A caminhada com a Morte

1681 Words
Hela foi em frente, destemida. Quando encontrava um demônio não o dava tempo de mostrar sua cólera contra mim e ela. Eu apenas a segui pelas diversas pontes que atravessavam o mesmo rio de larva, apesar de serem variáveis: Cócito, Letes, Flegetonte, Estige e Aqueronte. Eu a seguia como se eu fosse um cão e ela minha dona, eu estava tremendo, com medo de algo e apenas obedecendo aquela linda entidade que me conduzia por caminhos que eu desconhecia. As bestas que surgiam a nossa frente eram um mistura horrenda de touro e homens como imagino a lenda do minotauro, berravam ofensas para ela e para mim. Ela fez um movimento segurando a foice com as duas mãos e girando-a partiu os emissários infernais com uma luz azul e, sua foice, quando não usava os poderes, e eram só os golpes rápidos de cortes, se sujava de mais e mais sangue preto. Nenhum demônio bonito como Serper. Será que só ele conseguia manter a aparência majestosa de antes da queda? Hela para e me observa e, sua expressão de olhos arregalados me surpreende. — Achava Serper bonito, Demetria? — Me questiona acusatória. Quase como se dissesse camufladamente: " qual o seu maldito problema?" Eita! Mas que liberdade é essa! Ela lê pensamentos? Claro, não é? Óbvio! Ela é a maldita Morte! Contudo, devo dizer, que pergunta mais invasiva essa! Eu apenas a confronto sentindo meus lábios se crisparem. Morte continua me analisando severa. Eu tenho o direito de não responder. Se é para ter alguém invadindo minha mente, eu preferiria que fosse Kai a penetrar as fronteiras dos meus pensamentos, definitivamente, eu preferiria sua invasão que era educada, era quase permissiva e eu sabia que ele não podia controlar seus poderes, mas nunca me forçava ou dizia algo para me envergonhar, ele só me dizia o que eu precisava ouvir para ser alguém melhor. Ele sabia tudo o que eu pensava, mas mantinha certa discrição e isso era o gesto de um cavalheiro. Se eu achava Serper bonito? O que? É tão errado assim? Tudo bem que ele é um espelho de Lúcifer, mas não tenho culpa. Ela acha que eu sou cega? Ele parecia realmente magnífico quando eu era só uma criança. Sua pele era branca como leite, seus olhos rubros como o céu ao alvorecer, seu cabelo como se feito de uma nuvem branca, e eu me lembro dele me erguendo e me deixando alta o suficiente para tocar os seus fios magníficos e dele me ninando enquanto as freiras diziam que eu era a semente do m*l, lembro-me de que eu ansiava dormir para sonhar com ele e ser consolada por ele. E ele sempre tocava sua flauta para mim no meu aniversário na Terra, sempre, não tinha uma vez que se esquecia. Sempre me pegava em seus braços, beijava meu rosto e dizia que eu era sua amada e me faria sua rainha. Eu era só uma criança órfã naquela época e isso marca. Ele sempre pareceu meu príncipe encantado. Eu só não tinha culpa. E quando cresci, quando comecei a conhecer pelos livros que lia os prazeres da carne, ele me correspondeu quando o beijei, quando pedi que me tocasse, era realmente uma visão com o peito desnudo quando me possuía nos meus sonhos quando eu era Sarah e me fazia acordar com sentimentos estranhos no meu corpo e febril ansiando por ele. Ansiando que os sonhos fossem reais. Contudo, eu sabia do demônio que ele tinha em si pela queda e da feiura de sua alma, como Sarah eu ignorei, porque sua beleza e inteligência me conquistaram . Mas como Demetria e a Escolhida da Fênix, a corrupção dele era algo intolerável de mais para mim e quando eu conheci Deus em Tretagon eu quis serví-lo. Mas a estética física de Serper era realmente impecável, de tirar o fôlego, tanto que ele me seduziu sem problemas, contudo a alma era corrompida e mesmo que isso não se apresentasse como uma podridão em sua estética, eu podia sentir a “feiura” espiritual. Acho que ouvi minha própria voz em um tom gaguejante e defensivo: — Fará diferença dizer isso em voz alta ou não se já sabe qual será minha maldita resposta? Hela riu, ela gargalhou como se fosse a piada do século. Já eu me senti tão envergonhada, acho que senti minhas bochechas abrasarem e não foi pelo calor. Kai sabia sobre mim e Serper, assim como eu sabia dele e Serper, por isso nunca condenamos um ao outro por nossas escolhas passadas. Que saudade de Kai agora, nesse momento onde me sinto incompreendida. Hela apontou sua foice para mim e estreitou os seus lindos olhos noturnos como os meus para mim com certo cinismo e um curvar de lábios charmoso e cínico. — Foi só uma pergunta. Não precisa ficar tão defensiva. — Ela me analisou com um resquício de humor. Tocou meu rosto com a mão esquerda, ainda pensativa. Sua mão