Prólogo
Fernando Mendez
Mais um dia normal se inicia em minha vida, acordar cedo, fazer minha higiene, tomar um banho gelado e me trancar em meu escritório para editar fotos e mais fotos.
Ser fotógrafo era meu sonho desde muito moleque, quando ganhei minha primeira câmera com apenas oito anos dos meus pais, lembro muito bem da máquina, ela foi lançada em 1997, não era boa como as muitas que temos hoje em dia, mas a Kodak lançou a DC210, a primeira câmera digital com resolução de um megapixel, eu fotografava tudo que via pela frente, ainda tenho a câmera, é uma lembrança boa dos meus pais. Ela fica guardada junto de tantas outras que adquiri nesses meus últimos anos, fica em meu closet em uma parte toda de vidro, elas são meus xodós.
Sento em minha cadeira e começo a editar as fotos tiradas ontem de alguns modelos de uma marca de roupa muito famosa. Não é por nada não, mas eu sou muito bom no que eu faço.
Horas depois, algumas fotos já estão prontas e ao olhar para o meu computador distraído vejo a pasta com fotos da minha família, que são meu irmão mais velho Felipe, sua filha Ana Júlia, uma linda menina de apenas um aninho, e sua esposa, Karla, que infelizmente descobriu um câncer a uns meses atrás, e agora ela tenta lutar para acabar com esse maldito câncer. Eu amo minha cunhada, ele é muito boa para o meu irmão, quando nossos pais morreram em uma queda de avião quando eles estavam indo comemorar seus 20 anos de casados, ele quase não aguentou, entrou em depressão, fiz tudo para o ajudar, mas foi Karla chegar para toda a sua vida voltar a fazer sentido novamente, o brilho nos olhos que ele tinha perdido, voltou, ainda mais quando sua filha nasceu, uma grande extensão do amor deles. Na época ele tinha 20 anos, eu estava para completar meus 18, e durante esse tempo eu tive que cuidar dele, mas Karla chegou e ajudou, eu vi a felicidade deles de perto, o amor que eles tinham um pelo outro, então comecei meu curso de fotografia e anos depois eu estava me mudando para minha própria casa, Karla e Felipe se casaram e foi uma festa e tanto, e ano passado Ana Júlia nasceu, foi como se o mundo de todos nós mudasse, ela era uma luz em nossas vidas, eu amo aquela pequena.
E meu irmão também, eu o amo muito, quando papai e mamãe se foram, eu me senti sozinho e muito confuso, estava descobrindo quem eu realmente era, e vi que gostava tanto de meninas, quanto de meninos, e meu mundo estava quase explodindo, pensei que meu irmão fosse me odiar, que ele quisesse me afastar dele, mas com coragem lhe falei tudo, como foi a primeira vez que olhei para algum menino com outros olhos, e para minha surpresa ele me entendeu, me aceitou, e ainda disse que me amava, não importa com quem eu esteja.
Mas apesar de ele ter me aceitado, eu estava receoso, nunca antes tinha de fato ficado com algum menino, apenas admirava a beleza deles de longe, mas então eu tive minha primeira vez com um, foi bom, ainda namoramos, dos meus 19 anos até os meus 20, quase um ano juntos, mas não deu certo, e desde então só tive mais um relacionamento sério com uma menina da faculdade, mas também não passou mais de um ano, desde estão, estou solteiro, apenas focando no meu trabalho que está cada vez mais requisitado.
Meu celular vibra na mesa e pego o mesmo desviando meus olhos da foto no computador.
“Irmão, estou indo aí, preciso falar com você.”
Uma mensagem de Felipe. Estranho, era para ele está em casa com Ana, amanhã ela iria vir para cá para ele ir ao hospital com Karla. Será que aconteceu algo? Sinto meu peito se apertar, uma sensação angustiante tomar conta de mim. Levanto, saindo do meu escritório e vou até a cozinha, bebendo um copo de água sigo para a sala, sento no sofá e fico um pouco apreensivo com o que pode ter acontecido.
Deito minha cabeça no encosto do sofá e sinto minhas mãos trêmulas, Deus, acho que posso enfartar antes que ele chegue aqui.
A campainha soa e sigo apressado para a porta.
Felipe está com minha pequena em seus braços e logo que ela me ver balbucia um monte de palavrinhas desconexas, estendendo seus bracinhos para mim, como ela ainda não sabe falar nada que não seja "mida", que quer dizer comida, morro de rir quando ela está com fome e fica repetindo essas palavrinhas várias e várias vezes, a pego no meus braços com um sorriso e beijo seus cabelos ralinhos e loiros, igual aos meus e do seu pai.
Mas o sorriso morre ao olhar para os olhos vermelhos de Felipe, meu corpo paralisa, lágrimas vindas aos meus próprios olhos. Ele funga alto e se joga em meus braços, agarrando-me e a Ana também em um abraço apertado, é como se ele nunca mais fosse nos ver. Choro forte, sabendo o que aconteceu, e temendo pelo que vai acontecer com Felipe.
- Irmão? - O chamo, e ele n**a com a cabeça ainda em meu ombro, me apertando mais forte, Ana deita sua cabecinha em meu outro ombro, escondendo-se em meu pescoço, começando um choro fininho, como se entendesse o que está acontecendo.
- Ela se foi Fernando, ela me deixou, não sei se posso aguentar. Não posso...não sei viver sem ela. - Seu choro sofrido tira lágrimas de mim, meu Deus, o que faço?
- Irmão, lembra de Ana, você tem que ser forte por ela.
- Ana. - Ela fala seu nome baixinho, como se estivesse longe. - Amo minha menina, por isso não posso deixar que ela viva uma vida amargurada ao meu lado. - O que ele está falando?
- Como assim Felipe? O que está pensando? - Nesse momento só sinto medo. Meu corpo todo treme.
- Já providenciei tudo, Karla foi enterrada a algumas horas atrás, ela morreu de madrugada. - Sua voz sai entrecortada, como se ele estivesse sentindo dor apenas em lembrar esse fato. Meu Deus, ela se foi mesmo. O que vai ser do meu irmão? Da minha pequena sobrinha?
Ele levanta sua cabeça, se afastando, mostrando a bolsa de Ana em suas mãos.
- Aqui tem tudo o que ela vai precisar durante esses dias, aqui, - Ele me estende uma chave, a de sua casa. - Passei a casa para o nome dela, e todo meu dinheiro também, só você pode mexer, ou ela mesma quando tiver maior idade. - Ele morde os lábios forte, e meu choro intensifica. O que esse i****a está pensando? - Na bolsa tem uma carta, entregue a Ana quando você achar que for a hora certa. Eu amo vocês, mas eu tenho que ir. Pegue o restante das coisas de Ana em casa, sei que ela vai ficar bem com você. Pode vender a casa depois se quiser, ou deixe para Ana quando ela se tornar adulta.
- O que você está pensando em fazer? Porque está dizendo essas coisas? Você está louco Felipe? Ana precisa de você. - Meus olhos estão turvos pelas lágrimas, entendimento caindo em meus ombros como uma maldita bomba, esmagando tudo a sua frente. - Eu preciso de você...
- Eu não posso suportar a dor irmão, é mais forte que eu.
- Não! Não diga isso, podemos enfrentar isso juntos Felipe, como sempre fizemos, não acabe com tudo assim, sua filha...
- Minha Ana ficará bem ao ter você.
- Você não sabe de merda nenhuma!!!
Ele me olha, chorando e eu seguro sua camisa com minha mão livre.
- Não pense nisso p***a, você não pode me deixar, deixar sua filha. Não pode. - Soco seu peito. - NÃO PODE FAZER ISSO COMIGO!
Grito, e Ana que dormia, começa a chorar, me fazendo chorar ainda mais, Felipe tem seus olhos tristes e cheios de lágrimas olhando para nós.
- Desculpe. - Ele beija minha testa, e a de Ana, enquanto ela chora querendo seu colo.
- Por favor irmão, não faça isso. - Imploro já sem forças.
Ele me olha por alguns segundos e me dá as costas, saindo pela porta, e indo em direção ao carro, entra nele e dar partida, não se importando com meus gritos e choro de Ana.
- FELIPE!
MERDA. NÃO, O QUE AQUELE IDOTA PENSA QUE VAI FAZER?
Caio sentado no chão, agarrado ao corpo de Ana, meu choro intenso fazendo minha pequena chorar ainda mais desesperada.
O que eu vou fazer?
Como posso sobreviver a isso também?