Capítulo 29 – Sob Pressão

737 Words
Os prints se espalharam. As páginas de fofoca aumentaram. O nome “Amanda, a Rainha do Morro” virou manchete. Mas não era admiração. Era julgamento. E o pior? Vindo de gente que nunca subiu um barraco. Gente que nunca passou fome. Gente que nunca viu a guerra sem filtro. --- — Eles tão tentando te criminalizar — Rosa disse. — Tão tentando transformar minha história em roteiro de bandido. — E se a polícia vier com tudo? — Que venha. Mas eu vou mostrar quem eu sou antes que inventem uma versão de mim. --- A tensão crescia. O posto de saúde parou de receber doações que Amanda mandava. O cursinho comunitário que Gabriel bancava com dinheiro da quebrada teve a luz cortada. A cidade queria apagar a favela. E tava começando pela liderança. --- Gabriel começou a considerar a fuga. — A gente vai acabar preso. Ou pior, Amanda. — E se for pra fugir, a gente perde tudo. — E se for pra ficar, a gente morre? Silêncio. — A gente não pode deixar que eles transformem a gente nos vilões dessa história. — Mas a gente também não é santo. — Eu sei. Mas eles não estão atrás de justiça. Tão atrás de controle. --- Naquela noite, recebi outra mensagem anônima: > “O juiz já foi pago. Não adianta correr. Teu nome vai estar no papel.” Congelou o sangue. Não porque era surpresa. Mas porque agora era oficial: iam usar a lei pra me enterrar. --- Gabriel me olhou sério: — A gente vai precisar tirar o dinheiro das contas. — Passar os negócios pra outros nomes. — Isso é agir como culpado. — Não. É agir como quem não quer perder tudo pra quem nunca construiu nada. --- Rosa me puxou num canto, mais tarde. — Cê lembra da Dona Anésia? — A parteira? — Ela foi presa nos anos 90 por "tráfico de remédios". Mas ela só ajudava mulher a parir com dignidade. — Lembro sim. — Então. Ela me disse uma coisa que eu nunca esqueci: > "Quando o Estado quer te tirar do mapa, ele não precisa de arma. Ele só precisa de carimbo." --- Sentei sozinha na laje naquela madrugada. Olhei a cidade lá embaixo. A vista que antes me dava força… agora me dava medo. Porque não era mais o morro que me ameaçava. Era o mundo lá fora. --- — Amanda — Gabriel me chamou com voz baixa. — Tão dizendo que vão mandar um mandado. — De prisão? — Não. Ainda não. De busca. Meu estômago virou. — Quando? — A qualquer momento. --- Corri pro barraco. Escondi documentos. Queimei cadernos antigos. Zerei celular. Mas uma parte de mim sentia: Não importa o quanto eu limpe… Eles já me enxergam como suja. --- Na manhã seguinte, bateram na porta às 7h. Polícia civil. Mandado na mão. — Amanda Rodrigues? — Sou eu. — Temos autorização pra entrar e revistar. — Com licença. Não gritei. Não reagi. Olhei nos olhos de cada um. Como quem sabe que já morreu muitas vezes… e renasceu em todas. --- Vasculharam tudo. Roupa. Sapato. Quadro. Livro. Levaram o notebook. Levaram fotos. Mas o que não conseguiram levar foi minha história. E nem a coroa. --- — Encontraram alguma coisa? — perguntei. — Por enquanto, não. — Então vou seguir meu dia. — Você pode ser chamada pra depor. — Quando quiserem. Eu não fujo. Eu encaro. --- O morro tava em silêncio. Como se tivesse medo de falar meu nome. Mas quando subi até a quadra, quatro meninas se aproximaram. — Cê que é a Amanda, né? — Sou. — A gente viu você falando naquele vídeo. — A gente achou forte. — Obrigada. — É que… a gente achava que você era tipo vilã. Mas agora, a gente acha que cê é só… humana. --- Sorri. Mas por dentro, chorei. Porque ser humana naquele lugar… é o mesmo que ser alvo. --- — Eles podem tirar tudo de mim, Gabriel. — Mas não vão tirar isso. — Isso o quê? — O fato de que agora, tem menina me vendo como espelho. E não como ameaça. — E é por isso que eles querem te apagar. — Porque mulher que vira símbolo… incomoda mais do que homem armado. --- E se é pra ser símbolo… Que seja de coragem. De revolta. E de realeza nascida no barro.
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