Capítulo 14 – Ninguém Toca no que é Meu

941 Words
Nos dias que seguiram, o morro ficou em silêncio. Mas era aquele silêncio perigoso. Aquele que vem antes da próxima tempestade. Gabriel andava o tempo todo com o olhar em alerta. E eu… tentava me encaixar num mundo que ainda não era meu por completo. A visita da Vanessa não saía da minha cabeça. Nem o jeito que o Gabriel reagiu ao saber. --- — Tá pensando nela ainda? — ele perguntou, me observando do sofá. — Tô pensando no que ela disse. — E o que foi que ela disse que ficou ecoando tanto aí dentro? — Que o mundo ao seu redor engole quem vacila. — E que eu não devia confiar tanto. Ele se aproximou devagar, sentando ao meu lado. Me puxou pro colo dele, com calma. — Amanda… eu te escolhi. — Isso já devia ser resposta pra qualquer dúvida que você tenha. — E se um dia você cansar de mim? — Eu canso do morro. Canso do corre. — Mas não de você. Nunca de você. Fiquei quieta. Porque, mesmo querendo acreditar, o medo ainda dava sinais dentro de mim. --- Naquela mesma tarde, fomos juntos até a barbearia onde o irmão dele, Leo, cortava cabelo. Assim que entrei, senti os olhares. Um grupo de meninas do morro estavam lá. Rindo. Cochichando. Uma delas me encarou dos pés à cabeça. E depois olhou pro Gabriel com um sorriso que eu odiei. Ela era bonita. Morena, de olhos verdes, cabelo escorrido e longo. Usava um top colado e uma calça baixa. — Olha só quem apareceu… o chefão e a princesinha — disse ela. — Laysa — Gabriel respondeu, seco. — Tava sumido. Senti falta do seu olhar aqui. Ele não respondeu. Mas eu vi. Ela já teve algo com ele. Meu corpo inteiro se retesou. — Prazer, Amanda. — ela disse, estendendo a mão pra mim. — Já ouvi falar de mim, né? — rebati, encarando. — Ouvi. Dizem que você é a nova. — Mas aqui no morro, ninguém dura muito tempo na realeza… Gabriel se levantou num pulo. O olhar dele virou gelo. — Cuidado com o que você fala. — Porque agora, quem toca nela… toca em mim. Laysa sorriu, debochada. — Relaxa, Gabriel. Só tô brincando. Ele me puxou pela mão e saímos dali. O sangue ainda fervia nas minhas veias. --- — Ela foi sua? — Foi. Mas isso foi antes de você. — E ainda mexe contigo? Ele me olhou. Parou na rua, no meio da favela, na frente de todo mundo. — Amanda, eu vou deixar uma coisa bem clara. — Se você duvidar de mim de novo por causa dessas invejosas… — Eu te tranco dentro de casa e você não sai nunca mais. — Não é ciúme! É respeito! — Ela me desrespeitou na sua frente e você deixou! Ele respirou fundo, cerrou os punhos. — Eu deixei ela sair andando. Já é muito. — Então por que você não me defende com palavras também? — Porque aqui, palavra não pesa. Ação pesa. Ficamos nos encarando. As pessoas começaram a olhar. Ele se aproximou e falou baixo, só pra mim. — Eu não gosto de ser questionado. — Mas eu vou aprender a lidar com isso… porque é você. — E eu não quero te perder por orgulho. --- Voltamos pra casa em silêncio. Na varanda, ele se sentou e ficou fumando. Eu fiquei encostada na parede, tentando engolir o orgulho. — Você vai ficar brava por muito tempo? — ele perguntou. — Eu só queria me sentir segura. Com você. No seu mundo. Ele apagou o cigarro. Se levantou. Veio até mim e colocou a mão no meu rosto. — Eu cresci num lugar onde amar é ponto fraco. — Onde carinho é sinal de fraqueza. — Mas com você, eu tô reaprendendo. — Eu não quero que você mude quem é. — Só quero que, comigo, você seja de verdade. — Então me escuta: — Eu nunca olhei pra mulher nenhuma como eu olho pra você. — E se essa Laysa tentar encostar em você de novo… — Eu faço ela sumir do mapa. — Não quero que mate por mim. — Mas eu vivo por você. E isso, nesse mundo, é mais difícil. --- Naquela noite, dormimos em paz. A tensão dos olhares, das ex-namoradas, dos becos… tudo ficou do lado de fora. Ali, no nosso quarto, só tinha eu e ele. E a vontade de não se perderem um do outro. — Você me ama mesmo? — sussurrei. Ele não respondeu com palavras. Só me puxou pra ele e beijou minha testa. Depois os lábios. Depois o pescoço. Depois a alma. E naquela noite… mesmo sem ter sido um “eu te amo” falado… foi o “eu te amo” mais real que ele já me deu. --- Na manhã seguinte, recebi uma mensagem no celular. > “Se você acha que virou rainha… cuidado com o tombo.” Meu corpo gelou. Mostrei pra Gabriel na mesma hora. Ele olhou, leu, e apenas disse: — Nando vai descobrir de onde veio. — E quem mandou essa mensagem… vai pagar caro. — Tá vendo? Eu avisei que não é só te amar. É viver com medo. — Não. — A partir de agora, quem vive com medo são eles. Ele se virou pra mim. Sério. Feroz. — Porque quem tocar em você de novo… — vai conhecer o lado do Gabriel que nem eu gosto de ver. --- E naquele momento, entendi. Não era só uma guerra de territórios. Era uma guerra por mim. E ele não tava disposto a perder.
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