Capítulo 36 – Quando a Favela Grita

639 Words
Grita Acordei com gritos. Não era tiroteio. Não era festa. Era revolta. --- Desci correndo a escada da laje e vi Gabriel já no portão. — Que aconteceu? — Atacaram a rádio. — Como assim? — Quebraram tudo. Arrancaram fio. Jogaram tinta nos equipamentos. — Alguém viu quem foi? — Três de moto. Capacete. Fugiram sem deixar rastro. Mas a mensagem foi deixada: > “Silêncio pra quem desafia.” --- Camila chorava na porta do estúdio. — Eles querem calar a nossa boca. — Mas não vão — respondi. — Amanda… isso é culpa minha. — Culpa de quem quer dominar com medo. — E agora? — Agora a gente vai gritar mais alto. --- Naquela noite, reativei meu perfil principal. Aquele com milhões de seguidores. Que eu evitava usar por segurança. Mas segurança já não existia mais. Gravei um vídeo. Sem filtro. Sem maquiagem. Com raiva no olho. — Destruíram nossa rádio. — Mas não destruíram nossa voz. — A favela não vai voltar pro silêncio. — Quem tenta calar… se esquece que eco não morre. — A favela… resiste. Postei. --- Dez minutos depois, o vídeo tinha meio milhão de visualizações. Nos comentários, apoio. Mas também ameaça. > “Vai morrer por arrogância.” “A rainha vai cair.” “Você não manda mais em nada.” Eu li tudo. E não abaixei a cabeça. --- No outro dia, recebi ligação da Secretaria de Direitos Humanos. — Amanda, você precisa de escolta. — A favela é minha escolta. — Mas estão te caçando. — Não vão me pegar correndo. — Vão ter que subir. E subir sabendo que aqui tem povo. --- Fui até a quadra. O povo me esperava. Olhos atentos. Uns com medo. Outros com fúria. Subi no palquinho improvisado e falei: — Eles destruíram nossa rádio. — Mas não quebraram nossa ideia. — Querem nos calar? — Vão ter que calar todos nós. --- Rosa ergueu a mão. — Então vamos fazer o seguinte: Uma caixa de som em cada esquina. Camila completou: — Voz nas ruas. Na viela. Nos becos. — Se eles atacam a rádio, a gente vira alto-falante — falei. --- Passamos o dia recolhendo alto-falantes antigos. Fios. Microfones de igreja. E à noite, o primeiro som ecoou: > “Aqui não tem dono. Aqui tem gente.” --- No mesmo dia, uma criança foi ameaçada no caminho da escola. Filha de uma mulher do conselho. Era recado. Era aviso. Era covardia. --- Fui até a mãe. Ela tremia. — Amanda… eles vão matar minha filha. — Não vão. — Eu quero sair do morro. — Mas sair é dar o morro pra eles. Ela me olhou com olhos cheios. — E o que eu faço? — Eu protejo. — Com o corpo, se for preciso. --- Gabriel não gostou. — Cê vai botar sua cabeça a prêmio? — Já tá. — E se for tarde demais? — Então pelo menos vou cair lutando. --- No dia seguinte, a favela amanheceu diferente. Crianças nas ruas. Mães nos portões. Rapazes vigiando o alto do morro. Todo mundo atento. Todo mundo junto. Era medo. Mas era também resistência. --- Rosa me trouxe café e disse: — Você percebe? — O quê? — Eles tentaram dividir. Mas uniram. — Tentaram calar. Mas fizeram a gente cantar mais alto. — Tentaram nos derrubar. Mas a gente… virou muralha. --- Mais tarde, recebi envelope. Sem remetente. De novo. Dentro, só uma foto. Minha. Tirada ontem. De longe. Com mira vermelha no peito. E um bilhete: > “Você fala demais. A próxima, você não fala mais nada.” --- Entreguei a Gabriel sem tremer. — A gente precisa agir — ele disse. — E vamos. Com estratégia. — Qual? — Eles querem me no chão? — Sim. — Então vão me ver… no alto.
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