Na manhã da audição, o céu de Seul estava coberto por nuvens cinzentas, ameaçando chuva. Mas no coração de Cassie, a tempestade já havia começado horas antes. Ela acordou com o estômago embrulhado, os músculos tensionados, os pensamentos girando.
Era sua chance. A primeira porta realmente importante que se abria desde que havia fugido do Brasil.
Vestiu-se com roupas simples e confortáveis: calça de moletom preta, top esportivo escuro e um casaco leve. Prendeu o cabelo em um coque e, antes de sair, olhou-se no espelho. Seus olhos estavam firmes, mas não sem medo. Ela sabia dançar — disso, não duvidava. Mas o medo de não ser suficiente, de não ser vista, ainda sussurrava no fundo da mente.
— Vai arrasar — disse uma voz atrás dela.
Cassie se virou surpresa. Hoseok estava encostado no batente da porta, com uma xÃcara de café nas mãos. Usava jeans rasgados e uma camiseta branca que deixava à mostra parte da tatuagem no braço.
— Você tá sempre aparecendo do nada? — ela tentou esconder o nervosismo com sarcasmo.
— Só quando sinto que alguém precisa ouvir que é boa no que faz. E você é. Mesmo que finja não saber — ele disse, encarando-a de forma direta.
Cassie piscou, sem saber como reagir. A verdade era que aquela frase mexeu com ela. E muito.
— Obrigada — respondeu, baixando os olhos.
— Quer que eu vá com você?
Ela o olhou, surpresa.
— Você quer ir?
— Não sei. Talvez eu só queira te ver dançar de novo sem fingir que estou só passando pelo corredor.
Cassie sorriu de leve.
— Então vem. Mas sem piadinhas.
— Prometo nada — ele piscou.
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A audição acontecia em um estúdio da universidade. Um espaço amplo, de piso espelhado e iluminação fria. Havia outros candidatos — todos coreanos, confiantes, com seus fones de ouvido e olhares de desafio. Cassie se sentia uma peça deslocada naquele quebra-cabeça de perfeição. Mas quando viu Hoseok sentado no canto da plateia, com os braços cruzados e o olhar fixo nela, sentiu algo diferente: uma espécie de coragem.
A música começou. Era instrumental, intensa, dramática.
E ela dançou.
Cassie se moveu como se contasse uma história que não conseguia dizer em palavras. Seus movimentos eram fluidos, mas cheios de dor. Havia gritos silenciosos nos gestos, choro contido nos giros, esperança nos saltos. Ela entregou tudo. O passado. O medo. A saudade. A força.
Quando terminou, o estúdio estava em silêncio. Os jurados se entreolharam, impressionados.
E então aplaudiram.
Cassie desceu do palco com o coração disparado. Quando encontrou Hoseok no corredor, ele a esperava com um sorriso diferente. Não era irônico, nem confiante demais. Era... orgulhoso.
— Caramba... — ele disse, se aproximando. — Foi como ver um furacão dançar.
Ela riu, ainda ofegante.
— Isso foi bom?
— Foi... real. Você tem algo que ninguém aqui tem. Não só técnica. Você sente.
Cassie se encostou na parede, o suor escorrendo pelas têmporas.
— Acho que nunca me senti tão vulnerável.
— Mas foi lindo. Sério. Você me deixou sem palavras. E olha que isso é raro — ele brincou, suavizando o clima.
Cassie olhou para ele por um momento longo. Hoseok, o mesmo garoto que a tratava como invisÃvel, agora estava ali, vendo-a com outros olhos. E, o mais estranho, ela estava deixando que ele a visse.
— Obrigada por vir.
— Não precisa agradecer. Foi um privilégio.
Cassie abriu a boca para dizer algo, mas hesitou. Havia algo crescendo ali. Algo que ainda não tinha nome, mas que queimava no ar entre eles.
E então, inesperadamente, Hoseok deu um passo mais perto. Os olhares se encontraram. Os corações aceleraram.
Mas ele não a beijou. Apenas passou a mão suavemente pela bochecha dela, afastando um fio de cabelo.
— Você ainda não faz ideia do quanto é incrÃvel, né? — ele sussurrou.
Ela prendeu a respiração, mas antes que pudesse responder, ele sorriu de lado e recuou.
— Vamos. A Hannah vai querer saber se você virou estrela.
Cassie o seguiu, sentindo que alguma coisa havia mudado. Dentro dela. Dentro dele. Entre os dois.
E talvez... fosse só o começo.