Ellis virou-se para ele, o cabelo bagunçado caindo sobre o rosto. Ela sorriu, aquele sorriso que sempre o desarmava.
— Você ainda é um i*****l — disse, a voz leve, mas cheia de carinho.
Vittorio riu, o som rouco ecoando no quarto.
— E você ainda é a mulher mais teimosa que já conheci.
Ela se aproximou, aninhando-se contra o peito dele, a pele quente contra a dele. Vittorio a envolveu com os braços, o peso do mundo lá fora desaparecendo. Milão, com suas luzes e ruídos, não importava. As reuniões, as festas, os negócios — nada disso importava. Só Ellis, ali, com ele. Eles não eram mais jovens, mas o amor deles, forjado em brigas, silêncios e reencontros, era mais forte que o tempo. E, pela primeira vez em meses, Vittorio sentiu que estava exatamente onde deveria estar.
Ele respirou fundo, o peito arfando sob a cabeça dela. Sua voz saiu baixa, rouca:
— Me perdoa por ter ido embora.
Ellis ergueu o olhar, olhos úmidos, mas firmes.
—Me perdoa por não ter ido atrás.
Vittorio sorriu de canto. A sinceridade dos dois preenchia aquele quarto com uma força que nenhum vinho italiano conseguiria embriagar.
— Mas você veio.
Ellis assentiu, o rosto agora a centímetros do dele.
— Vim. Mas só por causa do que Donna me disse.
Vittorio franziu o cenho, puxando uma mecha de cabelo rebelde da testa dela.
— O que ela disse?
Ellis se afastou ligeiramente, se levantando da cama, deixando o lençol escorregar até a cintura. Pegou vestido preto, aquele que Vittorio odiava e amava, revelava mais do que escondia, e o vestiu. Ela inclinou a cabeça, olhando-o de cima com aquele olhar teimoso que ele conhecia há decadas.
— Disse que nós somos… "endgames".
— End o quê? — ele franziu o cenho.
Ellis soltou uma risada baixa, nervosa, cruzando os braços, sentindo o tecido fino do vestido esfriar contra a pele quente.
— Endgames… é um termo que Donna viu numa série que ela está assistindo. É sobre quando um casal é… feito pra ficar junto. Até o fim da vida. Algo assim. — Ela deu de ombros, desviando o olhar, como se aquilo fosse t**o demais para ser dito em voz alta. — E então... eu fiquei pensando. Enquanto bebia uma garrafa de Barolo, é claro… Que se nós somos isso mesmo... não deveríamos continuar separados. Um de nós tinha que ceder… ou convencer o outro a ceder.
Vittorio cruzou os braços, o lençol caindo levemente sobre sua cintura.
— E o que você veio fazer, então? Cedeu? Ou veio me convencer? — Vittorio perguntou, o tom levemente provocador
Ellis sorriu de canto, inclinando-se mais, os joelhos afundando no colchão até ela se aproximar perigosamente.
— Você me conhece muito bem pra saber a resposta.
Vittorio soltou uma risada rouca, puxando a respiração como se estivesse prestes a mergulhar.
— Aposto na segunda opção. Afinal, você sabe muito bem o quanto eu fico louco com esse vestido… com esse perfume… — Ele fechou os olhos por um segundo, inspirando. — Mas… ao mesmo tempo… fiquei em dúvida. Você não trouxe a Zuppa all’omertà.
Ellis jogou a cabeça para trás e riu, aquele som que ele não ouvia havia meses e que parecia tão certo naquele quarto, naquela noite.
— A Zuppa all’omertà leva horas pra ficar pronta, Vitinho! E eu não tinha todo esse tempo… então decidi apelar: o Barolo, o vestido, o perfume… e isso.
Ergueu a mão, revelando o anel de diamante n***o que ele lhe dera há muitos anos, reluzindo sob a luz fraca.
Vittorio se recostou, olhos fixos no brilho da joia.
— Uau. Isso é golpe baixo.
Ellis deu de ombros, com um meio sorriso.
— Estou usando toda artilharia pesada pra convencer você.
Ele se levantou da cama, caminhando até a pequena mesa onde ela deixara a garrafa de Barolo aberta. Pegou a garrafa e a ergueu.
— Vai querer terminar isso na taça ou direto do gargalo, como quando éramos jovens?
Ellis franziu o cenho, mas o sorriso não desapareceu:
— Não foge do assunto, Vittorio.
Ele sorriu, virando-se de volta para ela com a garrafa na mão.
— Não estou fugindo. Só preciso saber como você quer que eu engula meu orgulho. Na taça... ou no gargalo?
Ellis inclinou-se para trás, apoiando-se nos cotovelos:
— No gargalo.
Vittorio soltou uma risada baixa e voltou para a cama, sentando-se ao lado dela, levando a garrafa à boca. Deu um gole generoso, depois entregou para ela. O olhar sério, a respiração contida:
— Continue.
Ellis segurou a garrafa, os dedos roçando nos dele. Levou à boca, bebeu e então respirou fundo.
— Vittorio, você precisa entender... Donna está determinada a ir para os Estados Unidos. Está trabalhando como garçonete em Como.
Vittorio franziu o cenho, pegando de volta a garrafa, bebendo sem cerimônia.
— Como, é mesmo?
Ellis assentiu, olhando-o como se suplicasse que ele visse o que ela via.
— Sim. Ela está empenhada. Estuda, trabalha… quer muito o plano B.
Vittorio deu mais um gole, o olhar perdido na parede à frente, como se ali estivesse escrito o destino da filha.
— E se… o plano dela não der certo? Ela já pensou nisso?
Ellis fechou os olhos por um segundo, como se aquele fosse o ponto que mais doía.
— É por isso que estou aqui. — Ela bebeu de novo, dessa vez um gole longo. — Por mais empenhada que Donna esteja… você e eu sabemos que não vai ser fácil entrar na NYU.
Vittorio virou-se de frente, os olhos apertados, o tom ríspido:
— Eu não vou ajudá-la — disse ele, firme. — Não vou ligar pra nenhum contato na universidade. Pode esquecer.
Ellis soltou o ar lentamente.
— Não vim aqui pra pedir isso.
Vittorio inclinou-se, os cotovelos apoiados nos joelhos:
— Então… por que você está aqui, Ellis?
Ela mordeu o lábio, abaixando a garrafa sobre o criado-mudo.
— Porque se ela não conseguir... eu preciso saber se você vai aceitar nossa filha de volta na família.
Silêncio. Vittorio fechou os olhos, inclinando a cabeça para trás, soltando um suspiro exasperado.
— Foi Donna quem pediu isso? — ele perguntou, sem encará-la.
Ellis negou, veemente.
— Não. Você sabe que ela jamais pediria isso. Fui eu. Estou intercedendo por ela.
Vittorio balançou a cabeça, descrente.
— Se ela não quer... por que você está fazendo isso?
Ellis inclinou-se, a voz embargando:
— Porque eu sei o quanto o mundo lá fora pode ser c***l. E sem a proteção da família, ela é presa fácil. Nossos inimigos não sumiram, Vittorio.
Vittorio esfregou as mãos no rosto, exasperado.
— Donna sabe se cuidar.
Ellis riu, sem humor:
— Não é tão simples. Você sabe. E eu não entendo por que você parece querer puni-la por escolher seguir o plano B.
Vittorio olhou fixamente para ela, a voz grave:
— Não estou punindo. Foi escolha dela. As consequências também são dela.
— Você esqueceu que eu também escolhi o plano B. Quando abri mão da minha vida, da minha carreira, por você. Pra construir isso aqui — ela apontou para ele, para si mesma, para o espaço entre os dois. — Uma família.
Ele se levantou, as mãos na cintura.
— Não joga isso na minha cara, Ellis. Por favor.
— Jogo sim. Porque apesar de você não ter um plano B... eu vivo o meu. E não quero me arrepender dele.
Vittorio a encarou. Os olhos escureceram.
— Quem disse que eu não tenho um plano B?
Ellis franziu o cenho, confusa:
— Você. Anos atrás. Disse que um mafioso não tem plano B.
Ele caminhou até a janela, afastou levemente a cortina e olhou a cidade.
— Você não é a única que vive o plano B, Ellis. Você... nossos filhos... vocês são meu plano B. O plano A era vingança. Era destruir todos que mataram meu pai. Eu não me importava se fosse morrer no processo. Mas você apareceu. E me fez querer viver. … e me fez querer um plano B. Eu vivo o plano B com você todos os dias.
Ellis desceu da cama. Caminhou até ele, parando a centímetros de distância.
— Então por que não lutar também pelo plano B da nossa filha?
Vittorio afastou-se, passando a mão pelos cabelos, frustrado:
— Por isso mesmo… a resposta continua sendo não. Donna escolheu esse caminho. E precisa continuar nele.
Ellis deu um passo à frente, desesperada:
— Mesmo que isso… a mate?
Ele fechou os olhos. O silêncio pesou no quarto como uma tempestade que se aproxima. Então ele falou, num sussurro grave:
— É melhor você ir embora, Ellis. Volta pra casa. Fica com a Donna. Torce pra que ela consiga entrar na universidade. Porque aqui... aqui não há mais espaço pra ela.
Ellis o encarou, os olhos marejados:
— Você não pode estar falando sério.
Ele assentiu, resignado:
— É melhor assim.
Ellis respirou fundo, segurando as lágrimas:
— E… você ao menos… vai voltar pra casa?
Vittorio pegou a garrafa de Barolo, levando-a aos lábios uma última vez.
— Ainda tenho coisas pra resolver, mas assim que eu concluí-las, eu volto.
Ellis sussurrou, com a voz quebrada:
— Quando?
Ele se virou devagar, os olhos mergulhados nos dela.
— Você vai saber.
Ellis ficou ali, olhando pra ele, lutando contra o nó na garganta. Depois, assentiu uma única vez. Pegou o sobretudo, calçou os sapatos sem dizer palavra, e caminhou até a porta.
Antes de sair, voltou o rosto para ele.
— Eu vim porque você ainda é meu endgame. Não demore muito pra perceber que ainda sou o seu também.
A porta se fechou.
E Vittorio ficou ali, com a garrafa de Barolo na mão, o gosto amargo do vinho na língua, e um vazio no peito que nem o orgulho mais feroz conseguia preencher.