Capítulo 6 – No Mundo Dele, Eu Sou a Fraqueza

857 Words
Depois daquela noite no galpão, eu soube que já não tinha mais volta. Eu não era só a menina da escola, nem a garota com problemas em casa. Agora, eu era a menina do Gabriel Matias. E o mundo dele sabia disso.0 No dia seguinte, bastou eu colocar o pé na escola pra perceber. As pessoas olhavam diferente. Sussurravam. Os garotos que costumavam olhar já não olhavam mais. E as meninas… bom, algumas me invejavam. Outras me odiavam. “Ela é dele”, eu ouvi uma delas dizendo. Era como se eu tivesse um carimbo na testa. Como se todo mundo já soubesse que meu corpo, minha boca, meu tempo... tudo tinha um dono. E o pior? Eu não me importava. --- Na hora do intervalo, recebi uma mensagem. > Gabriel: “Sai agora. Tô na moto. Preciso de você.” Simples assim. Nem perguntei onde. Nem por quê. Só fui. Deixei tudo pra trás — mochila, caderno, explicações — e corri até a saída. Ele estava lá. Capacete preto na mão, camiseta branca, tatuagens à mostra. Um pecado em forma de homem. Subi na garupa sem dizer uma palavra. Ele acelerou. E de novo, eu me deixei levar. --- Dessa vez, ele me levou pra um lugar que eu nunca tinha visto. Era afastado, quase como um sítio. Uma casa simples, mas bonita, cercada por árvores e um portão de ferro. — Que lugar é esse? — perguntei. — Meu refúgio. Onde ninguém me cobra. Onde eu sou só… Gabriel. Ele tirou o capacete e entrou. Eu o segui, ainda meio em choque. Dentro, a casa era limpa, organizada, com cheiro de madeira e lavanda. Ele me olhou. — Você confia em mim? Pensei por um segundo. — Não sei. Ele riu, e foi até a cozinha. Pegou duas águas, voltou e me entregou uma. — Então eu vou te dar motivo pra confiar. --- Sentamos no sofá. O silêncio não era desconfortável, mas cheio de tensão. — Esse lugar é só seu? — Era da minha avó. Ela me criou. Morreu tem dois anos. Desde então, venho aqui quando preciso lembrar que ainda sou humano. Fiquei em silêncio. Era a primeira vez que ele se abria assim. — Por que você me trouxe aqui? — Porque eu preciso de paz. E você é minha paz, mesmo sem saber. Meu coração acelerou. Ele nunca tinha falado desse jeito. Não mandando, não controlando. Só… falando. — Você não tem medo que eu me aproveite disso? — Eu tenho medo de te perder. E isso é pior. Silêncio. — Você diz que me quer, mas sempre some. Sempre me testa. — Porque se eu me apegar demais, você vira minha fraqueza. E no meu mundo, fraqueza é sentença de morte. — Então por que me envolve? — Porque já era tarde quando percebi. Você já tava aqui — ele apontou pro peito — e eu não consegui mais tirar. Respirei fundo. Me aproximei. — E se eu disser que eu tô sentindo o mesmo? Ele me olhou. Não com luxúria. Mas com medo. Medo de acreditar. — Então eu vou proteger isso com tudo que eu tenho. Mesmo que o mundo desabe. --- Ficamos ali por horas. Falamos sobre a infância, a rua, a vida difícil. E aos poucos, o Gabriel bandido foi dando espaço ao Gabriel homem. Aquele que tinha sonhos, dores, lembranças. Quando a noite chegou, ele me levou pro quarto da avó dele. — Dorme aqui hoje. Eu fico na sala. — Por quê? — perguntei, surpresa. — Porque se eu dormir do seu lado, não vou saber parar. Meu corpo arrepiou inteiro. Mas eu não queria que ele parasse. --- — Fica. — pedi. — Dorme comigo. Ele travou. — Você tem certeza? Assenti. Ele entrou, deitou devagar, me puxou pra perto. Nenhuma palavra foi dita. Nenhum beijo dado. Só dois corpos se abraçando no escuro, tentando respirar juntos, como se o amanhã fosse uma bomba prestes a explodir. E naquele silêncio, eu ouvi o que ele nunca disse: “Eu te amo.” Mesmo que ele nunca diga em voz alta. --- De manhã, acordei antes dele. Observei seu rosto. Tão calmo, tão… diferente. Pensei em como a vida era louca. Como um tiro poderia ter nos separado. Como a violência poderia ter nos impedido de nos encontrar. Mas ali, na simplicidade de um lugar escondido, com um homem quebrado dormindo ao meu lado… Eu encontrei paz. E talvez, amor. --- Mas a paz não dura muito no mundo do crime. Assim que voltamos pro morro, os olhares mudaram. Um dos homens de confiança de Gabriel se aproximou enquanto ele me deixava em casa. — Chefe... deu merda. Precisamos conversar. Agora. Gabriel fechou a cara. Virou pra mim. — Entra. Tranca a porta. Não abre pra ninguém. — O que tá acontecendo? — Guerra. E foi a última coisa que ele disse antes de sumir morro abaixo. --- E eu? Fiquei ali. Com o peito em chamas, o coração nas mãos, e o medo tomando conta. Porque eu sabia que agora… Se algo acontecesse com ele, eu nunca mais seria a mesma.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD