CAPITULO 22

1649 Words
Ellis virou-se para ele, o cabelo bagunçado caindo sobre o rosto. Ela sorriu, aquele sorriso que sempre o desarmava. — Você ainda é um i*****l — disse, a voz leve, mas cheia de carinho. Vittorio riu, o som rouco ecoando no quarto. — E você ainda é a mulher mais teimosa que já conheci. Ela se aproximou, aninhando-se contra o peito dele, a pele quente contra a dele. Vittorio a envolveu com os braços, o peso do mundo lá fora desaparecendo. Milão, com suas luzes e ruídos, não importava. As reuniões, as festas, os negócios — nada disso importava. Só Ellis, ali, com ele. Eles não eram mais jovens, mas o amor deles, forjado em brigas, silêncios e reencontros, era mais forte que o tempo. E, pela primeira vez em meses, Vittorio sentiu que estava exatamente onde deveria estar. Ele respirou fundo, o peito arfando sob a cabeça dela. Sua voz saiu baixa, rouca: — Me perdoa por ter ido embora. Ellis ergueu o olhar, olhos úmidos, mas firmes. —Me perdoa por não ter ido atrás. Vittorio sorriu de canto. A sinceridade dos dois preenchia aquele quarto com uma força que nenhum vinho italiano conseguiria embriagar. — Mas você veio. Ellis assentiu, o rosto agora a centímetros do dele. — Vim. Mas só por causa do que Donna me disse. Vittorio franziu o cenho, puxando uma mecha de cabelo rebelde da testa dela. — O que ela disse? Ellis se afastou ligeiramente, se levantando da cama, deixando o lençol escorregar até a cintura. Pegou vestido preto, aquele que Vittorio odiava e amava, revelava mais do que escondia, e o vestiu. Ela inclinou a cabeça, olhando-o de cima com aquele olhar teimoso que ele conhecia há decadas. — Disse que nós somos… "endgames". — End o quê? — ele franziu o cenho. Ellis soltou uma risada baixa, nervosa, cruzando os braços, sentindo o tecido fino do vestido esfriar contra a pele quente. — Endgames… é um termo que Donna viu numa série que ela está assistindo. É sobre quando um casal é… feito pra ficar junto. Até o fim da vida. Algo assim. — Ela deu de ombros, desviando o olhar, como se aquilo fosse t**o demais para ser dito em voz alta. — E então... eu fiquei pensando. Enquanto bebia uma garrafa de Barolo, é claro… Que se nós somos isso mesmo... não deveríamos continuar separados. Um de nós tinha que ceder… ou convencer o outro a ceder. Vittorio cruzou os braços, o lençol caindo levemente sobre sua cintura. — E o que você veio fazer, então? Cedeu? Ou veio me convencer? — Vittorio perguntou, o tom levemente provocador Ellis sorriu de canto, inclinando-se mais, os joelhos afundando no colchão até ela se aproximar perigosamente. — Você me conhece muito bem pra saber a resposta. Vittorio soltou uma risada rouca, puxando a respiração como se estivesse prestes a mergulhar. — Aposto na segunda opção. Afinal, você sabe muito bem o quanto eu fico louco com esse vestido… com esse perfume… — Ele fechou os olhos por um segundo, inspirando. — Mas… ao mesmo tempo… fiquei em dúvida. Você não trouxe a Zuppa all’omertà. Ellis jogou a cabeça para trás e riu, aquele som que ele não ouvia havia meses e que parecia tão certo naquele quarto, naquela noite. — A Zuppa all’omertà leva horas pra ficar pronta, Vitinho! E eu não tinha todo esse tempo… então decidi apelar: o Barolo, o vestido, o perfume… e isso. Ergueu a mão, revelando o anel de diamante n***o que ele lhe dera há muitos anos, reluzindo sob a luz fraca. Vittorio se recostou, olhos fixos no brilho da joia. — Uau. Isso é golpe baixo. Ellis deu de ombros, com um meio sorriso. — Estou usando toda artilharia pesada pra convencer você. Ele se levantou da cama, caminhando até a pequena mesa onde ela deixara a garrafa de Barolo aberta. Pegou a garrafa e a ergueu. — Vai querer terminar isso na taça ou direto do gargalo, como quando éramos jovens? Ellis franziu o cenho, mas o sorriso não desapareceu: — Não foge do assunto, Vittorio. Ele sorriu, virando-se de volta para ela com a garrafa na mão. — Não estou fugindo. Só preciso saber como você quer que eu engula meu orgulho. Na taça... ou no gargalo? Ellis inclinou-se para trás, apoiando-se nos cotovelos: — No gargalo. Vittorio soltou uma risada baixa e voltou para a cama, sentando-se ao lado dela, levando a garrafa à boca. Deu um gole generoso, depois entregou para ela. O olhar sério, a respiração contida: — Continue. Ellis segurou a garrafa, os dedos roçando nos dele. Levou à boca, bebeu e então respirou fundo. — Vittorio, você precisa entender... Donna está determinada a ir para os Estados Unidos. Está trabalhando como garçonete em Como. Vittorio franziu o cenho, pegando de volta a garrafa, bebendo sem cerimônia. — Como, é mesmo? Ellis assentiu, olhando-o como se suplicasse que ele visse o que ela via. — Sim. Ela está empenhada. Estuda, trabalha… quer muito o plano B. Vittorio deu mais um gole, o olhar perdido na parede à frente, como se ali estivesse escrito o destino da filha. — E se… o plano dela não der certo? Ela já pensou nisso? Ellis fechou os olhos por um segundo, como se aquele fosse o ponto que mais doía. — É por isso que estou aqui. — Ela bebeu de novo, dessa vez um gole longo. — Por mais empenhada que Donna esteja… você e eu sabemos que não vai ser fácil entrar na NYU. Vittorio virou-se de frente, os olhos apertados, o tom ríspido: — Eu não vou ajudá-la — disse ele, firme. — Não vou ligar pra nenhum contato na universidade. Pode esquecer. Ellis soltou o ar lentamente. — Não vim aqui pra pedir isso. Vittorio inclinou-se, os cotovelos apoiados nos joelhos: — Então… por que você está aqui, Ellis? Ela mordeu o lábio, abaixando a garrafa sobre o criado-mudo. — Porque se ela não conseguir... eu preciso saber se você vai aceitar nossa filha de volta na família. Silêncio. Vittorio fechou os olhos, inclinando a cabeça para trás, soltando um suspiro exasperado. — Foi Donna quem pediu isso? — ele perguntou, sem encará-la. Ellis negou, veemente. — Não. Você sabe que ela jamais pediria isso. Fui eu. Estou intercedendo por ela. Vittorio balançou a cabeça, descrente. — Se ela não quer... por que você está fazendo isso? Ellis inclinou-se, a voz embargando: — Porque eu sei o quanto o mundo lá fora pode ser c***l. E sem a proteção da família, ela é presa fácil. Nossos inimigos não sumiram, Vittorio. Vittorio esfregou as mãos no rosto, exasperado. — Donna sabe se cuidar. Ellis riu, sem humor: — Não é tão simples. Você sabe. E eu não entendo por que você parece querer puni-la por escolher seguir o plano B. Vittorio olhou fixamente para ela, a voz grave: — Não estou punindo. Foi escolha dela. As consequências também são dela. — Você esqueceu que eu também escolhi o plano B. Quando abri mão da minha vida, da minha carreira, por você. Pra construir isso aqui — ela apontou para ele, para si mesma, para o espaço entre os dois. — Uma família. Ele se levantou, as mãos na cintura. — Não joga isso na minha cara, Ellis. Por favor. — Jogo sim. Porque apesar de você não ter um plano B... eu vivo o meu. E não quero me arrepender dele. Vittorio a encarou. Os olhos escureceram. — Quem disse que eu não tenho um plano B? Ellis franziu o cenho, confusa: — Você. Anos atrás. Disse que um mafioso não tem plano B. Ele caminhou até a janela, afastou levemente a cortina e olhou a cidade. — Você não é a única que vive o plano B, Ellis. Você... nossos filhos... vocês são meu plano B. O plano A era vingança. Era destruir todos que mataram meu pai. Eu não me importava se fosse morrer no processo. Mas você apareceu. E me fez querer viver. … e me fez querer um plano B. Eu vivo o plano B com você todos os dias. Ellis desceu da cama. Caminhou até ele, parando a centímetros de distância. — Então por que não lutar também pelo plano B da nossa filha? Vittorio afastou-se, passando a mão pelos cabelos, frustrado: — Por isso mesmo… a resposta continua sendo não. Donna escolheu esse caminho. E precisa continuar nele. Ellis deu um passo à frente, desesperada: — Mesmo que isso… a mate? Ele fechou os olhos. O silêncio pesou no quarto como uma tempestade que se aproxima. Então ele falou, num sussurro grave: — É melhor você ir embora, Ellis. Volta pra casa. Fica com a Donna. Torce pra que ela consiga entrar na universidade. Porque aqui... aqui não há mais espaço pra ela. Ellis o encarou, os olhos marejados: — Você não pode estar falando sério. Ele assentiu, resignado: — É melhor assim. Ellis respirou fundo, segurando as lágrimas: — E… você ao menos… vai voltar pra casa? Vittorio pegou a garrafa de Barolo, levando-a aos lábios uma última vez. — Ainda tenho coisas pra resolver, mas assim que eu concluí-las, eu volto. Ellis sussurrou, com a voz quebrada: — Quando? Ele se virou devagar, os olhos mergulhados nos dela. — Você vai saber. Ellis ficou ali, olhando pra ele, lutando contra o nó na garganta. Depois, assentiu uma única vez. Pegou o sobretudo, calçou os sapatos sem dizer palavra, e caminhou até a porta. Antes de sair, voltou o rosto para ele. — Eu vim porque você ainda é meu endgame. Não demore muito pra perceber que ainda sou o seu também. A porta se fechou. E Vittorio ficou ali, com a garrafa de Barolo na mão, o gosto amargo do vinho na língua, e um vazio no peito que nem o orgulho mais feroz conseguia preencher.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD