Capítulo 24 – Traíra de Dentro

896 Words
Desde o bilhete, desde a parede pintada, desde o boneco pendurado… eu já não confiava nem no silêncio. Porque o silêncio também mente. E eu sentia: tinha alguém aqui dentro me vendendo. --- — Gabriel, tem alguém passando informação pra fora. — Não foi a Bruna que escreveu aquela frase na laje. — Foi alguém daqui. — Eu sei — ele respondeu. — E eu já tenho um nome. — Quem? — Rodrigo. Fiquei em choque. — O Rodrigo que ajudava na segurança? — O que ficou do nosso lado na guerra? — Ele mesmo. — Mas depois que o irmão dele foi preso, ele ficou estranho. — Isso não prova nada. — Eu sei. Mas hoje à noite a gente testa ele. — Como? — Com uma armadilha. --- Naquela noite, Gabriel marcou uma “reunião falsa”. Só ele, eu, Nando e Rodrigo sabiam. Falamos que íamos nos encontrar num beco, pra tratar de segurança. A ideia era simples: se alguém atacasse… o vazamento era ele. --- Fui pro encontro com o coração na garganta. Rodrigo chegou primeiro. Sorriu, como sempre. — E aí, rainha. Tudo bem? — Tudo, e você? — De boa. Estranho esse lugar pra reunião, né? — Segurança nova, né? A gente se adapta. Ele deu uma risada. Mas tinha algo nos olhos dele. Insegurança. Ou culpa. Ou medo. --- Dez minutos depois, dois tiros foram disparados na entrada do beco. A gente se jogou no chão. Nando revidou, e Gabriel correu pra proteger a saída de trás. — Fica aqui! — ele gritou. Rodrigo parecia em choque. — QUE ISSO, MANO? QUE TÁ ACONTECENDO? — Boa pergunta — respondi. --- Depois de tudo, não pegamos ninguém. Mas sabíamos o que era: um aviso. Ou uma distração. Naquela mesma madrugada, o mercadinho do Jorge foi assaltado. Levaram comida, dinheiro… e deixaram outro bilhete. > “A coroa pesa, e você tá ficando fraca pra carregar.” --- — É ele. — Gabriel disse no carro. — É o Rodrigo. — A coincidência é grande demais. — Ele tá com medo agora. — Ótimo. Porque quem tem medo… escorrega. — E se a gente tiver errado? — Então a gente pede desculpa. — Mas antes disso… a gente vive. --- No dia seguinte, fui até a casa da mãe do Rodrigo. Não como Amanda. Mas como a Rainha do Norte. — O Rodrigo tá? — Saiu cedo. Por quê? — Só queria conversar com ele. — Sobre... lealdade. A mãe dele me olhou estranho. — Meu filho é bom, dona Amanda. — Não se meta com ele. — Diga isso pra quem o protege. Ela fechou a porta na minha cara. Sinal de que eu tava certa. --- À noite, Rodrigo não apareceu no ponto de encontro. Nem no dia seguinte. Nem no outro. E então, descobrimos: ele fugiu. Deixou o barraco vazio. Levou só uma mochila. Sumiu do mapa. --- — Isso confirma tudo — Gabriel disse. — Agora é oficial: temos traíra no nosso histórico. — Ele não tava sozinho. — Eu sei. Mas ele era o primeiro. — E o próximo? — Vai ser o pior. — Porque o segundo traidor… sempre tenta ser mais inteligente que o primeiro. --- Naquela mesma semana, começaram as mensagens anônimas nas redes sociais: > "A rainha do morro anda armada, mas o coração dela é de vidro." > "Gabriel tá sendo traído por quem ele mais protege." > "O fim do reinado começa por dentro." As mensagens viralizaram. Algumas páginas de fofoca começaram a postar sobre “a nova rainha da favela”. E o que era medo… virou fofoca. E fofoca destrói. --- — A gente precisa de ação, Gabriel. — Mostrar que ainda manda. — Já pensei nisso. — E então? — Vamos subir o morro amanhã. — Vamos reunir o povo. — Mostrar que a gente ainda tá aqui. — Com sangue no olho… e arma na mão. --- Na manhã seguinte, o sol nem tinha nascido quando fomos pra quadra do campo. Chamamos geral. Moradores, vendedores, olheiros, parceiros, vizinhos. Gabriel subiu no parlatório. E eu, do lado dele, ergui a cabeça. — Eu sei que tem gente aqui que queria ver a gente caindo. — Eu sei que tem gente que sentiu saudade da Bruna. — Mas deixa eu lembrar uma coisa pra vocês: Ela perdeu. E vocês tão vivos porque ela perdeu. Silêncio. Continuei: — Quem estiver do meu lado… vai andar com a cabeça erguida. — Quem for covarde… que fuja agora. — Porque se eu descobrir quem tá passando informação… — Não vai ter perdão. O morro escutou. E o recado foi dado. --- Depois disso, as mensagens sumiram por um tempo. Mas o medo ficou. E em mim… cresceu uma raiva diferente. Silenciosa. Sólida. Calculada. --- Naquela noite, deitada ao lado do Gabriel, falei baixo: — Eles acham que eu sou fraca porque amo você. — E você é? — Não. — É porque eu amo que eu sou perigosa. — Porque se tocarem em você… eu viro monstro. Ele sorriu, com os olhos fechando de sono. — Então me promete uma coisa. — O quê? — Se você virar monstro… — Que seja comigo. — E não contra mim. — Prometo. Mas, no fundo… Eu não tinha certeza se conseguiria cumprir. Porque no morro… até o amor é uma ameaça.
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