Capítulo 35 – A Sombra Dentro da Coroa

770 Words
O vídeo do Darlan ecoava dentro de mim. Não pela ameaça. Mas pelo tom. Ele ria. Como quem já sabia onde ia atacar. Como quem já tinha entrado sem ninguém notar. --- — Ele tá blefando — disse Gabriel. — Darlan não blefa. — Ele só avisa o que já começou. — A gente vai fazer o quê? — Reunir todo mundo. Agora. --- Naquela noite, a quadra encheu. O povo veio em silêncio. Não precisava de grito. O medo já falava alto. Subi no palco de madeira e respirei fundo. — O passado voltou. — Mas agora a gente tem futuro. — E eu não vou deixar ele ser apagado. --- Nando tomou a frente: — Cês sabem que Darlan quer retomar com força, né? — A gente sabe. — Então precisa de proteção. — De vigia, de estrutura. — A gente tem estrutura — falei. — Mas será que tem lealdade? Silêncio. --- Foi ali que senti. Tinha alguém com ele. Alguém aqui. Dentro. --- Mais tarde, Rosa me puxou num canto: — O Anderson sumiu desde segunda. — O da rádio? — Ele mesmo. — Ele tava com a gente no conselho… — Pois é. Mas a senha da rádio foi trocada ontem. Engoli seco. — Você acha que ele…? — Eu acho que o inimigo não vem de farda. Vem de boné torto e fala mansa. --- Na manhã seguinte, a rádio saiu do ar. Tela preta. Depois, um único som: o riso do Darlan. A favela ouviu. O povo calou. E o medo voltou a respirar alto. --- Gabriel estourou a porta do estúdio. — Não tem nada aqui. — Ele limpou tudo. — Ou alguém limpou por ele. --- Subi no alto do morro sozinha. Olhei a cidade. O céu carregado. As ruas em silêncio. E minha mente… um grito engasgado. Fechei os olhos. E pensei: > "Se querem a guerra, que venham. Mas eu não vou descer. Eles que subam." --- Na noite seguinte, chegou uma carta sem remetente. Dobradinha. Sem assinatura. Dentro, só uma frase: > “Tem cobra no conselho.” --- Rosa sugeriu pausa nos encontros. — A gente precisa saber quem tá com quem. — Pausar é dar espaço pra eles. — E continuar é abrir o coração pra faca. — Então a gente vai usar colete. Ela sorriu. Mas era sorriso de nervoso. --- Convocamos nova reunião. Mas dessa vez, sem aviso público. Só os de confiança. Ou os que a gente achava que eram. Gabriel, Rosa, Nando, Camila. E mais dois. Anderson não apareceu. Mas mandou mensagem. > “Tô resolvendo problemas. Tô com vocês.” Mentira. E doía aceitar isso. --- — Amanda, o que a gente faz se ele subir com tropa? — Camila perguntou. — A gente não tem arma. — Mas tem voz. — Voz não para bala. — Para sim. Se for muitas. --- A decisão foi tomada: abrir microfone. Gritar antes que atirem. Fazer o mundo ouvir. --- Montamos caixas de som nos postes. Puxamos fio por fio. Camila ligou o primeiro gravador. — Vai ser a favela contra a mentira. E o primeiro programa foi ao ar: > “Aqui é Camila, filha da favela. Não sou Amanda, mas sou cria dela. E se Darlan acha que vai voltar mandando… que tente subir. A favela agora é nós. E nós não se abaixa.” --- O vídeo viralizou. E junto com ele, a resposta. Na manhã seguinte, no muro da escola: > “Camila vai pagar.” --- O clima pesou. De novo. Mas Amanda… não era mais só Amanda. --- Chamei a imprensa. A mídia chegou rápido. Eles queriam o furo. Eu dei. — Vocês gostam de falar de favela como guerra, né? Então agora falem da nossa paz sendo ameaçada. — Darlan voltou? — Ele nunca foi. Só tava esperando a gente se distrair com progresso. — E agora? — Agora a favela tá acordada. --- A matéria saiu no dia seguinte. Primeira página. > “Comunidade organizada resiste a tentativa de retomada criminosa.” E o melhor: sem sensacionalismo. Sem distorção. Sem sangue. Só o retrato de um povo… se unindo. --- Gabriel veio até mim com lágrimas nos olhos. — Você virou referência. — Eu virei o alvo. — Mas também virou escudo. — E eu aguento. — Até quando? — Até todos estarem prontos pra reinar sozinhos. --- À noite, sentei no mesmo canto da laje de sempre. O céu nublado. As luzes da cidade piscando. E pensei: > “Eles querem que eu caia. Mas esquecem… que eu não sou torre. Sou fundação.”
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