CAPITULO 19

1080 Words
O rugido dos motores de carros de luxo estacionando em frente ao Park Hyatt Milano cortou o burburinho elegante do saguão de mármore reluzente. O som das portas se abrindo em sequência foi seguido pela aparição de homens de preto, em formação firme, meticulosamente organizados em torno de uma única figura central. Vittorio Amorielle. O nome carregava peso em qualquer lugar do mundo, mas em Milão, sua presença reverberava como um trovão abafado em uma catedral de cristal. O patriarca dos Amorielle estava na cidade onde deixara pedaços de si, memórias esculpidas em mármore e dor. Seus sapatos italianos polidos tocavam o chão como se marcassem território, e cada passo fazia o ambiente ao redor se calar, respeitoso — ou temeroso. Seu terno preto era impecável, sob medida, o linho italiano abraçando seus ombros largos como se tivesse nascido com ele. Os sapatos brilhavam, mas seus olhos estavam sombrios. Vittorio não sorriu, nem sequer cumprimentou os recepcionistas que quase se curvavam em deferência. Ele apenas caminhava em direção ao elevador com a precisão de alguém que conhecia cada canto daquele lugar — como um rei que retornava ao seu castelo. Duas pessoas estavam esperando no elevador quando os seguranças se aproximaram. Um deles, com uma expressão firme, indicou com um aceno que saíssem. Sem protestos, obedeceram. Os homens entraram primeiro, garantindo que o espaço estivesse seguro. Só então Vittorio entrou, impassível, como se o mundo ao seu redor estivesse congelado no tempo. Chegando à cobertura, as portas se abriram para revelar a suntuosa suíte presidencial. O ambiente parecia ter saído das páginas de uma revista de design: móveis em tons quentes, mármore bege, veludo, lustres cintilantes como joias suspensas no ar, e janelas que ofereciam uma vista poética da cidade acesa. Mas ele sequer olhou para a paisagem. Vittorio fez um gesto com a mão, seco, direto. Seus homens fecharam as cortinas, ocultando a paisagem, e a suíte mergulhou num âmbar discreto e cálido. O silêncio voltou, espesso. Ele dispensou os homens com outro gesto. Vittorio caminhou até o quarto principal. O quarto era amplo e perfeitamente arrumado. A cama com lençóis brancos impecáveis. Ele se sentou na beirada, suspirando com peso. Tirou os sapatos devagar, como se o ato doesse. Depois, afrouxou a gravata e encostou os cotovelos nos joelhos, olhando ao redor,como se esperasse que o quarto lhe respondesse algo. Era silencioso demais. Impessoal. E frio. A suíte cheirava a lavanda e madeira cara, mas não cheirava a casa. Milão era sua cidade. Ele tinha um império ali, negócios, aliados, poder. E uma casa: Casa Atellani, a mansão renascentista que ele comprou para Ellis. A mulher que ele amava. A mansão ficava a poucos quilômetros dali. Ela era o lugar que Ellis queria conhecer desde que se casaram pela primeira vez. Ele se lembrava de cada detalhe daquele dia. Como ela olhava maravilhada para o jardim onde Da Vinci caminhou, como os olhos dela brilhavam com um encantamento quase infantil. Aquilo o desarmava. Sempre desarmou. Mas ele não podia ir até lá. Nunca dormiu naquela casa sem ela. E não seria agora que começaria. Tinha jurado para si mesmo que nunca dormiria sem Ellis ao seu lado. E, ainda assim, ali estava ele. No hotel. Vittorio passou as mãos pelo rosto, sentindo o cansaço no osso. Velho demais, pensou. Velho demais para estar em Milão sozinho, para participar de festas que não importavam, para sentar numa cama de hotel que não era sua. Velho demais para estar sem ela. Ellis. Vittorio suspirou fundo, a garganta apertada. O peito doía. Não de uma forma física. Mas de um jeito que fazia os ombros parecerem mais pesados, os anos mais visíveis. A verdade era simples e cortante: ele não aguentava mais a distância. Os primeiros dias foram um jogo de orgulho. Ela não ligou. Tudo bem. Ellis sempre foi teimosa, linha dura. Mas os dias viraram semanas. Meses. E nem uma mensagem. Ele viu Jake, o filho, numa reunião. Tentou puxar conversa sobre ela. “Está bem”, Jake respondeu. Só isso. Estava claro que Ellis havia instruído os filhos a não dizerem nada. E se era esse o jogo, ele também podia jogar. Se esconderia no Park Hyatt Milano. Duvidava que ela lembrasse daquele lugar. O primeiro hotel onde se hospedaram juntos em Milão, décadas atrás. Duvidava que Ellis sequer se lembrasse do hotel. Mas ele lembrava.. Quando ainda eram apenas Don Amorielle e a mulher mais teimosa do mundo, e não Vittorio e Ellis. Não, ela não se lembrava. Nem que ele a amava. Nem que era hora de tomar o remédio para pressão. Nem que ela o amava. Ele riu, seco. Claro que ela lembrava. Claro que ela o amava. Só estava sendo Ellis. Teimosa, impaciente, orgulhosa... e a única mulher que ele amou em toda a sua vida. Ela se casou com ele duas vezes.Isso não era pouca coisa. Ninguém faz isso sem amor. Mas agora... agora ele estava cansado. Enlouquecendo sem sentir a presença dela. Sem ouvir o som da risada. Sem vê-la sair do banho, com a toalha enrolada e as sobrancelhas arqueadas quando ele dizia alguma besteira. Chega. Ele pegou o celular no bolso interno do terno, decidido. Iria ceder. Ligar. Dizer que ela venceu. Que ele queria voltar para casa. Que não aguentava mais ficar longe. Vittorio destravou a tela do telefone onde tinha uma foto dela, mas, antes que pudesse apertar o botão, alguém bateu à porta. Ele franziu a testa, sem se levantar. — Agora não. — gritou, sem paciência. Começou a rolar a lista de chamadas. Bateram de novo. — Agora não, p***a! Irritado, ele digitou “Donna della mia vita” na agenda, encontrou o número, apertou Ligar. O som do toque soou em seus ouvidos. Mas então... algo estranho aconteceu. Do outro lado da porta... o som do toque. Ele congelou. Olhou para o celular na mão. O toque continuava, vindo do corredor. O som ritmado coincidindo com a chamada. Vittorio se levantou devagar, com o coração acelerado de um modo que não sentia fazia tempo. Andou até a porta, a mão hesitante na maçaneta. Abriu. E ali estava ela. Ellis. De sobretudo preto, o cabelo um pouco bagunçado pela brisa noturna. Na mão esquerda, uma garrafa de vinho já aberta. Na direita, o celular tocando — o mesmo número que ele acabara de discar. Ela o atendeu com um sorriso leve, malicioso, e perguntou: — Vai me convidar para entrar, Vitinho?
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