capítulo 08

1015 Words
Erika narrando capítulos 08 continuação.... - Tô… tô tentando. Tô aprendendo bastante com a Iara.Ela soltou um “hmpf”, mas não desmentiu. -E aí, Iara? Vai prestar ou vai dar problema? A resposta dela veio seca, como tudo que ela dizia. -Se continuar do jeito que tá, vai prestar. Tem mais vontade do que muita gente que nasceu aqui. D olhou pra mim, sério. - Lembra do que eu te falei. Aqui ninguém vive de favor. Cada passo conta. E cada escorregada também. -Eu lembro. respondi, com firmeza. - E tô aqui pra aprender . Ele assentiu com a cabeça e virou pra ir embora, mas antes de sair, deixou no ar. - A tia deixou uma quentinha pra você lá em casa. Não esquece de comer. Era um detalhe. Simples. Mas me pegou de surpresa. Um gesto de cuidado discreto. Quase imperceptível. Mas que aqueceu meu peito de um jeito estranho. Diferente. Quase… bonito. Iara me olhou de lado, com uma sobrancelha arqueada. - Vai se acostumando, boneca. Ele é assim mesmo. Fala pouco, manda muito, protege quem ele escolhe. Só não confunde proteção com carinho. Nem poder com afeto. Aqui tudo tem peso. E consequência. - Eu sei. respondi, voltando pra máquina. - E eu não quero confundir nada. Só quero fazer minha parte. Ela me observou por um tempo, depois voltou ao trabalho. E pela primeira vez desde que entrei ali, deixou escapar: - Então vamo trabalhar. Que tu tem jeito, menina. Só precisa parar de duvidar de tu mesma. Sorri sem olhar diretamente pra ela. E costurei mais firme. Mais rápido. Não era só pano. Era minha nova história sendo trançada ali. E dessa vez… eu não ia deixar ninguém costurar no meu lugar. O som da máquina já fazia parte de mim. A cada ponto que eu dava, parecia que algo dentro de mim também se alinhava. Era como se, aos poucos, eu estivesse costurando não só os tecidos, mas os pedaços da minha própria história. Iara não dizia muito, mas a presença dela era firme, constante. E aquele espaço, que no começo parecia apertado e hostil, começava a ter um contorno mais familiar. O relógio marcava quase meio-dia quando a porta abriu de novo, dessa vez com mais leveza. Um perfume doce invadiu a sala junto com uma risada clara. - Mãe, trouxe as marmitas! E uma Coca gelada que eu sei que tu gosta. Iara nem se virou. Só respondeu do mesmo jeito seco. - Deixa na pia e vê se não esquece o troco, Soraia . Olhei vendo uma garota , Morena clara, cabelo cacheado preso no alto da cabeça , labios carnudos , com um shortinho curto e blusinha que mostrava perfeitamente a barriga dela com um piercing brilhante .Linda. Mas não só isso ela tem uma luz. Um jeito leve de existir.Quando me viu, sorriu largo. - Eita! Você deve ser a garota do D né? A nova aprendiz da minha mãe? Assenti, meio sem saber como reagir àquele calor todo. Ela veio até mim como se já me conhecesse, estendeu a mão e me cumprimentou com firmeza. -Prazer! Sou a Soraia , filha da rabugenta ali disse com um olhar divertido pra Iara, que fingiu não ouvir. - O prazer é meu . respondi, já com um sorriso no rosto. Era impossível não sorrir de volta. - Tá aprendendo na marra, né? Ela é brava, mas ensina direitinho. Eu mesma aprendi a costurar com ela quando era pequena, só que não tive a paciência que você tá tendo comentou, sentando num banquinho perto da janela, sem parar de falar. -Tô tentando . admiti. - É difícil, mas… tem sido bom. Diferente. Intenso. - Diferente é pouco . ela riu. - Crescer com essa mulher como mãe é tipo fazer serviço militar em casa. Mas olha… aprendi a ser forte. E você parece forte também. Aquela frase me pegou de jeito. Forte? Eu nunca tinha me visto assim. Sempre disseram que eu era frágil demais, sensível demais, boazinha demais. Mas eu … estava descobrindo outra parte de mim. E Soraia com aquele jeito doce e direto, parecia enxergar isso também. - Você vai almoçar aqui? perguntou, pegando um dos pacotes de comida. - Tem uma quentinha pra mim lá na casa do D… - Ahhh, então você já ganhou o passe VIP do D. Que moral, hein? Ela piscou. - Mas se quiser comer aqui com agente , tem comida de sobra. Eu trouxe farofa da boa .Eu hesitei por um segundo, mas a verdade é que aquela companhia leve fazia bem. - Eu adoraria . respondi, e ela abriu um sorriso ainda maior. - Pronto. Já somos amigas. Vai por mim, aqui nesse lugar, a gente tem que ter aliadas. Soraia falava fácil, ria fácil, mas dava pra perceber nos olhos que ela também carregava suas dores. Talvez por isso, a gente se entendeu tão rápido. Era como se nossas cicatrizes conversassem baixinho enquanto a gente dividia o arroz e a farofa. Iara observava de longe, mas não interrompeu . Pela primeira vez, parecia permitir aquela pausa. Aquela amizade nascendo ali, entre tecidos, máquinas e garfadas. - E aí, Erika, qual seu plano ? Soraia perguntou com a boca cheia. - Quer seguir com costura mesmo? Ou tá só esperando alguma outra porta se abrir? - No momento… quero me manter em pé. Aprender, crescer. Ter um canto pra chamar de meu. Ela assentiu, agora mais séria. - Entendo bem. Eu também já quis fugir daqui. Mas agora… tô voltando. Quem sabe a gente se ajuda? Sorri com sinceridade. Aquele primeiro dia parecia mais leve agora. Não por ter sido fácil, mas porque eu não tava mais sozinha. E no fim do almoço, quando voltei pra máquina, me dei conta eu não tava só reconstruindo minha vida. Eu tava, pouco a pouco, criando raízes. Entre linhas e laços, amizades e silêncio. E com Soraia por perto parecia menos pesado.A sintonia foi boa, a impressão que já conhecia ela de tanto tempo . 150 comentários.... não esqueçam de adicionar na biblioteca meninas .
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