Darlan se foi.
Desceu sem gritar, sem atirar.
Do jeito que covarde vai: calado.
Mas o silêncio dele…
é o pior tipo de barulho.
Porque quando o inimigo some,
você nunca sabe se ele morreu ou tá só esperando a próxima chance.
---
No morro, ninguém falou dele depois da queda.
Era como se nunca tivesse existido.
Mas eu sabia:
— Essa paz tá errada — falei pra Gabriel.
— Por quê?
— Porque ela veio rápido demais.
— Talvez seja só alívio, Amanda.
— Ou talvez seja medo do que vem depois.
---
Na quarta-feira, recebi uma ligação da Dona Jandira.
— Amanda… tem dois homens de terno aqui perguntando por você.
— Como assim?
— Disseram que são da polícia civil.
Congelou tudo dentro de mim.
— O que eles querem?
— Não disseram. Só mostraram umas fotos do evento da comunidade.
E uma da sua reunião na quadra.
— Eu já tô indo.
---
Cheguei na casa da Dona Jandira em menos de dez minutos.
Vi o carro preto, os dois engravatados e o olhar deles…
frio. Cansado. Calculado.
— Amanda Rodrigues?
— Sim.
— Podemos conversar?
— Aqui mesmo?
— Aqui mesmo.
---
Eles mostraram as fotos.
Uma minha falando com o povo.
Outra com Gabriel ao fundo.
E uma terceira… com Darlan, antes da queda.
— Você sabe onde ele está?
— Não.
— Vocês tiveram algum conflito?
— Quem não teve com ele?
— Dizem que ele sumiu por sua causa.
— Dizem muita coisa. Mas vocês têm prova?
Um deles sorriu. Frio.
— Ainda não.
— Então eu sou só mais uma cidadã.
— Uma cidadã que virou líder num dos morros mais temidos da cidade.
— Eu virei líder porque sobrevivi.
Não porque pedi o trono.
---
Quando foram embora, o peito apertava.
Gabriel chegou logo depois.
— Eles vieram aqui também — ele disse.
— Eles vão voltar.
Tão tentando achar rastro de crime na nossa sombra.
— E acharam?
— Por enquanto, só perguntas.
— Então vamos dar respostas que não incriminam.
---
Naquela noite, sentei na varanda.
Olhei o morro.
Tava calmo demais.
E o problema do morro é que quando tudo tá calmo, é porque alguém tá armando.
---
— Amanda — Rosa me chamou pelo zap.
> “Precisa ver isso.”
Era um print.
Um post de uma página policial do i********:.
> “Rainha do Morro investigada?
Polícia abre inquérito sobre desaparecimento de ex-líder da comunidade após embate com atual liderança feminina.”
E uma foto minha.
De frente.
Cabelo solto, olho duro.
A mídia voltou.
E agora… com sangue nos dentes.
---
— A gente precisa se antecipar — falei pra Gabriel.
— Fazer o quê?
— Limpar tudo.
Contar nossa versão.
E começar a organizar saída se for preciso.
— Você quer fugir?
— Quero viver.
---
Mas no fundo…
eu não queria ir.
Eu lutei demais pra conquistar o que tenho.
Eu fiz guerra com mulher na frente.
Fiz revolução com amor como munição.
E agora… vão me pintar de vilã.
---
No dia seguinte, recebi uma mensagem anônima:
> “Você subiu demais, rainha.
Tá na hora de cair.”
Dessa vez não era bilhete.
Não era ameaça no muro.
Era aviso de gente que tinha acesso.
Gente que tava dentro.
---
Reuni Nando, Rosa, dois dos antigos aliados e Gabriel.
— Tem dedo de polícia, de mídia e de traidor nisso.
— E o que vamos fazer?
— A gente vai mostrar o que sempre mostrou:
que quem tentar apagar a rainha… acaba sendo queimado pelo trono.
---
Postei um vídeo.
Falei direto, sem gíria, sem corte.
> “Eu sou Amanda.
Sobrevivi ao fogo, à traição, à perda e à guerra.
Não sou santa.
Mas quem me julga…
que tenha vivido o que eu vivi.”
Explodiu.
Mais de 30 mil visualizações em uma hora.
Nos comentários:
gente me defendendo, gente me atacando.
Mas o mais importante: gente me ouvindo.
---
— Isso pode te ajudar ou te ferrar mais ainda — Gabriel disse.
— Eu não tenho mais o que esconder.
— E se for pra cair…
que seja de pé.
---
Naquela noite, sonhei com meu pai.
Ele sorria, no portão de casa, dizendo:
> “Quem nasce pra ser vento… nunca se prende.
E você, minha filha, é furacão.”
Acordei com lágrimas no rosto.
Mas com o coração mais firme.
Porque mesmo que tentem tirar tudo de mim…
ninguém tira o que eu me tornei.