Nos dias que seguiram, o morro ficou em silêncio.
Mas era aquele silêncio perigoso.
Aquele que vem antes da próxima tempestade.
Gabriel andava o tempo todo com o olhar em alerta.
E eu… tentava me encaixar num mundo que ainda não era meu por completo.
A visita da Vanessa não saía da minha cabeça.
Nem o jeito que o Gabriel reagiu ao saber.
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— Tá pensando nela ainda? — ele perguntou, me observando do sofá.
— Tô pensando no que ela disse.
— E o que foi que ela disse que ficou ecoando tanto aí dentro?
— Que o mundo ao seu redor engole quem vacila.
— E que eu não devia confiar tanto.
Ele se aproximou devagar, sentando ao meu lado.
Me puxou pro colo dele, com calma.
— Amanda… eu te escolhi.
— Isso já devia ser resposta pra qualquer dúvida que você tenha.
— E se um dia você cansar de mim?
— Eu canso do morro. Canso do corre.
— Mas não de você. Nunca de você.
Fiquei quieta.
Porque, mesmo querendo acreditar, o medo ainda dava sinais dentro de mim.
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Naquela mesma tarde, fomos juntos até a barbearia onde o irmão dele, Leo, cortava cabelo.
Assim que entrei, senti os olhares.
Um grupo de meninas do morro estavam lá.
Rindo. Cochichando.
Uma delas me encarou dos pés à cabeça.
E depois olhou pro Gabriel com um sorriso que eu odiei.
Ela era bonita. Morena, de olhos verdes, cabelo escorrido e longo.
Usava um top colado e uma calça baixa.
— Olha só quem apareceu… o chefão e a princesinha — disse ela.
— Laysa — Gabriel respondeu, seco.
— Tava sumido. Senti falta do seu olhar aqui.
Ele não respondeu. Mas eu vi.
Ela já teve algo com ele.
Meu corpo inteiro se retesou.
— Prazer, Amanda. — ela disse, estendendo a mão pra mim.
— Já ouvi falar de mim, né? — rebati, encarando.
— Ouvi. Dizem que você é a nova.
— Mas aqui no morro, ninguém dura muito tempo na realeza…
Gabriel se levantou num pulo.
O olhar dele virou gelo.
— Cuidado com o que você fala.
— Porque agora, quem toca nela… toca em mim.
Laysa sorriu, debochada.
— Relaxa, Gabriel. Só tô brincando.
Ele me puxou pela mão e saímos dali.
O sangue ainda fervia nas minhas veias.
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— Ela foi sua?
— Foi. Mas isso foi antes de você.
— E ainda mexe contigo?
Ele me olhou. Parou na rua, no meio da favela, na frente de todo mundo.
— Amanda, eu vou deixar uma coisa bem clara.
— Se você duvidar de mim de novo por causa dessas invejosas…
— Eu te tranco dentro de casa e você não sai nunca mais.
— Não é ciúme! É respeito!
— Ela me desrespeitou na sua frente e você deixou!
Ele respirou fundo, cerrou os punhos.
— Eu deixei ela sair andando. Já é muito.
— Então por que você não me defende com palavras também?
— Porque aqui, palavra não pesa. Ação pesa.
Ficamos nos encarando. As pessoas começaram a olhar.
Ele se aproximou e falou baixo, só pra mim.
— Eu não gosto de ser questionado.
— Mas eu vou aprender a lidar com isso… porque é você.
— E eu não quero te perder por orgulho.
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Voltamos pra casa em silêncio.
Na varanda, ele se sentou e ficou fumando.
Eu fiquei encostada na parede, tentando engolir o orgulho.
— Você vai ficar brava por muito tempo? — ele perguntou.
— Eu só queria me sentir segura. Com você. No seu mundo.
Ele apagou o cigarro. Se levantou.
Veio até mim e colocou a mão no meu rosto.
— Eu cresci num lugar onde amar é ponto fraco.
— Onde carinho é sinal de fraqueza.
— Mas com você, eu tô reaprendendo.
— Eu não quero que você mude quem é.
— Só quero que, comigo, você seja de verdade.
— Então me escuta:
— Eu nunca olhei pra mulher nenhuma como eu olho pra você.
— E se essa Laysa tentar encostar em você de novo…
— Eu faço ela sumir do mapa.
— Não quero que mate por mim.
— Mas eu vivo por você. E isso, nesse mundo, é mais difícil.
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Naquela noite, dormimos em paz.
A tensão dos olhares, das ex-namoradas, dos becos… tudo ficou do lado de fora.
Ali, no nosso quarto, só tinha eu e ele.
E a vontade de não se perderem um do outro.
— Você me ama mesmo? — sussurrei.
Ele não respondeu com palavras.
Só me puxou pra ele e beijou minha testa.
Depois os lábios.
Depois o pescoço.
Depois a alma.
E naquela noite…
mesmo sem ter sido um “eu te amo” falado…
foi o “eu te amo” mais real que ele já me deu.
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Na manhã seguinte, recebi uma mensagem no celular.
> “Se você acha que virou rainha… cuidado com o tombo.”
Meu corpo gelou.
Mostrei pra Gabriel na mesma hora.
Ele olhou, leu, e apenas disse:
— Nando vai descobrir de onde veio.
— E quem mandou essa mensagem… vai pagar caro.
— Tá vendo? Eu avisei que não é só te amar. É viver com medo.
— Não.
— A partir de agora, quem vive com medo são eles.
Ele se virou pra mim.
Sério.
Feroz.
— Porque quem tocar em você de novo…
— vai conhecer o lado do Gabriel que nem eu gosto de ver.
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E naquele momento, entendi.
Não era só uma guerra de territórios.
Era uma guerra por mim.
E ele não tava disposto a perder.