O galope de Rycon ecoava pelos campos como um trovão contido, o vento açoitando-lhe o rosto enquanto a crina do cavalo se agitava feroz, em sintonia com a confusão que lhe dominava a mente. Era como se o animal pudesse sentir o que o seu dono estava experimentando naquele momento e absorvesse os seus sentimentos em um galope louco pelos pastos.
Quanto mais rápido cavalgava, mais parecia fugir de si mesmo, das perguntas que martelavam em sua cabeça, do coração que batia num ritmo descompassado e torturante. Os seus sentimentos eram uma completa bagunça que o fazia se contorcer em busca de uma resposta.
O pasto se estendia como um mar verde e tranquilo, mas dentro dele havia apenas caos. Cara. O nome dela surgia em cada pensamento, cortando-lhe como lâmina, incendiando-lhe o peito. O que o enfurecia tanto? A lembrança dela rindo com Luka, o homem que seria seu futuro sócio, trazia-lhe um gosto amargo de raiva e... algo mais. Algo que ele se negava a nomear.
Rycon queria voltar, socar a cara de Luka até que aquele sorriso que ele tinha ousado dar a Cara desaparecesse. Não queria que ela sorrisse daquela forma para outros homens. Não, ela não podia fazer aquilo com ele.
No alto de uma colina, puxou as rédeas bruscamente. O cavalo relinchou, relutante, até parar. Rycon desmontou, o peito arfando. Perguntas não respondidas rondavam a sua mente à medida que sentia como se fosse se partir com o peso de cada lufada de ar que puxava.
Permaneceu ali, observando o horizonte. O gado pastava em paz, indiferente ao seu tormento. As aves voavam em círculos, cantando como se o mundo fosse apenas harmonia. Ele cerrou os punhos. Como a natureza podia ser tão calma enquanto dentro dele tudo se despedaçava?
— Que diabos eu sinto por ela? — murmurou, a voz rouca pelo esforço de se conter.
As lembranças se atropelavam. Primeiro a raiva — aquele fogo que o consumia ao vê-la perto de Luka. Depois, algo mais profundo, mais perigoso. Um desejo que se misturava à sua fúria e o fazia perder o chão. Não queria aceitar. Não podia.
Praguejando baixo, montou de novo e voltou à fazenda, esporeando o cavalo com força.
Quando entrou em casa, o silêncio parecia ecoar pelas paredes. Subiu os primeiros degraus da escada, mas então a viu. Cara descia lentamente, a expressão distraída, o olhar perdido em pensamentos. Ao encontrarem os olhos um do outro, o mundo pareceu parar.
A fúria o invadiu de novo, crua, ardente. Em dois passos estava diante dela. Sem pensar, a pressionou contra a parede, uma das mãos segurando-lhe a garganta com firmeza, embora sem sufocá-la. O contato fez o coração dela disparar, os olhos se arregalarem.
Rycon não sabia o que estava fazendo. Ele não tinha controle de si mesmo. Tudo o que desejava era que aquele sentimento sumisse e o deixasse em paz.
— Tudo em você me irrita... — sua voz saiu grave, carregada de um ódio que beirava a devoção. — O seu cheiro... a sua voz... e, principalmente... o que faz comigo.
Os olhos de Cara estavam arregalados e sua respiração, descompassada. Ela nunca tinha visto Rycon daquela forma. Por mais que se provocassem, ele sempre tinha mantido uma certa distância, e depois do que tinha acontecido ela pensava que ele jamais se aproximaria dela novamente. Mas, ao que parecia, estava enganada.
Os olhos de Rycon estavam escurecidos, intensos como brasas em noite de tempestade. Sem lhe dar tempo para reagir, inclinou-se bruscamente e cravou os dentes nos lábios dela. O beijo foi mais uma mordida do que carinho, misto de fúria e desejo. O gosto de Cara o incendiou ainda mais, mas antes que se perdesse por completo, ele a soltou.
Virou-se sem uma palavra, subindo o restante da escada com passos pesados, quase como se fugisse da própria ação.
Cara ficou imóvel, encostada na parede. A respiração vinha curta, acelerada. O coração martelava no peito, sem que ela pudesse distinguir se era medo ou outra coisa. Levou os dedos aos lábios ainda doridos, os olhos fixos no vazio. O que, afinal, Rycon havia despertado dentro dela?
— Vamos, mamãe! Estamos te esperando. — disse Gael, aparecendo ao pé da escada.
Cara se forçou a disfarçar o que tinha acontecido e, com as pernas ainda bambas, seguiu em direção ao filho, que a aguardava com os olhos brilhando de animação.
— Vamos, querido. — disse ela, pegando a mão dele e saindo pela porta.
Cara não sabia como tinha ido parar na maternidade da fazenda. Tudo o que ela se lembrava era de Gael lhe mostrando um dos bezerros que tinham nascido e que a veterinária examinava com atenção.
— Essas crias são lindas, César. — dizia Luka, admirado com os bezerros.
— Sim, são das últimas modificações que fizemos. Você pode ver que eles têm uma consistência física bem diferente dos outros. Serão um trunfo no futuro. — disse César de forma orgulhosa.
— Realmente são muito bons. Se Rycon quiser investir nisso, vou aceitar com prazer essa parceria. — respondeu Luka, animado.
— Isso é ótimo. Temos planos de expansão com a venda desses animais modificados. Eles são mais resistentes a climas quentes e têm um bom desenvolvimento. — César se orgulhava de tudo o que faziam em sua fazenda e de como estavam avançados no melhoramento genético em comparação com as outras grandes propriedades.
— O que acha, Cara? — perguntou Luka. — Cara? Cara!
Cara voltou a si com um puxão em sua mão e, ao olhar para baixo, encontrou o olhar do filho sobre si.
— Mãe, o tio está falando com você. — disse Gael, apontando para Luka.
— Desculpe, estava pensando em algo. — respondeu ela, constrangida.
— Está tudo bem? — perguntou Luka, preocupado.
— Não é nada. — respondeu ela, balançando a cabeça com um sorriso sem graça. — O que dizia?
— Estávamos falando sobre o melhoramento genético dos...
A mente de Cara tinha se perdido no momento em que Luka começou a falar. Parecia que o seu corpo fazia questão de atormentá-la, relembrando o que tinha acontecido minutos atrás.