gelada aplacando um pouco a quentura do Inferno em minha bochecha. A sensação foi deliciosa, é quando como você está com muita febre e um pano bem deliciosamente frio aplaca um pouco o cozimento do seu cérebro. E eu engoli em seco a mirando. — O que? — Questionou no meu ouvido e os lábios próximos dos meus. — Também acha a Morte bonita, garotinha? Eu sou fria. — Eu gosto do frio. — Comecei a dizer, atordoada, surpresa com minhas próprias palavras e como fluíam. — Sempre gostei mais da neve do que do sol. Toquei o cabelo escuro dela, fascinada, era como se a noite fosse moldada em fios. — Você é estranha. — Ela sussurrou e a senti perto. E ela me envolveu com um braço e parte do seu manto. Eu acho que gemi quando senti seu colo contra o meu, a pele de seu pescoço pálido contra a minha pele, seu nariz em meu pescoço arrepiou todos os pelos do meu corpo. Senti seu corpo colado ao meu e seu abraço gélido que aplacava o calor literalmente infernal. Então seus lábios frios tocaram os meus. Ah, foi como se eu bebesse água. Chupei sua boca e ela sorriu. — Eu posso tomar uma forma masculina se te fizer ser minha no fim dessa jornada até o maldito espelho. Eu posso virar Hel, Demetria. — Não, gosto de Hela. — Eu garanti convicta. Alcancei sua mão gelada em meu rosto e a peguei. Beijei a palma com o respeito que ela merecia sentindo o gosto frio de sua pele contra meus lábios. Neve, era como comer neve. Continuei falando hipnotizada por sua beleza frágil: — Eu gosto dessa forma e me entregarei a ela sem medo. Prefiro sua energia feminina. Me acalenta mais do que uma masculina acalentaria no meu fim. Tive vários aliados ao meu lado em vida, mas gostaria de uma aliada na morte. Hela sorriu, se afastou como se de repente eu a queimasse. Ela me cedeu um sorriso misterioso e desviou os olhos dos meus rápido apontando para um lugar onde havia um gigantesco monstro pegando fogo guardando uma porta de ferro. — Está flertando com a Morte, garotinha. Não tem noção do perigo? — Ela limpou a garganta. — Ali, Demetria. Ali é o labirinto do sofrimento, é lá que terá que atrevessar para encontrar O Espelho das Memórias. E eu não posso ir até lá com você. O meu domínio acaba aqui no Inferno. — Obrigada, Hela. — Vá, os veja. E volte para mim. Estarei te esperando para te dar a paz que tanto anseia. Eu a beijei nos lábios sem resistir a meu desejo por ela. Ela sorriu assentindo com a cabeça e beijando minha testa. — Sei que me deseja, querida. Posso sentir. — Ela sussurrou. — É em momentos que vejo alguém como você, que o encargo de Morte não me agrada nem um pouco. Vá. Vá antes que eu me arrependa de deixar você escapar das minhas mãos. Eu segui sob a tutela de Hela, até a gigantesca serpente de fogo que guardava a porta do labirinto. Lancei um olhar a Hela cujas correntes em seus pés a impediam de se aproximar e tomei um profundo suspiro tomando coragem. O ser bestial tinha couraça vermelha e metade do corpo elevada. Gigantesco. Se assemelhava a um dragão oriental. Eu engoli em seco com os olhos de fogo voltados para mim. E então a voz gutural ecoou com um enigma mortal: — Tenho várias formas e em todas eu posso machucar, mesmo assim os humanos alegam me possuir dentro de si, quando tudo que fazem é matar. Para atos horrendos dão desculpas em meu nome, para atos nobres também. Tenho várias faces e formas de me apresentar. Quem sou eu? Tomei um longo suspiro perdendo-me em pensamentos angustiados enquanto o ser me analisava sombriamente e sibilava como uma cobra. “Várias formas? O que machuca em suas várias formas? O que já me machucou assim? Os humanos alegam me possuir dentro de si quando tudo o que fazem é matar? Qual é o oposto de matar? Para atos horrendos dão desculpas em meu nome e para atos nobres também? O que será isso que pode justificar todos os atos? Tenho várias faces e formas de me apresentar?” — Amar. — Eu gritei quase que por impulso. O dragão que era diferente dos de Tretagon que possuíam quatro patas, apenas me analisou sombriamente. Seu corpo se arrastava pelo chão. — Quer dizer, o amor. — Me corrigi confusa. Amar é o ato. Amor é sentimento. — Amar também seria uma resposta aceitável. — O dragão disse desdenhoso e com a língua de fora como uma cobra, saindo da frente da porta do labirinto. — Se você sabe a resposta quer dizer que o conhece para sua total alegria ou desespero, Demetria Dragomir Alexandra Fenit, seja bem-vinda ao verdadeiro Inferno! Adentre ao Labirinto do Sofrimento e conheça então a dor que só o amor pode trazer. Que sua jornada te traga esclarecimento ou se não for merecedora te enlouqueça.
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