Cobra narrando
Tá ligado aquele dia que você quer matar um ? Que seu ódio tá tão alto que ninguém é capaz de aturar uma frase tua ? Pois é, hoje eu tô nesse pique.
Tô cheio de ódio do mundo, da vida, de todos. Faz pouco tempo que eu descobri que o acidente da minha mulher e da minha filha, não foi acidente, não foi acaso. Foi encomendado. E desde que eu descobri isso eu tô igual capeta na terra. Eu quero saber quem encomendou, quem teve coragem de fazer uma crueldade sem tamanho como essa. Eu quero saber quem foi tão sem coração a esse ponto. Eu não aceito. Eu queria que tivesse sido sujeito homem o suficiente pra fazer comigo. Pra me enfrentar no cara a cara. E não descontar nelas. Isso não, eu não consigo aceitar, tá doendo demais ter descoberto isso
— cristian você precisa comer, você precisa sair dessa sala — a minha irmã entrou na minha sala igual um furacão — levanta daí agora, e vamos pra casa — ela vem tentando me puxar e eu me afasto dela bruscamente
A minha sala era só droga e bebida pra todo canto. Eu estava numa merda tão grande, num desespero tão grande que eu não queria saber de nada. Nem p**a eu acionei. Eu ficava vendo meus vídeos com a lari, ficava vendo nossas fotos, o ensaio que ela me encheu o saco pra fazer quando ela ficou grávida. Os vídeos que ela fazia de mim se declarando pra mim sem eu ver…
Quando eu me deparei com o vídeo do dia que nós dançamos no quarto da nossa filha, depois de tudo montadinho, ela com um barrigão, o sorriso dela, nossas festas coladas uma na outra. Nosso amor era a parada mais pura e grandiosa que eu já vi e senti na vida. E saber que isso tudo foi tirado de mim por culpa minha rasgava a minha alma de uma forma que eu não conseguia explicar.
Eu lembrava do início, de quando eu perdi meus pais. Se não fosse ela, eu e a minha irmã teríamos nos matado juntos. Ela que impediu, ela que nos segurou, que nos travou, que lutou por nós.
Na época, o meu pai devia uns aluguéis aqui na favela, e o antigo dono daqui tentou abusar da minha mãe para quitar a dívida, meu pai, feito o homem que me ensinou a ser, defendeu a minha coroa, mas de nada adiantou. O antigo dono daqui, tomado pelo ódio, pela raiva, matou os dois. E na época, só não matou eu e minha irmã porque não estávamos aqui na favela, estávamos na escola.
Foi a lari que me avisou, e eu fiquei escondido na casa dela por meses junto com a minha irmã.
Na época, a lari morava na entrada da favela, ainda não era na parte de dentro das barricadas, então, até lá, com muito cuidado nós conseguíamos chegar até a casa dela e passar a noite lá…
Com o tempo eu fui consumido pelo ódio, eu não tive direito nem de enterrar os meus pais, nada, eu saí com a minha irmã um dia pra escola e então nunca mais pude voltar. Foi horrível, doloroso, e eu não tinha como sustentar a minha irmã, ou pagar pela ajuda que os pais da lari nos dava. Não tinha explicação para essa quanto nós sofremos.
Na época, eu ainda não me envolvia com a lari, nem nada. Eu só pensava em vingança. E ela tentava me fazer esquecer isso, pra eu não me trocar por isso, pra eu não ir atrás, mas eu fui, não teve jeito, eu já sabia que geral na favela tava bolado com ele, ninguém aceitou o que ele fez com a minha família, e eu era menor ainda, mas era desenrolado. Fiz o papo chegar nos chefes do comando, fiz “amizade” com uns caras que me levaram até o chefão. E mesmo sozinho, molecão, sem vivência nenhuma de crime. Estava vendendo bala no sinal, a minha irmã junto, e até a lari ia pra nos fazer companhia. E do nada eu batendo de frente com o chefão. A lari ficou morrendo de medo de me matarem, chorou pra c*****o, nesse dia demos o nosso primeiro beijo. E ela comigo pra tudo sempre, e eu fui.
Cheguei lá foi maior desenrolado, eu tinha provas de vários bagulho, e eu sei que jack na favela não se cria, mas eu tinha provas que minha mãe não foi a primeira e não seria a última. Eu juntei muita coisa até chegar no chefe.
E eu matei o dono da favela que eu morava. O chefe do comando mandou trazer ele, e eu vinguei a minha família. Eu ganhei a frente do morro por ser homem de atitude. Foi sinistro chegar no topo, não foi fácil não. A lari surtava muito, porque desde o primeiro beijo nunca mais nos largamos, e eu sempre reafirmava o quanto eu a amo, a amava, eu sempre exaltava ela. E quando eu me vi sem o amor da minha vida foi c***l. Foi triste. E descobrir que elas foram mortas por culpa minha me rasgou a alma.
— eu não vou sair daqui, não vou, eu só saio daqui quando matar o filho da p**a que matou a minha família — eu grito e empurro a minha irmã pra longe
— irmao. Por favor, pare com isso, você precisa se cuidar também, você quer me deixar sozinha também ? Porque é o que parece, você vai se matar, cara — ela grita comigo e começa a chorar ainda mais — por favor, cristian — ela fala e eu passo por ela saindo da sala e vou pra minha moto — não, você não vai pilotar, me dá a chave — ela pede e eu entrego pra ela
Subo na sua garupa e eu estava com cara de ódio pra geral, não queria papo, não queria assunto, não queria conversa com ninguém.
— ai patrão, tem uma pessoa querendo entrar na favela, uma mina novinha, diz ser prima da Rayane da 15, passa a visão — radinho me chama porque o morro tá fechado
— não vai entrar, não quero ninguém na favela, papo foi dado po — eu grito puto enquanto a minha irmã ia pilotando
— qual foi patrão, a Rayane tá aqui embaixo, brota aqui — ele fala e eu olho pra minha irmã que já acelera
— tua amiga quer me trazer problema, namoral, vou cobrar essa p***a — eu falo e a Amanda estica favela abaixo
— duvido, ela nunca trouxe problema, para com isso — ela fala e chegamos logo na barreira
Vi uma mina linda, morena, os olhos inchados de tanto chorar revelava o caos e a confusão escondida naquele rosto de princesa e corpo escultural
— o patrão, eu não sabia que o morro tava fechado, minha prima chegou pra ficar na minha casa um tempo, e não tem outro lugar pra ir — a Rayane fala e eu não conseguia tirar os olhos da mina
Que p***a era aquela ? Quem era essa mina ? Da onde veio ? Quem é ? Mano fiquei maluco, papo reto, senti um bagulho muito estranho, não tem explicação não, foi bizarro o que ela me fez sentir naquele momento, foi como se a dor que seus olhos transmitiam me tirasse do eixo, e me fizesse querer descer da moto e falar com ela. Mas eu não podia, e nem entendia o porquê disso.
Só sei que foi muito bizarro, muito estranho, que eu não consegui nem respirar na hora que nossos olhares se cruzaram.
— liberada. — eu falo seco ainda em cima da moto e toco no ombro da minha irmã pra ela subir com a moto
— mas tu não vai perguntar nada ? — a Amanda pergunta estranhando e eu ajeito o meu fuzil no ombro e vejo as duas lá se abraçando e chorando
Fico intrigado com aquilo mas minha garganta trava. Eu nem sei porque liberei ela, nem era para ter liberado, ainda mais depois da minha ordem de fechar o morro
No mínimo, em dias normais eu desceria da moto e interrogaria a mina pior que polícia, mas ela arrancou todas as minhas falas, que eu não sabia nem como agir, e eu nunca me senti assim, foi bizarro demais
— vai Amanda, sobe logo essa p***a — eu falo com ela e ainda pelo retrovisor eu via as duas subindo abraçadas e a mina nem me notava, mas eu já tinha cravado na mente cada detalhe dela