Capítulo 37 – Subo Pra Ser Alvo, Fico Pra Ser Escudo

730 Words
Naquela noite, subi no alto da laje com o microfone velho na mão. Caixas de som ligadas. Fios improvisados. Coração acelerado. E o povo, lá embaixo, olhando. Esperando. --- — Amanda, cê tem certeza disso? — Gabriel perguntou. — Tenho. — Eles ameaçaram você. Com arma. — Então eles que mirem direito. Porque eu não vou sair daqui escondida. --- Acenei pro pessoal abaixo. Camila gravava. Rosa chorava. Nando observava calado, com os punhos fechados. E eu… eu falava. — Tentaram me matar com silêncio. Agora eu devolvo com grito. — Tentaram me enterrar. Esqueceram que eu sou semente. — Se eles querem guerra, vão ter que ouvir primeiro: a gente não tem mais medo. --- A voz ecoou pelo morro. Nas janelas. Nos becos. Nos telhados. Ninguém piscava. --- Cinco minutos depois, a luz caiu. Toda. O morro inteiro. --- Silêncio. Respiração pesada. E então… um tiro. Seco. No alto. Perto. --- Gabriel me puxou pela cintura. Me jogou no chão. Outro tiro. E outro. Mas não pra matar. Pra assustar. --- — Amanda, desce agora! — Não. — Vai morrer à toa! — Morrer escondida é pior. --- Liguei a lanterna do celular e acendi no rosto. — Tô aqui! — Amanda Rodrigues! — Rainha, sim! — Mas do povo. — E quem atirar em mim… atira em todos eles! --- Silêncio. E então, um grito do povo: > — “NINGUÉM MEXE COM A NOSSA!” Outro: > — “SE ENCOSTAR NA RAINHA, ENCOSTA NA FAVELA!” Mais e mais. Até virar um coro. E os tiros… pararam. --- Gabriel me olhava sem piscar. — Você é louca. — Eu sou livre. — Você podia estar morta. — Mas tô viva. E eles sabem disso. --- Mais tarde, sentada com Rosa e Camila na cozinha improvisada da laje, falei: — Eu precisava mostrar que eles não mandam. — E se te acertassem? — O povo não ia deixar por menos. — Mas o povo ainda tem medo. — Só até perceber que tem força. --- Camila abriu o caderno com anotações. — A gente precisa organizar melhor as rondas. — E vigiar as entradas do morro — completou Nando. — E espalhar mais caixas de som. Mais microfones. — E proteger as crianças. — Todas as mães já foram avisadas. Ninguém anda sozinho. --- Era estranho. Parecia favela em guerra. Mas a gente… não tava em guerra. Tava em construção. Era o velho tentando impedir o novo. E o novo se negando a ser calado. --- No outro dia, acordei com notícia: Gabriel foi seguido. Três caras de moto. Não atiraram. Mas chegaram perto o bastante pra avisar que estavam ali. --- — Eles tão fazendo cerco — disse ele. — Eles tão tentando quebrar a gente no psicológico. — E tá funcionando? — Não mais. --- Montei uma tenda no meio da quadra. Puxei mesa, cadeira, banner. “Posto de Proteção Comunitária” Rosa riu. — Isso é ideia de doido. — É ideia de sobrevivente. — Eles tão vindo armados. — A gente vai com papel e megafone. — E se eles rirem? — Melhor rir do que chorar. --- Camila foi a primeira a sentar. Depois as mães. Os jovens. Os professores. Cada um com uma ideia. Uma denúncia. Um relato. E cada um… com coragem. --- Aos poucos, a favela inteira começou a se reunir ali. Revezando. Contando. Revidando com palavra. --- À noite, mais um aviso: Outro bilhete no portão. > “Vocês acham que a favela é democracia. Mas aqui, quem decide é o medo.” Escrevi atrás da folha: > “Então vocês perderam. Porque a gente já decidiu.” Preguei na parede da escola. Pra todo mundo ver. --- Rosa me perguntou: — Amanda, e se Darlan aparecer mesmo? — Eu olho nos olhos. — E diz o quê? — Que o trono dele tá ocupado. Por todos nós. --- Naquela noite, no rádio improvisado, falei mais uma vez: — Eles querem fazer a gente acreditar que só há um jeito de liderar: com arma e ameaça. Mas aqui, quem manda… é quem cuida. — E quem ameaça, perdeu. Perdeu a chance de ser parte. Perdeu o povo. --- Fui dormir com o som da favela respirando. E pensei: > “A paz não é o contrário da guerra. É a coragem de continuar… mesmo com medo.”
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