Capítulo 16 - Canhotos

2431 Words
[Anos atrás] Eros POV As luzes eram fortes. Fortes demais faziam barulho. Desde quando luzes fazem barulho? – Vai nos contar ou não, gracinha? A voz me fez perceber minha cabeça estava pendida para baixo, minha boca salivava e em meus joelhos haviam arranhões que eu me lembro vagamente de ter feito tentando me soltar das amarras daquela cadeira. – Eu não sei... eu juro... Estava falando a verdade, por que eles simplesmente não acreditavam? – Traz mais. Disse o cara para aquele outro que o acompanhava e eu já me debati sabendo que ele viria com aquela seringa mais uma vez e eu passaria por tudo aquilo mais uma vez. – Não... não... Implorei, não sabia se o que descia em minhas bochechas era lágrimas ou sangue, os dois tinham a mesma sensação sobre a pele. – Não quer mais? Então nos diga a senha. Disse já posicionando a agulha onde já haviam muitos furos em meu braço. Há quantos dias eu estava alí? Quanto disso já estava dentro do meu corpo? – Eu não sei, mas... por favor... Tentei implorar mas ele riu, lembro claramente de seu sorriso sádico ao sair da minha frente e me mostrar Linux encolhido no canto daquele local escuro, sua cabeça ainda sangrava, ele estava sem seus óculos, devia estar tão assustado... tremia e abraçava seus joelhos. – Prefere que eu faça nele? Apontou a agulha para meu irmãozinho que se encolheu e eu me debati mais ainda. – Em mim! Em mim, faz em mim! Por favor... Solucei. [Dias atuais] Sophie POV Para quem nunca participou de um ensaio fotográfico, ou como os riquinhos chamam: photoshoot, ele consistia em ficar de maneira quase que masoquista de frente para uma luz que quase te cega sendo comandada por um assessor que diz em qual posição você tem que ficar. Bem, na maior parte das vezes eles dizem para você ser "criativo" mas como ser criativo na frente de tanta gente? No primeiro set de fotos eu e Eros estávamos vestidos de maneira formal, minha maquiagem parecia bem leve e neutra, joias douradas foram postas em nós se destacando entre as peças de roupa preta. Eros usava um blazer preto, calça de alfaiataria um pouco larga e apenas isso. Nada de camisa, nada de sapato. Apenas uma correntinha dourada adornando seu pescoço, anéis da mesma cor e aqueles olhos verdes que por si só já eram um adorno. Esse set era um pouco mais sensual, então eu também estava vestida como ele, embaixo do meu blazer só havia meu sutiã e eu usava uma calça um pouco parecida com a dele. Argolas grandes e douradas, braceletes e um batom vermelho. O fotógrafo apelidou esse set de "Sr e Sra. Smith". Sim, em homenagem ao filme. E se você não viu esse filme ainda, deveria ver, assim entenderia a referência. Cada movimento e gesto que eu era obrigada a fazer em direção a Eros, nos deixava cada vez mais próximos, como se o intuito fosse fundir nossos corpos e não tirar as malditas fotos. – Você nasceu para isso, delegada. Sussurrou Eros entre uma foto e outra do primeiro set enquanto tinha seu rosto sobre o meu ombro e eu olhava para a câmera. O próximo set foi bem divertido de fazer. Estávamos vestidos como jogadores de tênis, foi o tema que Eros escolheu e por algum motivo eu também gostei. Saia pregueada branca, blusa Polo, viseiras, raquetes e muitos sorrisos para a câmera. Ele estava de bermudinha, polo vermelha, boné e sua raquete sobre o ombro. Esse foi um set mais fácil, Eros até fazia algumas piadinhas e eu ria sendo bem mais natural sorrir para a câmera daquela forma. Nossa maquiagem estava mais aparente, blush nas bochechas, gloss em meus lábios, sardas sobre as bochechas de Eros. Tudo para que o conceito fosse atingido. E o terceiro e último set foi o que eu escolhi. – Olha, se isso for um fetiche seu você pode me falar, eu não vou te julgar... Eros, com aquele sorrisinho sacana dizia enquanto ajeitava a jaqueta de piloto e eu senti minhas bochechas corarem. Qual é, eu só queria ver ele vestido em roupas de um piloto de moto, é pedir demais? Era uma jaqueta de piloto vermelho e branco, calça jeans, botas, seu cabelo meio desgrenhado, corrente de prata no pescoço. Daquele jeito ele meio que fazia o meu tipo... – Cala a boca, Zervas. Disse empurrando um capacete em sua direção e ajeitando a minha jaqueta que tinha a mesma padronagem mas com a cor azul. Teria sido um set de fotos bem mais divertido se eu não estivesse ocupada demais babando na beleza do cara que estava ao meu lado e ele tirando sarro de mim por causa disso. E além daqueles sets de fotos, ainda fizemos algumas outras com diferentes roupas, então eu estava tão cansada que não conseguia nem mais falar. – Okay, encerramos! As fotos ficaram perfeitas, de onde tiraram tanta química?! O fotógrafo, que parecia o mais animado de toda a equipe falou e eu deixei meus ombros caírem finalmente tirando aquelas jóias pesadas e entregando para a primeira assistente que eu vi. – Acho que o segredo tá no amor, né princesa? Eros se virou para mim e me puxou pela cintura. Seu amor à fama, você quis dizer? Pensei, mas não disse. Fomos interrompidos antes mesmo que eu pudesse dizer algo malcriado em direção à Eros. – Senhorita Welsh, seu celular não parava de tocar durante o ensaio. Uma das meninas que ficou responsável por minhas coisas me entregou o aparelho - que já estava praticamente em seus últimos respiros me lembrando de que eu deveria comprar um novo - e eu sorri educadamente. – Ah, okay. Obrigada. Agradeci e olhei de volta para Eros, Simon e o fotógrafo que me esperavam para dar uma olhada nas fotos. – Se me dão licença... Pedi e vi que nenhum deles pareceu se importar muito se eu me ausentasse ou não. Então abri o aplicativo de mensagens e dei de cara com a mensagem que eu queria - e também não queria - receber. Os resultados dos exames estão prontos, vou mandar para o seu e-mail profissional. Atenciosamente, Sammy. – Sophie, amor, vamos? Que tal aproveitar que estamos bem vestidos e dar uma voltinha? Eros me chamou se remexendo ainda vestido naquele visual de motoqueiro e eu respirei fundo. Eu precisava dar uma olhada naqueles resultados e não tinha como eu fazer isso perto de Eros. – E seu irmão, você não tem que visitá-lo? Sugeri e o lutador balançou a cabeça vindo até mim, e eu escureci a tela de meu celular o guardando em meu bolso. Se ele notou meu gesto, decidiu não falar sobre isso. – Eu posso fazer isso de madrugada. Não se preocupe. Sorriu ele como de costume. – Ah, eu mandei o Simon comprar remédio pra cólica e aqueles negócios de colocar na calcinha... Pareceu ter dificuldade tentando se lembrar do nome das coisinhas que nós mulheres grudamos nas calcinhas, então eu ri. Pobre homem i*****l. – Absorventes? Suspendi uma sobrancelha e ele estalou os dedos apontando para mim como um "eureka". – Sim, isso! Estão na van, se quiser me esperar lá, só vou me despedir da equipe. Disse animado e eu respirei fundo. Isso foi muito gentil da parte dele. Morando com três homens e tendo minha mãe falecida antes mesmo que eu pudesse menstruar, eu nunca tive tanta atenção assim, então ele estava de alguma forma curando algo que ele nem mesmo sabia. E se sabia, era muito sagaz. – Obrigada, Eros. Agradeci levemente desconfiada, mas mesmo assim me sentindo grata. Ele, por outro lado parecia bem verdadeiro. – Estamos juntos nessa, lembra? Disse deixando uns tapinhas em meu ombro e eu abaixei a cabeça encarando as belas unhas que colocaram em meus dedos para aquele ensaio fotográfico. – Na verdade estamos nessa confusão toda por minha causa. Comentei baixinho, precisávamos ter muito cuidado, paredes sempre tem ouvidos em qualquer país. Eros me encarou como se eu estivesse falando um absurdo. – Como assim? Como poderia ser culpa sua se eu sou o famoso da situação? Rebateu e eu dei de ombros. – Sim, mas eu não deveria ter ido para a sua casa naquele dia do vazamento. Murmurei me lembrando bem de que eu ainda poderia ter ido dormir com a Nora em uma das celas da delegacia ou ter ficado dentro do meu carro por um tempo. E parecendo perceber o quanto eu me arrependia daquela decisão tomada enquanto eu estava sentada nas escadas daquele condomínio nojento, o grego ergueu meu rosto para que eu o encarasse. – Eu disse para recorrer a mim caso algo acontecesse, lembra? Comentou no mesmo tom de voz que eu e eu semicerrei meus olhos tentando entender o que ele queria dizer com isso. – Você não acha que foi coincidência demais? Questionou ele suspendendo as próprias sobrancelhas, o que me fez piscar confusa. – Está querendo insinuar que tem alguém por trás disso tudo? Agora eu perguntava quase em um sussurro. A ideia de estar sendo perseguida não me agradando nem um pouco. Mas Eros, como de praxe, sorriu. – Sim, e por enquanto nós vamos dançar conforme a música dele. Murmurou perto do meu ouvido e eu aproveitei a posição em que estávamos para fingir abraçá-lo e poder falar de coisas ainda mais sérias em seu ouvido. Ele riu, mas me abraçou de volta. – Está falando do Ayaan? Sussurrei. – Não sei se um criminoso como ele estaria se dando a esse trabalho, acho que é alguém maior. Sussurrou de volta e deixou um beijinho em meu pescoço e eu me afastei rapidamente pelo susto e pela conversa. – Então você estava fingindo o tempo todo que estava preocupado com a sua fama?! Apontei para ele me sentindo quase que traída por ele ter armado isso tudo sem eu saber. O namoro, a coletiva, a viagem, tudo isso era apenas uma cortina de fumaça? – Espera, eu também estou preocupado. Só que me preocupo mais com a nossa segurança. Gesticulou com as duas mãos para que eu tivesse calma. – Como você sabia que eles iriam sabotar meu apartamento? Perguntei abismada me aproximando dele novamente e ele suspendeu uma de suas sobrancelhas como se eu já devesse estar a par dessa informação. – Por que acha que estou solteiro até hoje, delegada? Inquiriu cruzando os braços e eu não soube o que responder. Como assim? O que ele queria dizer com isso? – Deveria investigar mais sobre a minha vida. Sugeriu ele. [...] Sim, a resposta é sim para a pergunta que você está se fazendo. Eu pesquisei mais a fundo sobre a vida pessoal dele. Desde transferências bancárias até seus namoricos do ensino fundamental. A primeira namorada, Glenda Stewart, ensino médio, dezesseis anos. Após o sequestro dos Zervas, Glenda também desapareceu como fumaça. A segunda, Kylie Mann, vinte e dois anos, Eros estava lutando enquanto ela foi brutalmente assassinada após um assalto. Um assalto bem esquisito onde só levaram seu anel de compromisso. Quase como se sinalizassem que a culpa era de Eros. A terceira e suposta namorada, eu. Sophie Welsh, vinte e cinco anos, estava com Eros quando (após ver as imagens das câmeras de segurança eu pude ter acesso a essa informação) dois homens mascarados entraram em seu apartamento. Alguém estava tentando de qualquer maneira atingir Eros. Mas por que ele e não Daphne? Ou Linux? Tudo bem, Linux estava doente, mas ainda sim Eros não era o único. E se fosse apenas por vingança, Ayaan teria ido direto em Marie e Dimitri. Tudo isso estava muito estranho e eu nem mesmo ainda tinha aberto os resultados que chegaram em meu e-mail. Eu não sabia o motivo, mas não conseguia abri-los. Tinha mandado o cabelo de Eros para a análise e agora a culpa por ter feito isso estava me consumindo. Se tiver traços de droga eu posso dar voz de prisão a ele, mas se não tiver já é uma grande prova para a sua inocência. Meu profissionalismo estava sendo posto à prova e eu estava perdendo. – Sophie, você é destra ou canhota? Eros me perguntou em uma das tardes em que estavamos nos deslocando em um motorhome para sua próxima luta. Ele me jogou uma latinha de cerveja e eu peguei abrindo e dando um gole. – Destra. Por quê? Perguntei e ele deu de ombros abrindo também uma latinha e dando um gole. – Eu sou canhoto, igual o meu pai. Ele dizia que era ambidestro, mas toda vez que tentava escrever com a mão direita parecia até coisa de outro mundo. Seu comentário me fez quase cuspir a cerveja em uma risada. – Mas ele era mesmo ambidestro? Perguntei curiosa. – Com armas, golpes e outras coisas, sim. Mas escrever definitivamente não. Ele mesmo riu ao dizer aquilo e eu fechei o computador onde eu terminava minha pesquisa sobre sua vida. – Mas qual é a desse assunto agora? Me virei para ele que estava sentado em uma das poltronas perto da janela e ele deu de ombros. – Dizem que canhotos são mais atrasados intelectualmente. Comentou como se aquilo não fosse um pensamento preconceituoso e muito arcaico que os antigos enfiavam na cabeça das crianças para forçar todos a serem iguais. Fiz uma careta e dei mais um gole na cerveja. – Qual é, isso já foi desmentido pela ciência... Expliquei e ele não pareceu muito afetado com esse meu comentário, como se nada mudasse o que estava se passando em sua mente agora. – Sabe, o mundo foi feito para os destros. Mesas, cadernos, carros, tudo. E isso faz com que nós tenhamos que nos adaptar. Calmo ele explicou observando a paisagem pela janela do motorhome. – Por que está me dizendo isso, Eros? Franzi o cenho desconfiada. – Delegada, qualquer que seja o meu fim, pode ter certeza que eu vou dar um jeito de me adaptar. Não se preocupe demais comigo. Sorriu para mim com aquele seu sorriso falso que ele sempre apresentava para as câmeras e entornou de uma vez só sua cerveja. Você mente muito m*l. – E quem disse que eu estou? Suspendi uma de minhas sobrancelhas vendo ele se levantar e andar pelo corredor do ônibus. – Seu histórico no Google prova o contrário. Disse ele entrando no banheiro e rindo, então eu finalmente me dei conta do que ele estava falando. – Merda... para de mexer nas minhas coisas, Eros! Gritei ouvindo ele rir.
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