Capítulo 5
BIANCA NARRANDO
O tempo passou rápido demais. Entre conversas, risadas e um açaí bem melhor do que eu lembrava, nem percebi que a noite já tinha caído. A quadra agora tava mais cheia, com o som da música misturado à animação de quem parecia não querer que aquele momento acabasse. Mas eu sabia que não podia ficar mais.
Bianca — Tá tarde. Preciso ir — falei, me levantando da mesa.
Rafael, que até então tava tendo um ótimo papo, se prontificou na mesma hora.
Rafael — Eu te levo em casa. Não é seguro descer sozinha.
Bianca — Não precisa, sério. Eu conheço o caminho, tô tranquila.
Camila — Tranquila coisa nenhuma, Bianca — Camila se intrometeu, levantando uma sobrancelha pra mim. — Ele tá certo, deixa ele te levar.
Bianca — Já disse que não precisa — insisti, colocando meu copo vazio na mesa e tentando soar mais firme do que eu me sentia. — Eu vou com você, Mila.
Ela deu de ombros, mas eu percebi que ainda queria argumentar. Rafael só sorriu, meio sem graça, e me deu um breve aceno.
Rafael — Se precisar de qualquer coisa, é só avisar.
Assenti e comecei a andar ao lado da Camila, que, como sempre, não perdeu tempo em me zoar.
Camila — Tu viu, né? Ele tá na tua, Bianca.
Bianca — Nada a ver, Camila. Ele só tava sendo educado.
Camila — Educado, nada! — Ela riu. — Rafael é um gostoso, amiga. E olha que ele é filho da madrinha do Piloto. Tá quase predestinado a ser "alguém" nesse morro.
Revirei os olhos, soltando um suspiro.
Bianca — Você tá viajando demais. Ele foi gentil, só isso.
Camila — Sei… — Ela continuou, um sorriso de lado que eu já conhecia muito bem.
O caminho pela escadaria era iluminado por algumas lâmpadas amareladas, mas a sensação de estar descendo o morro àquela hora me deixou em alerta. Não era como antes, quando eu era criança e corria por aqui sem medo. Agora eu sabia que o perigo podia estar em qualquer esquina por eu não ser mais conhecida aqui.
Bianca — Vou andar rápido. Meu pai deve estar preocupado. E parece que o celular dele está descarregado ou algo do tipo.
Camila — Também acho melhor. Minha mãe vai me matar se eu não voltar logo. E também por não ter te levado lá em casa.
A gente já tava quase na metade do caminho quando o telefone da Camila tocou. Ela atendeu, e eu pude ouvir a voz aflita da mãe dela do outro lado.
Camila — Mãe, calma. Tô indo agora. Tá tudo bem? — Ela parou no meio da escada, franzindo a testa.
Fiquei olhando enquanto ela ouvia a mãe falar, tentando não parecer preocupada. Quando ela desligou, o olhar dela era de desculpa.
Camila — Minha mãe tá passando mäl. Vou ter que voltar. A pressão dela ultimamente não está legal. Não vou conseguir te levar até a barreira. Você quer ficar lá em casa?
Bianca — Amiga, vai lá, não se preocupa, eu realmente não posso ficar, mas fiquei preocupada com a tia.
Camila — Desculpa te deixar descer sozinha.
Bianca — Para com isso, Mila. Vai lá cuidar da tia e me avisa depois como ela tá.
Camila — Aviso sim. Mas, sério, me manda mensagem quando chegar em casa, tá?
Bianca — Tá bom, pode deixar.
A gente se despediu, e eu continuei descendo, agora sozinha. O silêncio ao meu redor parecia maior do que antes, apesar de ainda ouvir ao longe o som do baile começando na quadra.
A verdade era que eu não gostava da ideia de andar sozinha por aqui, mas não tinha outra opção. Apertei o passo, mantendo os olhos atentos a cada canto.
Já tava quase na barreira, onde eu sabia que haveria mais movimento, quando o som de um motor ecoou na rua estreita atrás de mim. Olhei por cima do ombro, tentando não demonstrar preocupação, mas meu coração acelerou quando um carro preto freou bruscamente na minha frente, bloqueando meu caminho.
A janela do motorista se abriu, e meu estômago afundou.
Piloto — ENTRA NESSE CARRO, PORRÄ! — A voz do Piloto era seca, carregada de raiva e impaciência.
Minha mente congelou por um segundo, e tudo o que consegui fazer foi encará-lo. Ele tava sério, o olhar dele me perfurando como se ele pudesse enxergar cada pensamento que passava pela minha cabeça.
Piloto — EU NÃO VOU FALAR DE NOVO. ENTRA NO CARRO AGORA.
Minha respiração tava pesada, mas eu me forcei a parecer tranquila.
Bianca — Por quê? O que você quer?
Ele inclinou a cabeça ligeiramente, mas os olhos dele tavam fervendo de irritação.
Piloto — Eu não tô pedindo. Vai caralhö, entra nessa porrä de carro ou eu saio e te enfio aqui dentro.
O jeito que ele falou me deu um misto de raiva e medo. Quem ele pensa que é pra mandar assim?
Bianca — Eu não vou entrar.
Piloto — Tá brincando com a porrä da minha paciência? — Ele bateu com força no volante, o barulho ecoando na rua vazia. — Se eu descer daqui, você vai se arrepender.
As palavras dele foram como uma corrente elétrica passando pelo meu corpo. Parte de mim queria correr, mas a outra sabia que isso seria inútil. Ele tava no controle, e fugir só ia piorar a situação.
Sem dizer mais nada, abri a porta do carro e entrei, mantendo a postura mais firme que consegui.
O silêncio dentro do veículo era sufocante. Piloto não disse uma palavra enquanto começava a dirigir, os olhos fixos na estrada. Mas eu podia sentir a tensão no ar, como se cada segundo que passava estivesse carregado de perguntas sem resposta.
Finalmente, não consegui mais segurar.
Bianca — O que você quer comigo?
Ele não respondeu imediatamente, mas quando falou, a voz dele era mais fria do que antes.
Piloto — Você acha que pode descer e subir esse morro como bem entender, e dar risadinhas pra qualquer um?
Bianca — O quê? — Minha confusão foi genuína, mas o tom dele só me deixou mais nervosa.
Piloto — Não me testa, CARALHÖ. Essa porrä aqui tem dono.
Eu engoli em seco, mas mantive o olhar fixo nele. Não ia deixar ele ver que eu tava assustada, mesmo que cada parte de mim estivesse gritando de medo.
Bianca — Não sei do que você tá falando.
Piloto riu, mas não era uma risada de diversão. Era algo mais sombrio, mais perigoso.
Piloto — Haaa não? Veremos!
E com essas palavras, o carro virou uma esquina, e eu percebi que ele tava me levando para a parte alta do morro de novo.