1 - Abrindo as asas
Eleanor
Eu tinha acabado de passar um esmalte vermelho nos dedos dos pés quando ouvi uma batida na porta. Nem levantei a cabeça — consegui adivinhar quem era só pelo som. Além disso, essa casa é grande o suficiente para acomodar cinco famílias, mas, infelizmente, apenas uma — ou talvez metade de uma — mora aqui.
— Pode entrar! — grito, soprando suavemente sobre minhas unhas recém-pintadas.
Sei que ninguém vai vê-las, mas isso não importa. Estou fazendo isso mais como uma forma de ter algum controle sobre as coisas — pequenas decisões como a cor do esmalte se tornam preciosas quando todo o resto parece um caos.
— Você está decente, querida? — pergunta meu pai, cobrindo os olhos com a palma da mão ao entrar.
Dou risada. Ele é como um vampiro: só entra se for convidado. Caso contrário, o banquete da noite não está servido.
— Sim, pai, eu estou decente. Pode vir.
Ele tira a mão dos olhos e entra. Sempre que ele fala assim, é como se eu ainda estivesse no ensino médio. Mas, no fundo, sei que filhas nunca deixam de ser menininhas para seus pais. Principalmente quando tudo o que resta a eles... é a filha.
Levanto os olhos enquanto ele caminha até a cama com certa solenidade. Como sempre, seus dedos roçam o porta-retrato no criado-mudo, aquele com o rosto amoroso da minha mãe. Já se passaram dez anos desde que a perdemos — e não, o tempo não cura nada. A dor não diminui. O que dizem por aí é mentira. A ferida continua tão aberta quanto no dia em que o hospital ligou dizendo que ela havia sido atropelada. Foi um caso de atropelamento e fuga. Quem quer que tenha feito aquilo, nem sequer parou para ver se ela ainda respirava. Só a deixou lá, sozinha, sofrendo na estrada.
Estremeço ao lembrar, como sempre acontece. Será que ela chamou por mim? Por meu pai? Quais foram seus últimos pensamentos? Suas últimas palavras? Por que ninguém a ajudou?
Ainda dói. Vai sempre doer. Mas a gente aprende a continuar, mesmo quando tudo à volta é um lembrete constante da perda. Você só segue em frente. Porque, se não seguir, a dor te engole. Ela se torna parte de você. E, eventualmente, você vira a dor.
Meu pai se senta na beirada da cama, perto de mim. Já está vestido para o evento desta noite. Reconheço de imediato o terno caríssimo que ele comprou em um leilão por quase cem mil dólares. Ele comentou comigo que o tecido é feito de cinco dos materiais mais raros do mundo. Isso tem sido um padrão ultimamente: gastar mais com coisas frívolas, talvez para preencher um vazio que nem ele entende. Viúvo, mas ainda jovem demais para desistir.
— Está bonito em você, pai — comento, sincera.
— Você acha? — ele sorri, alisando os ombros do terno com um certo orgulho.
Consigo sentir o cheiro de lírio-do-vale à medida que ele se aproxima. Diana, a governanta, com certeza levou o traje para aquela lavanderia especial em Woodlington — a única em quem ele confia, a mesma que minha mãe usava.
— Tem certeza de que não consigo te convencer a ir comigo? — pergunta, com um olhar esperançoso.
— Pai, sério. Mais de noventa por cento das pessoas lá vai ser… velha. E por velha, eu quero dizer mais velha que você.
Rimos juntos. Ele finge se ofender.
— Bem colocado. É só mais uma daquelas arrecadações de fundos que só são divertidas pra quem recebe o dinheiro no final.
— Achei que dessa vez era você quem ia doar — digo, arqueando uma sobrancelha.
— É, mas com meu nome envolvido, sempre acaba sendo um pouco dos dois — ele pisca para mim, como se guardasse um segredo.
Os cabelos dele já estão quase todos grisalhos. As rugas ficaram mais marcadas nos últimos anos. Ainda assim, ele insiste nas lentes de contato — algo que só começou a fazer depois que minha mãe partiu. Ela vivia tentando convencê-lo a abandonar os óculos, e ele só a escutou quando já era tarde.
— Vai ser uma noite tranquila por aqui? — ele pergunta, olhando em volta, notando as malas no canto do quarto.
— Você sabe que sim, pai. Estou pronta. Só falta pegar as chaves.
Ele suspira, e eu entendo. Ele quer que eu fique. Acha que só estará tranquilo se puder me ver, saber onde estou. Sempre me viu como algo frágil a ser protegido. Mas é hora de crescer, e ele sabe disso.
— Você empacotou tudo — diz, olhando em volta mais uma vez.
— Sim, tudo pronto — respondo com um sorriso.
O sorriso dele é mais amargo do que gostaria de admitir.
— Não fique triste — digo, beliscando levemente sua bochecha. — Não estou me mudando para outro continente, só pra outro CEP.
— Acho que não aguentaria isso — ele murmura, e eu sei que é verdade.
— Por isso escolhi um lugar a poucas ruas daqui. Preciso abrir minhas asas. Está mais do que na hora, você sabe disso.
Eu o envolvo em um abraço apertado, sem esperar resposta. Ele retribui, com força. Ficamos assim por um instante. Os olhos dele se perdem em pensamentos. Talvez seja o baile, talvez seja o medo de ficar sozinho.
— Vou amassar seu terno — brinco, recuando com cuidado para que tudo continue impecável.
— Você é a única que pode fazer isso — diz, sorrindo de um jeito que parte meu coração.
— Divirta-se hoje à noite — digo, acenando enquanto ele caminha até a porta. Mas, antes de sair, ele para. Ainda tem algo a dizer.
— Que tal tomarmos café da manhã naquela pequena padaria francesa, antes de você começar a descarregar amanhã? — ele sugere.
Vou pedir um latte com um croissant de chocolate. Ele vai querer bagels e café preto. Mamãe sempre escolhia algo diferente. Ela gostava de experimentar tudo o que eles faziam. Ela era assim mesmo.
— Você quer dizer boulangerie? — tento pronunciar como minha mãe fazia, e nós dois sorrimos da minha tentativa frustrada.
— Sim, essa mesmo — ele acena com a cabeça, satisfeito.
— Eu gostaria disso — falo, e sinto meus olhos começarem a lacrimejar.
Ao vê-lo assim, tão presente e vulnerável, sinto uma vontade quase incontrolável de dizer que não vou me mudar, que vou ficar com ele e que nada precisa mudar. Por um instante, sou jogada de volta à infância, aos bons e velhos tempos, quando os braços dele eram o lugar mais seguro do mundo. E, não importava o que tivesse acontecido, a voz da mamãe sempre acalmava tudo dentro de mim. Naqueles dias, no fim, tudo sempre ficava bem.
Infelizmente, o presente não é mais assim. Às vezes, é divertido. Às vezes, sombrio. Mas, de qualquer forma, é preciso seguir em frente.
Apesar desse desejo apertando meu peito, permaneço onde estou — firme, por fora. Ele acena com a cabeça, como se esperasse que eu dissesse algo mais, mas não digo. Então, ele se vira e sai silenciosamente pela porta.
A casa está vasta e vazia, como sempre.
Olho para os meus pés descalços. O esmalte vermelho já está descascado em mais de um lugar. Mas estou com preguiça de consertar isso. Deito-me na cama, deixando a suavidade do colchão me envolver como um par de braços amorosos.
Penso no meu novo emprego e em como ele parece promissor. Minhas esperanças se esticam, ganham forma. Talvez eu finalmente encontre algo meu, longe da sombra do nome da minha família.
Fecho os olhos e lentamente me deixo levar pelo sono. Eu sonho, mas raramente me lembro dos detalhes.
Talvez isso seja o melhor.
Ainda não sei, mas no fundo sinto: esta será a última vez que dormirei nesta cama. A última vez que me sentirei segura... por muito tempo.