Narrado por Catarina
Eu estava muito nervosa! Seria minha estréia na saúde, e seria em grande estilo! Eu já tinha passado em todo o processo seletivo, só faltava aquela entrevista com o chefão, e eu nem sabia pra que aquele homem queria entrevistar um por um. Ele nem era da saúde! Era só um riquinho metido que chegou cheio de idéias para a empresa da família. O que ele entendia de exames e consultas pra querer checar o pessoal que atenderia na clínica?
Eu sempre fui assim: desacreditava de riquinhos! Minha família sempre foi pobre e a gente se virava! Minha mãe era faxineira terceirizada em hospitais. Meu pai, motorista de uma grande transportadora. Eu sou a segunda de oito irmãos. Meu irmão mais velho serviu o exército, depois resolveu seguir carreira militar. É o orgulho dos meus pais. Eu acabei de terminar o ensino médio e me meti no auxiliar de enfermagem. Desde pequena vendo a rotina dos hospitais, sempre me encantei. Queria ser médica, mas claro que jamais conseguiria fazer a faculdade enquanto morasse com meus pais. Fiz jovem aprendiz no Mac Donald pra pagar meu curso. Experiência que eu não recomendo pra ninguém, meu Deus! Muito trabalho, muita humilhação e ganhava 80 por cento do salário mínimo. E metade do meu salário, ajudava meus pais com as despesas. Meu irmão Aiden que tinha 18 anos, e a Lorena de 17 também já trabalhavam e ajudavam. Os outros quatro faziam as tarefas de casa pra manter todo o funcionamento. Apesar de uma família numerosa, a gente tinha muito amor em casa. As brigas entre irmãos eram inevitáveis: 5 filhas dividindo o mesmo quarto, três de idades muito próximas, era um tal de fulana pegou minha blusa, ciclana usou meu creme de cabelo e por aí vai. Mas a gente sempre se entendia e se ajudava!
Quando surgiu a possibilidade de entrar na Mamioto Inc, até minha professora falou:
— Nem tente! O processo seletivo deles é puxado. O senhor Mamioto acabou de montar a clínica, todo equipamento novinho, zeradinho. Eles não vão querer uma auxiliar recém formada, sem experiência nenhuma, mexendo nas coisas deles!
Minha mãe era minha melhor amiga, sempre foi. Ela dizia que eu era uma bobona, apaixonada, que via a vida cor de rosa. Sempre dizia pra eu não perder essa graça da vida. Eu não sei se ela tinha razão. Eu sempre achava que tudo podia melhorar! Eu amava todos os meus irmãos, igualmente. Aiden talvez fosse meu preferido. Eu achava que mamãe deveria ter parado nele. Cinco a mais depois foi exagero, e tornou nossas vidas difíceis, para os dez. Mas ela tinha uma sabedoria que me agradava, então esperei ela chegar de um plantão puxado em um domingo e fui conversar com ela sobre o processo seletivo:
— Você também acha que eu não deveria nem tentar, mamãe?
— Desde quando a palavra "desisto" existe em nosso vocabulário, Catarina? Você sempre diz que eu deveria ter parado no Aiden, mas seu pai queria mais um menino. Veio uma menina atrás da outra e eu não desisti até vir o Miguel. Eu não desisto, seu pai não desiste, seu irmão Paulo nunca desistiu de nada, porque você quer desistir de algo que você deseja muito sem nem tentar?
— Não sei, mamãe. Dizem que eles não vão aceitar pessoas sem experiência para nenhum cargo.
— Isso é bobagem. Empresários internacionais tem uma visão de gerir seus negócio diferente dos brasileiros, filha. Eles entendem que esse negócio de "sem experiência" é uma tremenda furada! Como a pessoa vai ganhar experiência se ninguém der oportunidade? Um CEO capacitado prefere pegar alguém sem vícios de profissão, para ser moldado a seu jeito.
— Mas eu sou da área da saúde, mamãe. O que aquele engomadinho dos computadores pode moldar na minha profissão?
— Catarina, você tem que parar de falar desse jeito dos administradores. Sempre vai haver um grande CEO que paga seu salário, em qualquer profissão.
— Eu não gosto de filhinho de papai, mamãe! Você sabe disso. Esses boyzinhos afeminados que estão acostumados a ter tudo na mão, me irritam. E me irrita também saber que um playboy ganhou uma grande empresa do papai pra brincar de CEO, e pode decidir meu futuro!
— Olha o preconceito, Catarina! Isso não é bonito pra ninguém. Preconceito é r**m pra qualquer coisa, seja de raça, cor, etnia ou classe social. Sempre te ensinei que existem pessoas boas e ruins de tudo quanto é cor! Os amarelos são mais fechados e sisudos, mas não quer dizer que sejam ruins. Faça o seguinte, se inscreva e faça o que tiver que fazer, dê o seu melhor! E se você chegar até a tal entrevista, pense que você só vai ter que ver o senhor Mamioto essa única vez. Ou você acha que um empresário desse gabarito vai ficar checando seu serviço periodicamente?
Aceitei os argumentos da minha mãe. Mesmo porque ela estava certa. Que idiotice desistir de uma das melhores vagas apresentadas na minha era sem tentar!
Eu estava no final do segundo semestre do curso quando a comunidade na área da saúde começou a comentar sobre a realidade da Mamioto começar a implantar o sistema que até então, só as grandes empresas governamentais tinham: clínicas próprias pra atendimento dos funcionários!
Terminei o semestre pensando nisso, achando que era um sonho, e meus colegas dizendo que era um pesadelo:
— Parece louca! Eu que nem quero me inscrever. Deixar a rotina de um hospital, feridos, baleados, tamponamentos, para atender um monte de vômito e dor de barriga de operários!
No meio do último semestre, que começaram as inscrições para o processo seletivo, eu comecei a me agradar cada vez mais da idéia e acreditar: se todo auxiliar pensasse assim, que não trocariam a rotina de uma emergência para atender operários de fábrica e transportadora da Mamioto, então as vagas seriam mais difíceis de preencher e eu estaria no páreo!
Ou era isso, ou as clínicas de repouso para adquirir experiência. Carregar idoso nas costas, colocar dentaduras de molho...
Quando eu fui chamada e comecei a passar em tudo, me animei mais ainda! Tinha terminado o curso há um mês, meu Coren ainda nem tinha chegado quando fui chamada para aquela entrevista final com o playboy Mamioto.
Tentei entrar naquela sala com o meu melhor sorriso pra disfarçar meu nervosismo, e me lembrando das palavras da minha mãe: engole seu preconceito com administradores. Não sabia se conseguiria, já que o administrador em questão não era só um playboy que ganhou uma empresa pra brincar de chefe, como também era um asiático, na minha opinião, o povo mais feio e m*l humorado que o mundo produzia!
Tudo mudou quando entrei naquela sala e vi aquele homem, uns dez anos mais velho que eu, sério, uma boca carnuda, cabelo em um corte moderno, uma mecha da franja caída sobre a testa, músculos proeminentes na camisa muito bem alinhada. Juro que molhei as calcinhas...