O silêncio voltou a se instalar no quarto depois que o médico saiu, mas já não era o mesmo silêncio pesado de antes. Agora havia apenas a respiração compassada de Gael, mais calma, e o olhar atento de Rycon, que buscava transmitir segurança.
— Você não precisa ter medo de mim, Gael. — disse Rycon, com a voz mais suave do que estava acostumado a usar. — Sei que posso parecer assustador às vezes, mas quero que confie em mim.
O menino desviou os olhos para as próprias mãos, ainda tremendo levemente. A cicatriz em seu dedo chamava a atenção de Rycon mais uma vez.
— A mamãe diz que... quando a gente tem medo, precisa olhar para quem está do nosso lado de verdade. — murmurou Gael, quase como se falasse consigo mesmo.
Rycon sentiu o coração apertar. Aquela criança era mais forte do que ele próprio em muitos aspectos. Aproximou-se um pouco mais, mas mantendo distância suficiente para não o intimidar.
— E eu quero estar do seu lado, Gael. Porque gosto de você, é um bom menino.
Os olhos do menino se ergueram, surpresos. Ele parecia não saber como reagir a essa confissão.
— Você... gosta de mim? — perguntou, a voz embargada.
Rycon assentiu.
— Muito. Você é um garoto esperto, corajoso. E ninguém nunca deveria ter feito você passar por tudo isso.
Gael apertou o cobertor contra o peito. Os seus olhos marejaram, mas não deixou que as lágrimas caíssem.
— Eu só não quero que a mamãe sofra mais. — disse, em um fio de voz. Ele podia ser pequeno, mas amava a mãe profundamente e a cada surra que Cara havia levado, Gael tinha sofrido, não apenas pelas agressões que as vezes dividia com a mãe, mas por ver aquela que cuidava dele com tanto amor ferida.
Rycon respirou fundo, sentindo a responsabilidade daquele momento pesar sobre si. Ele via a tristeza de Gael, mas ao menos ele estava mais tranquilo com ele ao seu lado.
— Eu prometo a você, Gael... que vou fazer de tudo para proteger a sua mãe. — falou, com firmeza. — E vou proteger você também.
O menino o encarou por alguns segundos, como se tentasse medir a sinceridade daquelas palavras. Pela primeira vez, Rycon não desviou o olhar, deixando que Gael visse toda a verdade que havia nele.
— Promete mesmo? — perguntou o menino, num sussurro quase frágil.
— Prometo. — respondeu Rycon, estendendo a mão, mas sem tocar. Deixou que Gael fosse quem decidisse se queria ou não o contato.
Houve um instante de hesitação. Então, devagar, Gael colocou a sua pequena mão sobre a de Rycon.
— Tudo bem... eu acredito em você. — disse, com um sorriso tímido.
Nesse momento, a porta se abriu novamente e Cara entrou, ainda com os cabelos úmidos e o olhar cansado. Ao ver Gael acordado, correu até ele, emocionada.
— Meu amor! — exclamou, abraçando-o com cuidado. — Estava tão preocupada!
Gael apertou os braços ao redor da mãe, aliviado por ver ela bem.
— Eu estou bem mamãe, o Rycon estava cuidando de mim. — Responde ele quando ela o solta.
— Quase me matou do coração filho. — Diz ela se deitando ao lado dele e o puxando para seus braços.
— Vou ficar bem. — Responde Gael.
— Vai mesmo, porque vou garantir que você se cuide. — Diz Rycon de forma decidida.
— O que quer dizer? — Pergunta Cara.
— Vocês dois vão começar o tratamento para lidar com isso, — diz ele com um olhar sugestivo.
— Não tenho dinheiro para o tratamento. — Diz ela com os olhos baixos. Admitir aquilo lhe custava muito, mas era algo necessário.
— Não estou cobrando nada de você. A nossa empresa tem plano de saúde e isso se estende ao Gael, então vão poder se cuidar sem problemas que vamos arcar com os custos. — Explica ele.
Mesmo que a empresa não tivesse plano de saúde Rycon arcaria com os custos dos dois, ele não estava disposto a ver o que tinha presenciado mais sedo. O que ele não contou a Cara, era que tinha entrado em contato com os melhores médicos da região, e que aqueles custos extras, seria pago pessoalmente por ele.
— Sério? — Pergunta ela surpresa.
— Sim. Já agendei uma consulta para vocês depois de amanhã, eu mesmo vou levá-los para garantir que irão seguir o que o médico recomendar. — Diz ele de forma dura.
Cara fecha o rosto com as palavras dele, mas relaxa ao se lembrar que queria por um fim naquele tormento que sofria, e principalmente, ela queria ver o filho bem.
— Vou aceitar a sua carona. — Diz ela por fim.
Rycon arqueia a sobrancelha e olha para Cara. Ele não acreditava que tinha ganhado uma disputa com ela sem precisar de uma briga.
— Por que está me olhando assim? — Pergunta ela chateada.
— Você não fez um escândalo dessa vez. — responde ele com um sorriso no rosto.
Cara ia dar uma resposta a ele quando ouve a risada de Gael ao seu lado, ela se vira e encara o filho.
— Do que esta rindo mocinho? — Pergunta ela.
— O Rycon tem razão mamãe, você não reclamou. — O coração de Cara amolece ao ver o sorriso do filho.
— Isso por que estou feliz por você estar bem. — Responde ela dando um beijo em sua testa.
Rycon observava a forma que Cara se agarrava ao filho, e aquilo só o fazia desejar ainda mais o coro de Arthur. Ele precisava garantir a segurança deles, o quanto antes.
— Meu docinho acordou. — Diz Mira entrando no quarto com César ao seu lado, ao ver o que ela tinha nas mãos, Gael se desvencilha de Cara e corre até Mira com os olhos brilhando.
— Ei! — Reclama Cara, mas ela tinha um sorriso no rosto ao ver a felicidade do filho.
— Você acabou de ser trocada por um bolo. — Diz Rycon rindo da expressão dela.
O coração de Cara dispara ao som de sua risada, e corando desvia o olhar. O seu coração traidor estava lhe pregando mais uma peça.