se ela herdou seu medo instintivo no momento em que nasceu. O dia em que ela foi arrancada da segurança do ventre de sua mãe para um mundo violento e c***l.
Eu inspiro uma respiração profunda e apertada. Meus braços endurecem e é preciso tudo o que tenho para relaxar. Para esconder essa parte de mim dela. Porque eu não quero estar na lista de coisas que ela teme.
— Vou deixar esta luz acesa para você. — diz minha mãe, acendendo uma lâmpada do outro lado do quarto. — Isso vai fazer você se sentir melhor?
— E abrir a cortina? — Angelique pergunta.
— Sem lua ou estrelas esta noite. — digo a ela. — Só chuva.
Ela encolhe um ombro. — Eu gosto de chuva.
— Então vamos deixar as cortinas abertas.
Ela sorri e se deita. Eu me inclino para beijar sua testa e a aconchego.
— Quanto tempo vamos ficar desta vez? — ela pergunta. Ela se mudou de casa em casa, de hotel em hotel, por toda a vida. Uma garota escondida. Uma garota que não existia até poucos dias atrás.
— Este é o lar. — eu digo, de pé. É hora de ela sair do esconderijo. Tempo para ela viver. — Estamos aqui para ficar, Angelique.
— Você também?
Porra. Ela não esqueceu quantas vezes eu desaparecia. Deixando-a com sua avó e uma série de soldados para protegê-la enquanto eu rastreava os assassinos de sua mãe.
— Eu também. — digo a ela. E eu quero dizer isso. Estou em casa também. É hora de eu viver também.
Ela acena com a cabeça e eu vejo suas pálpebras se fecharem.
— Boa noite, doce menina. — diz a avó, depois de lhe dar um beijo na bochecha, saímos para o corredor e eu fecho a porta do quarto.
— Você está cansada. — digo para minha mãe. É obvio. — Você deveria estar na cama. — Seu cabelo está crescendo. Mechas brancas e macias dele. E ela tem alguma cor de volta desde que os tratamentos pararam. Finalmente.
Ela sorri. — Estou feliz por estar em casa e ficarei bem.
— Zeke? — Eu pergunto.
— Andar de baixo.
Eu concordo. — Boa noite. — digo a ela, a abraço. Ela ainda se sente frágil, mesmo pelo peso que ganhou.
— É bom que você a trouxe para casa. — Ela recua. — Espero que você queira dizer o que disse a ela.
— Eu fiz. Estamos aqui para sempre. — Minha voz sai dura e ela ouve. Eu vejo isso no vinco entre suas sobrancelhas.
— Passado é passado, Jericho.
— Os mortos serão vingados. — Eu me viro e caminho em direção às escadas. Esta não é a primeira vez que estamos tendo essa conversa e estou cansado disso.
— Ela não iria querer isso. — ela grita quando eu chego às escadas.
Eu paro, cerro os dentes, apertando a mandíbula. — Vá para a cama. — eu digo, embora eu queira dizer uma centena de outras coisas.
— Filho. — ela começa.
Eu mudo meu olhar para ela. — É a única maneira de mantê-la segura. — digo a ela, embora não seja minha única razão. Mas isso encerra a conversa.
Desço as escadas e vou em direção ao escritório do meu irmão para esperar pelo Conselheiro Hildebrand e o resto de nossos convidados.