Eleanor
Devo ter cochilado, e o impacto da minha cabeça contra a janela do carro me acorda. Olho para fora e não reconheço nenhum ponto turístico da cidade onde cresci. Tudo o que vejo são grandes campos de nada, que parecem se fundir com o céu infinito em algum lugar ao longe. E mesmo que houvesse uma chance de fuga, me pergunto: para onde eu correria?
Engulo em seco e me inclino para trás no banco do carro. Consigo respirar com mais clareza agora; meu nariz parece finalmente livre daquele cheiro opressor que me assombrava no beco. Instintivamente, tento a porta, mas, é claro, está trancada. Ouço uma risada vinda do banco do motorista.
— Você não achou que seria tão fácil assim, achou, princesa?
Não preciso olhar pelo retrovisor para reconhecer essa voz. É a voz que nunca sairá da minha mente, não importa o quanto eu tente — a voz que vai continuar ecoando nos meus pesadelos enquanto eu viver.
Seus olhos brilham na escuridão, o tom acinzentado ficando ainda mais claro sob a luz fraca. De vez em quando, ele me lança um olhar rápido, apenas para se certificar de que estou ali. Mas não diz muito mais.
Apoio as mãos trêmulas sobre as coxas, tentando acalmar a respiração. Quando ele parar o carro e abrir a porta, talvez eu consiga empurrá-lo e simplesmente... correr. Correr para qualquer lugar. Isso não importa. Qualquer lugar é mais seguro do que estar com esse lunático — seja ele quem for. E, honestamente, eu não quero ficar por perto para descobrir por que ele me colocou nesse carro ou para onde está me levando.
Finalmente, a viagem curta chega ao fim. Ele estaciona diante do que parece ser uma antiga instalação militar abandonada. O lugar está completamente deserto. Não há uma única alma viva por perto. O silêncio ecoa entre as árvores, pesado, sufocante. E eu sei, no fundo do meu peito, que mesmo se eu gritasse com todas as forças, ninguém ouviria. Ninguém viria me socorrer.
Ainda sentado no banco do motorista, ele se vira para mim e joga um par de algemas metálicas no meu colo. Elas são tão frias quanto o olhar dele.
— Coloque-as — ele instrui, como se eu já tivesse feito isso mil vezes e soubesse exatamente o que fazer.
Com os dedos trêmulos, m*l consigo desfazê-las e abri-las. Prendo um lado no meu pulso esquerdo e, com dificuldade, encaixo o outro. O som do clique metálico ecoa como o estalo de uma liberdade perdida. Levanto as mãos no ar para que ele veja.
— Boa garota — ele sorri com ironia. — Vai ser bom dizer ao seu pai que você tem sido muito cooperativa.
— Meu pai? — sussurro, surpresa, mas ele já saiu do carro e está vindo em minha direção para abrir a porta.
Ele me ajuda a sair com uma delicadeza inesperada e, em seguida, faz um gesto para que eu caminhe em direção ao prédio em ruínas à nossa frente.
— Para onde estamos indo? — pergunto, mesmo sabendo que essa pergunta é inútil.
— Continue sendo uma boa menina e nada de m*l lhe acontecerá — explica ele, respondendo à minha segunda pergunta silenciosa. — Isso também depende de como seu pai reagir ao meu acordo.
— Que acordo? — grito, enquanto ele me empurra para dentro do prédio escuro e abafado. Me preparo para mãos monstruosas surgirem de todos os lados, me agarrando, tentando me despedaçar. Mas nenhuma mão me ataca. Em vez disso, Bjorn apenas acende a luz.
O lugar está vazio, exceto por algumas caixas de papelão empilhadas num canto e uma mesa com uma única cadeira bem no centro da grande sala de piso de cimento.
— Sente-se ali — ele ordena com um impulso do queixo.
Ele me observa obedecer com um olhar fixo, sem pressa. Sua mão vai ao bolso e ele tira uma caixa de cigarros pela metade. Acende um, tragando com tranquilidade, como se estivéssemos em qualquer outro lugar. Assim que me vê sentada, caminha até o lado oposto da mesa. Dessa vez, sua mão mergulha no bolso esquerdo e, em vez de cigarros, o que ele tira é o meu celular.
Meus olhos se arregalam. Olho para o telefone, depois para ele, depois para o telefone de novo, incapaz de conter a apreensão crescente no meu peito.
— Eu precisava garantir que você não pediria ajuda — ele diz, como se estivéssemos falando sobre o tempo e ele estivesse se perguntando se deve levar um guarda-chuva amanhã, caso chova.
Meu sangue gela ao ouvi-lo. Quantas vezes ele já fez algo assim antes? Provavelmente vai ligar para o meu pai e pedir resgate. Apesar do que meu pai pensa, eu me lembro... lembro do que aconteceu quando eu tinha quatro anos. São só fragmentos, pedaços soltos que vêm e vão, mas estão lá. Às vezes, parecem cenas de um filme que assisti há muito tempo. Acho que é assim que o cérebro tenta lidar com algo tão traumático — distanciando, protegendo.
Eu estava brincando no balanço, enquanto minha mãe me observava. Bastou um único instante de distração, e o pesadelo se formou. O homem usava um casaco comprido, que cheirava a tabaco velho, como se o odor tivesse crescido nas costuras. Suas mãos estavam manchadas de amarelo. Eram mãos ásperas, grossas, secas. Quando ele agarrou meu pulso, quase me arranhou com a força. O carro para o qual ele me arrastava era vermelho, brilhante, como aqueles balões que se ganha em festas de bairro. Lembro de não entender o que estava acontecendo — até minha mãe gritar. Houve um alvoroço. A mão áspera me soltou, e o carro vermelho sumiu da minha vista enquanto eu me agarrava, chorando, aos braços da minha mãe.
Nunca falamos sobre isso. Nenhum de nós. Acho que meus pais acreditavam que eu era nova demais para lembrar, e que não havia sentido em remexer em memórias velhas que poderiam trazer à tona dores enterradas. Melhor deixar isso soterrado no tempo. Mesmo agora, tantos anos depois, quando essas imagens voltam com força, eu quase consigo convencer a mim mesma de que aquilo aconteceu com outra pessoa. Mas aquela voz pequena no fundo da minha mente... ela nunca se cala.
— Agora, vamos ligar para o seu pai — Bjorn diz, apagando o cigarro no chão de cimento com a ponta da bota. Ele parece um pouco impaciente agora.
Ele me obriga a desbloquear o celular com minha impressão digital. Depois, localiza o número do meu pai com facilidade, como se já soubesse exatamente o que procurar. Coloca no viva-voz e apoia o aparelho sobre a mesa, bem diante de mim. O telefone toca apenas duas vezes antes de ser atendido.
— Querida? Está tudo bem? — a voz do meu pai soa aflita, carregada de preocupação.
Mas antes que eu consiga responder, Bjorn toma a frente.
— Acho que a querida está um pouco ocupada no momento — diz ele, inclinando-se ligeiramente sobre a mesa, com a voz envolta em veneno.
— Quem é? — a voz do meu pai muda de tom, de preocupada para frenética, cheia de fúria.
— Estou surpreso. Até chocado, na verdade, por ver que você não reconhece a voz de um velho amigo. Dário — ele responde com sarcasmo.
Segue-se um momento de silêncio que parece durar uma eternidade. Posso imaginar perfeitamente a expressão do meu pai nesse instante — como se alguém lhe entregasse uma caixa fechada e, ao abrir, revelasse o pior conteúdo possível.
— Bjorn? — a voz dele soa mais baixa agora, como se o impacto tivesse arrancado o ar de seus pulmões. — É você?
— Quem mais poderia ser? — Bjorn ri, mas é uma risada carregada de escuridão, uma risada que promete tempestades. Trovões e vendavais sem comparação.
— O que você quer? — meu pai rosna, a raiva transbordando no viva-voz.
Sei que, se pudesse, ele estenderia a mão através da linha, atravessando espaço e distância, para agarrar esse desgraçado pelo pescoço. Não o soltaria até o último suspiro escapar do corpo miserável de Bjorn. Mas isso é ilusão. A verdade é que continuo aqui, algemada, sentada diante de um lunático cujas intenções permanecem um mistério.
— Aquilo que você está escondendo no seu cofre — Bjorn sussurra, inclinando-se até o telefone, sua voz se tornando uma serpente, derramando veneno no alto-falante. Pequenas gotas de suor caem sobre a tela do meu celular, como se selassem o início de um novo inferno.
— Que coisa!? — meu pai troveja do outro lado da linha. — O que diabos você quer dizer!?
— Não vou prolongar essa conversa mais do que o necessário — Bjorn responde com frieza. — Ligo novamente em duas horas, com instruções claras sobre onde deixar o estoque. Ah, e lembre-se de uma coisa…
Ele faz uma pausa. Seu corpo se move silenciosamente por trás de mim, e sua mão pousa com firmeza na minha nuca. Sua palma é quente e pesada, e eu tenho certeza de que ele consegue sentir meu coração disparado, batendo como um tambor em pânico.
— Se eu ao menos sentir o cheiro da polícia... vou deixar um rastro das partes da Eleanor que você poderá seguir até mim. Eu prometo. Duas horas, Dário.
E com essas palavras, ele agarra o telefone e o lança contra a parede oposta com força brutal. O aparelho se estilhaça em um milhão de pedaços que se espalham pelo chão de concreto, faiscando sob a luz fraca como se fossem lágrimas cristalizadas.
Mas eu não estou chorando.
Não me sinto triste. Eu me sinto assustada. Petrificada.
Minha mãe sempre me ensinou que chorar de medo era a pior coisa que se podia fazer. Que o medo bagunça o raciocínio, que impede você de pensar direito, de encontrar uma saída. E olhando para este homem agora, com os olhos escuros e vazios, eu sei — ele não é do tipo que se comove com lágrimas. Choramingar na frente dele seria inútil.
Fico observando os fragmentos metálicos do celular por mais alguns segundos, e então Bjorn me puxa para cima bruscamente.
— Vamos embora — diz ele, com impaciência.
— Pra onde estamos indo? — pergunto, minha voz quase sumindo.
Ele está visivelmente mais agitado agora, me empurrando com força em direção à porta, mesmo eu tendo obedecido a tudo até aqui. Caminhamos em silêncio até o carro, e ele praticamente me joga no banco de trás mais uma vez. Ele mesmo se acomoda no assento do motorista, agarrando o volante com os dedos rígidos, como se quisesse esmagá-lo.
— É melhor você torcer para que seu pai me traga o que eu quero — ele rosna, olhando para mim através do espelho retrovisor.
Não há mais traço do homem calmo e quase cortês de algumas horas atrás. O que vejo agora é um vulto frio, com uma expressão endurecida. Essa é a voz de um homem acostumado a machucar mulheres. Esses são os olhos de quem já viu — e causou — horrores demais.
Eu apenas aceno com a cabeça, abaixando o olhar. Seja lá o que for que ele quer, eu sei que meu pai vai entregar. Ele não tem escolha. Ninguém tem.
Disseram a ele para não chamar a polícia… mas o que as pessoas geralmente fazem nessas situações? Lembro de todos aqueles filmes sobre sequestros que já vi, e em nenhum deles chamar a polícia termina do jeito que todo mundo espera.
O carro volta para a estrada, e o som do motor me embala de forma estranha. É difícil manter os olhos abertos. Sinto-me dopada, embora tenha certeza de que não fui drogada — pelo menos, não de novo. Não comi nada, não bebi nada. Ainda assim, meu corpo parece pesado. A sede começa a incomodar, queimando minha garganta seca. Mas eu me recuso a pedir qualquer coisa a ele. Mesmo que isso me consuma por dentro.
Cerro os punhos com força, inconscientemente tentando separar as mãos, mas tudo o que consigo é aumentar a pressão das algemas contra minha pele. O metal afunda, deixando marcas vermelhas e quentes, como se queimassem.
Minhas pálpebras começam a pesar. Cada piscada é uma luta. E então, apesar de tudo, apesar do medo, da tensão, da dor… eu adormeço.