ISABELLE
— Onde você esteve? — Carlton pergunta. Ele está parado do lado de fora da entrada do salão de baile. Ele é meu meio-irmão, na verdade. Foi daí que veio o meio comentário anterior. Sou apenas meio-Bishop. As pessoas parecem não deixar isso passar, mas pelas razões erradas, se você me perguntar. Não estou triste por não ser um Bishop de sangue puro. O oposto. Estou triste por ter qualquer sangue de Bishop em mim.
Ele força um sorriso para um transeunte, acena com a cabeça como se estivéssemos tendo uma conversa normal. Eu me pergunto se aquele sorriso o machuca. Mas as aparências importam para Carlton.
— Refrescando-se depois de toda a dança. — eu minto.
Ele me olha, assente. — Bom. Você parece um pouco murcha.
— Estou cansada. Podemos ir para casa?
Ele olha por cima do meu ombro, examina a multidão.
— Você vai para casa depois do jantar.
— Eu não posso dançar mais. Meus pés doem.
— É importante que encontremos um par adequado para você.
— Importa que eu não queira um par adequado? Ou qualquer partido?
— Você sabe que precisamos fazer isso. É para o bem de todos.
— Você quer dizer para seu benefício. Como isso vai me beneficiar?
Ele me puxa para longe de um casal que passa muito perto a caminho de seus assentos. — Você é uma Bishop, Isabelle.
— Metade.
— Isso não importa. Você tem um dever, assim como eu. Assim como todos os Bishops.
— Para enriquecer os cofres da família.
Seu olhar azul claro fica plano, olhos opacos. Ele não está mais usando sua máscara, então eu posso ver seu rosto completamente e ele não está satisfeito.
— Eu não ouvi você reclamar quando eu a levei e paguei suas taxas escolares, para não mencionar suas roupas, o carro que você dirige, seu lindo quarto, a comida que você come. Devo continuar?
— Não. — eu digo com firmeza. Eu nunca pedi essas coisas. Circunstâncias atenuantes nos colocaram em uma posição em que nenhum de nós queria estar. E agora é tarde demais para desistir. O dinheiro é gasto. E não tenho como pagar.
— Bom. — Seu telefone toca e ele enfia a mão no bolso. Eu posso ver o que ele lê o irrita, embora ele esteja no limite ultimamente. Mais do que o normal. — Fodido Hildebrand. — ele murmura, olhando por cima do meu ombro para a multidão. Sua postura fica tensa e eu observo o esforço que ele faz para sorrir.
Eu sigo seu olhar e me viro para encontrar um homem mais velho e de aparência desagradável vindo em nossa direção com dois guardas a reboque. Você sempre pode identificar os guardas da Sociedade pela maneira como eles se movem. E eu sei instantaneamente o que está vindo não é bom.
— Conselheiro Hildebrand. — diz Carlton, estendendo a mão.
Conselheiro? Como em O Tribunal?
Não perco o silêncio que cai sobre aqueles que estão ao alcance da voz e as pessoas que passam devagar e se esforçam para ouvir.
— Carlton. — diz o homem mais velho. Ele olha para mim, mas na verdade não me reconhece. — Houve uma mudança de local. Eu esperava que você estivesse pronto.
— Acabei de receber sua mensagem ou receberia.
— Bem, vamos então? — ele gesticula para a saída.
— Se você me deixar saber a localização, eu terei meu motorista...
— Tenho um carro para você. — diz Hildebrand, embora eu não o conheça, sei que sua palavra é definitiva.
O Tribunal é o braço judicial da Sociedade. IVI parece estar à parte da lei, tendo suas próprias regras, seus próprios tribunais. Seu próprio sistema de punições.
Eu tremo só de pensar. Pelas coisas que ouvi de minha prima, Julia, que estuda a história da Sociedade como se fosse sua bíblia.
Carlton observa o homem mais velho de perto e leva um momento para concordar. Ele não está acostumado a receber ordens. — É claro. Vou providenciar para que o motorista leve minha querida irmã para casa.
— Ela vai nos acompanhar.
Os olhos de Carlton se estreitam. — O que diabos é isso? Todo esse manto e adaga...
— Você vai fazer bem em tomar cuidado com a boca, Bishop. — diz Hildebrand e se vira para ir embora, gesticulando para os dois homens que eu sei que, sem dúvida, arrastariam meu irmão e eu se não nos mexermos.
Carlton dá um passo, mas eu agarro seu braço e puxo. Ele se vira para mim.
— O que está acontecendo?
— Venha. — Hildebrand chama por cima do ombro.
Meu irmão segue o homem mais velho sem uma palavra para mim e eu fico com os guardas, um dos quais pigarreia e gesticula para que eu ande na frente dele. Eu faço, tentando não olhar para os olhares curiosos, grata pela máscara que cobre meu rosto porque minhas bochechas estão queimando por baixo, meu coração martelando.
Mas eu sigo obedientemente porque é isso que eu faço. É o que a maioria das mulheres da Sociedade fazem. Não somos cidadãs de segunda classe, mas isso é um patriarcado. E eu não sou apenas uma mulher, mas eu pertenço apenas pela metade. O pai de Carlton teve um caso com sua empregada que por acaso era minha mãe. Pelo menos foi descrito como um caso. Não tenho tanta certeza quando me lembro do relacionamento deles nos anos em que eu tinha idade suficiente para prestar atenção.
De qualquer forma, ela engravidou. E nos primeiros dezesseis anos da minha vida, eu não sabia que era uma Bishop. Eu era simplesmente uma York. Mas então meus pais morreram, um ano depois de suas mortes, Christian, meu irmão que tinha a minha guarda, foi morto e Carlton me acolheu. Eu era órfã e depois não, tudo dentro de 48 horas após a morte do meu irmão.
Quando chegamos aos portões do pátio, algo me distrai dos meus pensamentos. Sou grata por isso porque esses pensamentos nunca levam a um bom lugar. E enquanto o Conselheiro Hildebrand sobe no primeiro dos dois Rolls Royces que nos esperam, vejo a máscara com seus chifres de d***o no chão. Dou um passo em direção a ela e suspiro. Porque é a máscara. O d***o com chifres da capela. Ele deve ter deixado o complexo. Tirou aqui. Eu o reconheceria se o visse novamente? Ouvisse a voz dele? Tenho certeza que sim. Inferno, eu vou saber se eu estiver na mesma sala que ele, porque mesmo olhando para a máscara descartada eu sinto isso, aquela sensação de calafrios ao longo da minha espinha levantando os cabelos da minha nuca.
— Irmã. — Carlton estala, me assustando.
Ele está esperando na porta aberta do segundo Rolls Royce, os dois guardas atrás de mim.
Olhando mais uma vez para a máscara, eu me viro e entro no veículo esperando de alguma forma sabendo para onde estamos indo, seja lá o que for, esta noite, tudo vai mudar para mim.