4 - Levada

1276 Words
Eleanor Assim que sinto o ar fresco ao meu redor de novo, inalo profundamente. Deslizo a alça da bolsa do ombro direito e a abro com facilidade. Isa já comentou algumas vezes que o fecho é frouxo demais e pode ser aberto com um leve toque, mesmo por alguém que nem esteja tentando muito. Mas é uma bolsa que foi da minha mãe, e não estou pronta para me desfazer dela. Não que eu não tenha várias outras bolsas caras acumulando poeira no armário. Mas nenhuma delas tem o mesmo valor. Procuro meu celular lá dentro, tateando. Depois de alguns segundos de busca, só encontro a carteira e as chaves. Minhas bolsas nunca estão entulhadas, ao contrário das de Isa, que parecem conter objetos mágicos e até coisas vivas. As minhas são leves e práticas. Naquela noite em particular, tive o cuidado de levar apenas três itens: carteira, chaves e celular. Agora percebo que só tenho dois. Confusa, pego a carteira e verifico o conteúdo. Tudo lá: algum dinheiro, meus cartões, algumas notas dobradas. Nada parece ter sido levado. Ouço o tilintar das chaves e as puxo também. Dou uma última olhada dentro da bolsa — vazia. Meu celular sumiu. Guardo as chaves e a carteira, passo os dedos pelos cabelos e respiro fundo. Será que deixei em algum lugar? Será que levei comigo mesmo? Tenho uma lembrança vaga de tê-lo colocado ali com o restante das coisas, mas é tão incerta quanto lembrar se tranquei a porta de casa pela manhã. É um gesto automático, raramente feito com consciência plena, então é difícil confiar nessa memória. Mas uma coisa é certa: ele não está aqui. Decido voltar pra casa e verificar. Se não estiver lá, vou bloqueá-lo remotamente e tentar rastrear. Mas primeiro preciso conseguir voltar — e, com uma dúzia de pessoas na fila por um táxi ou Uber, parece que isso vai demorar mais do que eu gostaria. Com o canto do olho, vejo a brasa de um cigarro se acendendo no beco oposto e, instintivamente, olho para cima. É Bjorn. Ele parece não estar olhando diretamente para mim — ou está fingindo muito bem. Um momento depois, nossos olhares se cruzam. Ele sorri, hesita por um instante e então caminha em minha direção. — Eu juro que não estou te perseguindo — diz ele. Não tenho certeza se acredito nisso. — Sério? — sorrio com leve ironia. — Só vim fumar um cigarro. Meus amigos voltaram lá pra dentro, encontraram umas garotas. Você sabe como é... — Hum — aceno, com um meio sorriso. — Tudo bem? Você parece... sei lá. Um pouco assustada. Fui eu? — ele dá um passo para trás. — Se foi, posso simplesmente te deixar em paz. Eu sei como parece isso. Primeiro a gente conversa, você me ignora, e agora estou aqui, lá fora, na mesma hora que você... — Não, não — balanço a cabeça. — Não é você. Acho que perdi meu telefone. — Aqui? — Ou talvez eu tenha deixado em casa. — Vamos torcer para que seja isso — ele diz. — É... — suspiro, frustrada. — Mas, nesse ritmo, nunca vou conseguir pegar um táxi. E não consigo chamar um Uber. — Quer uma carona? No momento em que ele pergunta isso, percebo que se arrependeu. Eu até aprecio o gesto, mas não tenho o hábito de aceitar caronas de caras que acabei de conhecer. Meus pais sempre me ensinaram que não é assim que funciona. — Desculpa... só estou tentando ser gentil — acrescenta ele, percebendo minha hesitação. — Eu sei — consigo sorrir. — E agradeço, de verdade. Mas será que você pode me emprestar seu celular, só pra eu chamar um táxi ou um Uber? — Claro — ele enfia rapidamente a mão no bolso e tira um celular pequeno e prateado. — Aqui está. — Obrigada. Chamo um Uber e ele me avisa que deve chegar em menos de dez minutos. O motorista parece entender a situação quando explico que estou usando outro celular, e aviso que pagarei em dinheiro. Desligo a chamada e devolvo o telefone para Bjorn. — Sabe... nós conversamos esse tempo todo e eu ainda não sei seu nome — ele diz de repente, jogando a ponta do cigarro no chão e apagando-a com o sapato. — É Eleanor — respondo, estendendo a mão. Acho que não importa mais. Seremos estranhos de novo em dez minutos ou menos. — Prazer em conhecê-la, Eleanor — ele aperta minha mão. — Sabe, quase me sinto m*l por ter que fazer isso. — Fazer o quê? Solto sua mão imediatamente. O brilho nos olhos dele se transforma — agora é algo ameaçador. Eu não fui ameaçada muitas vezes na vida, mas reconheço esse sentimento. É instintivo. Você sabe quando algo está prestes a dar muito errado, mesmo que nunca tenha passado por isso antes. Vejo Bjorn olhar por cima do meu ombro, e percebo como os sons ao redor diminuíram. O beco está quieto. Não há trânsito. Não há pessoas. Só nós dois. E a escuridão ao redor. Um lugar perfeito para desaparecer. Sinto a garganta secar e dou um passo para trás. — Eu não faria isso, se fosse você — ele diz, balançando o dedo indicador em um gesto quase casual. — Meus amigos estão com as namoradas das suas amigas. E tudo o que leva é um sinal meu… e eles vão machucá-las. As palavras dele ressoam nos meus ouvidos como uma melodia horrível. — O que você quer de mim? — pergunto, a voz trêmula. — Quero que você venha dar uma volta comigo — ele responde, calmo. As mãos dele estão vazias. Nenhuma arma, nenhuma faca. Nada que eu possa ver. Eu poderia correr. Poderia gritar. Voltar para dentro. Mas não faço nada. Fico parada. É como se ele me prendesse no lugar apenas com o olhar. — Pra onde você está me levando? — Se eu te contar, vou ter que te matar — ele sorri, e é então que percebo: suas presas são visíveis, afiadas, brilhando como as de um lobo. Seu maxilar quadrado se projeta mais, e o sorriso irônico se torna mais c***l. Ele dá um passo em minha direção. Eu quero me afastar, mas não consigo. Ele está tão perto agora que sinto sua respiração. Os dentes perigosamente próximos da parte macia do meu pescoço. Imagens de Drácula me invadem, e espero que ele me morda a qualquer instante. Mas ele não o faz. Meus dedos tremem quando ele segura minha mão e entrelaça nossos dedos. — Viu? Seu próprio corpo não quer te ouvir. Ele está me ouvindo — sussurra. — Ele sabe que você não vai fugir, porque você não quer. Meu coração bate descompassado. Eu não entendo por que ainda estou aqui. Por que não estou gritando, correndo, implorando por socorro? Minhas pernas não respondem mais a mim. Minha mente está entorpecida. Invadida por esse estranho das trevas. E, contra todo o bom senso, dou um passo na direção dele. Parece... certo. O cheiro que exala de sua pele é amadeirado, almiscarado, masculino. E sinto esse aroma se infiltrando por cada poro, como se estivesse me sedando de dentro para fora. Ele continua sorrindo, e sussurra algo em uma língua que não entendo. Não vem de seus lábios. Vem de algum lugar dentro de mim. — Meu carro está ali — ouço-o dizer. Mas eu não sigo. Eu flutuo. Meus pés tocam o chão como se não fossem meus. Estou leve. Vazia. Um balão sendo levado ao vento. Enquanto ele me guia até o carro... meu corpo não faz nada além de obedecer.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD