Anna A manhã chegou lenta, como quem temerariamente tenta reparar a noite. A chuva da madrugada deixara o cheiro de terra úmida e pólvora misturado no ar; o morro exalava um cansaço que não era só físico. Eu acordei com a sensação de que algo tinha mudado dentro de mim — não no mundo lá fora, mas num lugar menor, quente e inacessível: o ventre. Foi uma pontada sutil, seguida por um tremor parecido com um aviso. Fui ao espelho e vi os olhos mais fundos do que ontem. Respirei fundo e, antes de tentar racionalizar, pus a mão naquela curva íntima. Um movimento. Pequeno. Como se alguém do lado de dentro me respondesse ao toque com um aceno tímido. Meu corpo reagiu antes do pensamento: as lágrimas vieram sem aviso, primeiro água, depois alívio, depois uma nostalgia antiga que eu não soube nome

