1. Voltando ao morro
Há 16 anos que eu e a Lívia não nos víamos, nossas vidas tomaram rumos tão diferentes, mas nunca nos esquecemos uma da outra, nem deixamos de nos falar.
Fomos criadas como irmãs, sentíamos muita falta uma da outra, mas agora faltavam poucas horas para nos encontrarmos, esse verão será longo, e sinto que inesquecível!
Eu e a Lívia, temos apenas um ano de diferença, sendo eu a mais velha, tenho 24 anos.
Somos primas e crescemos juntas no morro do Vidigal, no Rio de janeiro, não me lembro do meu pai, ele foi embora quando eu tinha apenas um ano e nunca mais tivemos noticias.
O pai da Lívia abandonou a tia Lúcia quando ela ainda estava grávida.
As duas irmãs cuidaram de nós com muitas dificuldades financeiras, mas nosso lar era repleto de amor e carinho.
Minha mãe Regina, sempre foi uma mulher linda, ruiva assim como eu, nunca a vi desarrumada, ou sem o seu perfume marcante.
Ela trabalhava na joalheria de um shopping na zona sul da cidade, e mesmo na época sendo criança, lembro dela falando orgulhosa sobre os convites que recebia para jantar, e dos presentes que ganhava dos admiradores.
Quando eu completei oito anos de idade, minha mãe conheceu o Cláudio, um empresário bem mais velho que ela, riquíssimo e recém separado.
O Cláudio foi comprar um relógio na joalheria, e caiu de amores pela mamãe, não demorou muito para pedi-la em casamento, e nos mudarmos.
Meu padrasto comprou uma casa simplesmente deslumbrante e recém construída, em uma cidade do Paraná.
Era um condomínio fechado de alto padrão com academia, piscina aquecida, quadra de tênis, e seguranças por toda a parte.
A minha suíte parecia uma casa de boneca, de tão perfeita, mas mesmo em meio ao luxo eu sentia muita saudade do meu primeiro lar, e principalmente da Lívia.
Minha mãe se acostumou rápido, ela sempre foi ambiciosa, e aquilo tudo era o que ela sempre sonhou.
Estudei nos melhores colégios, fiz amigos, e acabei me acostumando a minha nova e sofisticada realidade, que de r**m não tinha nada.
Tornei-me uma jovem linda, e graças à mamãe e toda sua obsessão com alimentação balanceada, sempre fui magra e atlética, meu cabelo é natural, ruivo e comprido, meus olhos são cor de mel, e minhas sardas sempre foram motivo de elogios por onde eu fosse.
Quando completei 15 anos, conheci o Leonardo, ele tinha 18.
Morávamos no mesmo condomínio, os pais dele eram amigos da mamãe e do Cláudio por isso frequentemente jantávamos juntos.
Não demorou muito para começarmos a namorar.
Minha mãe dizia que ele era o homem certo para se casar, vinha de uma boa família, era bonito, educado e com uma carreira promissora pela frente, ele estava estudando para ser advogado, como o pai, o Sr. Alencar. e assumir o escritório da família.
Eu amo o Leonardo, mas nunca senti as tais borboletas no estômago, nunca senti esse amor avassalador que lemos nos livros e vemos nas novelas, mas talvez esse sentimento seja superestimado, e como mamãe diz o ‘amor floresce na convivência’.
Mas nós éramos muito parecidos, gostávamos das mesmas músicas, de frequentar os mesmos barzinhos, sempre estávamos viajando e vivendo experiências de causar inveja no i********:.
Minha mãe e o Leonardo sempre dificultaram minhas idas ao Rio, nas férias da faculdade sempre aparecia alguma viagem imperdível, e eu cedia fazendo a vontade dos dois.
Eu sinto que minha mãe tem uma espécie de vergonha do passado, ou talvez remorso por ter deixado tudo sem olhar para traz, o fato é que desde que nos mudamos ela m*l fala com a tia Lucia e com a Lívia.
Acabei de me formar em odontologia, em um ano estarei casada com o Leonardo, então esse verão eu quero viver, sinto que será inesquecível.
Chegar ao Rio foi como um despertar, não me lembrava mais de toda essa agitação, alegria, tanta gente na rua, toda essa loucura, tão diferente do bairro tranquilo e arborizado em que eu vivo!
É exatamente isso que eu precisava!
O motorista do táxi que eu peguei no aeroporto não parava de falar, e eu só queria namorar pela janela aquela cidade em que vivi uma infância tão cheia de boas lembranças.
- Você não é daqui não né, esse morro ai é perigoso, você vai lá sozinha¿
- Eu cresci aqui – eu disse, e vi o olhar de desconfiança dele pelo espelho do carro.
Eu deveria ter vindo vestida de forma mais simples, nem pensei nisso!
O táxi não subiu o morro, mas tinha um carro de um amigo da Lívia me esperando para levar ate em casa.
Esse motorista já não era falante, pelo contrário era sério e desconfiado,
Pelo menos pude observar o morro.
Como pode viver tanta gente ali ?São tantas casas, tantas ruazinhas..
Vi homens armados na entrada de uma viela e senti um leve arrepio, será que era mesmo uma boa idéia essa viagem ?
A entrada da casa não havia mudado nada, era exatamente como eu me lembrava! A mesma cor azul bem preservada, as plantinhas na entrada, e a porta de madeira, me sentiram em casa!
A tia Lúcia, me recebeu na porta com um abraço cheio de amor, e lágrimas nos olhos.
- Alice que saudade de você, minha filha! – Disse ela com uma voz carregada de emoção
Eu também me emocionei, era tão bom estar ali!
Enquanto conversávamos sentadas no sofá, observei os quadros nas paredes, os móveis... tudo era como eu me lembrava, poucos detalhes estavam diferentes.
A tia Lúcia sempre foi muito organizada, e caprichosa.
Ela tinha cinco anos a mais que a minha mãe, era muito bonita também, mas modesta
Não ligava para roupas, dedicou a vida ao trabalho e a criação da Lívia.
Fazia alguns anos que ela havia se casado, e parecia estar muito feliz, eu também estava feliz por ela!
Comi um bolo delicioso, e enquanto a tia Lucia organizava a cama que eu iria dormir, acabei cochilando no sofá, nem um lar era tão meu quanto aquele!
Acordei com a Lívia em cima de mim, me abraçando e falando sem parar, ela desde criança era intensa, eu sempre fui mais ponderada.
- Caraca como você ta linda!!! Vai fazer sucesso no morro, nunca vi uma ruiva natural por aqui !!! – Ela disse em tom irônico.
A Lívia falava mais que o motorista do táxi!
- Hoje eu vendi muito naquele shopping! Chega final de ano o que dá de turista não é brincadeira, mas amanhã eu saio de férias e a gente vai curtir esse Rio para valer, o caio conhece umas baladas incríveis, você vai curtir!
- Quem é caio ?- Perguntei
- Meu irmão postiço, é filho do Mauro, marido da minha mãe.
Eu já te falei dele poxa!
- Sim, verdade – Respondi sem me lembrar de fato...
- E tem mais! o caio comanda isso aqui tudinho, ele é o chefe do morro – Disse Lívia toda orgulhosa
- Nossa, a tia Lúcia sabe disso?
- Claro que sabe, morre de preocupação, ela tem ele como um filho.
Mas esse assunto é meio tabu aqui em casa sabe. O Mauro não aceita nenhum dinheiro do caio. Parece bobo, o cara não tem nem onde colocar tanto dinheiro, e o Mauro fica nessas de ‘não aceito dinheiro sujo’, cada bobagem. – Disse Lívia em tom de desprezo.
Fiquei preocupada, ela percebeu e mudou de assunto.
- Vai lá tomar um banho, que depois vou eu, se arruma bem linda que hoje é sextaaaa
E saiu dançando em direção a cozinha, eu estava exausta da viagem, mas não tanto para deixar de sair e viver um pouco.
Ainda era cedo, e pelo que a tia Lucia tinha dito o marido dela chegava tarde do restaurante em que trabalhava, por isso sai do banheiro despreocupada de toalha, e secando o cabelo.
Tomei um susto ao me deparar com um homem no quarto.