Eu entro no meu quarto com a cabeça fervendo de raiva e bato a porta com força.
Pelo visto eu não passo de um negócio para esses dois que eu chamei de pais a vida inteira, tudo que eu fiz por eles não vale de nada? Estão me vendendo como vendem uma bolsa ou um sapato e faz parecer que eu não tenho escolha alguma pelas palavras que saem de suas bocas, não preciso nem esperar para que meu pai venha conversar comigo e já sei que tudo que vai sair da boca dele é pura lição de moral.
Eu não posso esperar outra proposta de casamento? Não é como se eu conseguisse apenas essa a vida inteira e ai ninguém mais vai se interessar por mim. Eu sou uma garota arrumada, tenho educação e classe, eu posso conseguir uma nova proposta de casamento, afinal, há muitos homens que ainda não se casaram na máfia (nenhum tão bonito como Felippe é claro, mas de nada importa a sua beleza se o seu caráter é um completo lixo).
Olho para a minha mala esquecida no chão, meu quarto está exatamente como eu deixei. Os sapatos jogados em qualquer canto, o colar que ganhei de Felippe esquecido no chão, o vestido ainda ao avesso já que eu tirei as pressas. Está tudo exatamente do mesmo jeito e olhando para o meu quarto agora eu me sinto como um pássaro numa gaiola, ele foi privado da liberdade e está sendo obrigado a fazer algo que ele obviamente não quer mas diferente do pássaro eu tenho uma opção. Eu ainda posso fugir.
Cato no bolso do meu short jeans o cartão que Bernard me deu com o seu número para o caso de eu precisar. Parece que ele realmente sabe das coisas e estava adivinhando, pelo visto vou acabar esse dia devendo vários favores a essa família.
Em algum momento da festa, ele me disse que estava voltando para Seattle hoje ainda antes do almoço, isso significa que eu tenho poucas horas para fugir. Pego o meu celular e digito o número com pressa e vou para o banheiro para que a minha mãe não escute a conversa se entrar no quarto, ligo a torneira e aguardo.
O celular foi a única coisa que eu não abri mão de ter, mas eu abdiquei de todo o resto por um futuro que foi jogado fora ontem. Que ironia.
O celular toca várias vezes e quando eu penso que ele não vai mais atender, a sua voz sonolenta soa do outro lado.
– Alô? Quem é?
– Bernard, desculpa te acordar aqui quem fala é a Kelyne. Do escandalo de ontem na festa, acho que você vai lembrar.
– Lembro. Porque está me ligando? Deveria estar dorminndo a essa hora.
– Você tinha razão, vão me obrigar a casar de todo jeito e agora sou basicamente uma prisioneira em casa. Minha mãe não disse isso em palavras, mas também não precisou.
– Eu sempre tenho razão. O que vai fazer?
– É ai que você entra. Minha mãe disse que vou ter que almoçar com eles e eu prefiro a forca a olhar para cara de Felippe hoje.
– Onde eu entro nessa equação, ainda não entendi.
– Voce vai viajar quando?
– Daqui a uma hora, porque?
– Me leve com você, por favor. Eu darei um jeito de pagar e… – Estou pronta para chorar e fazer o que for possível para ir com ele para Washington, mas ele me corta antes disso.
– Passo ai daqui a pouco, não leve nada ou vai levantar suspeitas. Deixe seu celular, deixe tudo. Eu te darei roupas novas e tudo que precisar, não vou deixar que fique onde não quer estar, não conte a ninguém. Me espere na esquina da rua. – Ele desliga antes que eu possa dizer mais qualquer coisa.
Eu vou para Seattle. Eu vou mesmo para Seattle.
Eu corro para o meu guarda-roupa e pego a minha carteira, pego todo o dinheiro que eu tinha guardado e os meus documentos. Tomo o banho mais rápido da minha vida e visto um jeans skinny, tênis e camiseta colocando um moletom grande com touca por cima e óculos escuros, ou seja, roupas práticas que deem para correr se for preciso, pego um pedaço de papel e escrevo um bilhete pequeno para uma pessoa especial. Nem me dou ao trabalho de secar meu cabelo, coloco os documentos em um dos bolsos da calça e todo o dinheiro que tenho na outra e saio do quarto sem olhar para trás.
Passo correndo pelos corredores e desço as escadas pelo corrimão como quando era criança e em menos de um minuto estou do lado de fora e correndo para a casa de Bella. Ela mora a quatro casas da minha e eu bato na porta assim que chego.
Como eu esperava, uma empregada atende a porta.
– Senhorita, deseja entrar? – A empregada já me conhece das outras visitas que eu fiz, mas temo que essa seja a última.
– Entregue isto a Bella, apenas a ela. Por favor. Obrigada. – Entrego o bilhete e saio correndo para a esquina.
A adrenalina está a milhão no meu sangue e eu sinto que a qualquer momento a minha mãe vai aparecer e me levar de volta para casa de onde eu nunca mais vou sair. Coloco o capuz do moletom e coloco óculos escuro, sei que estou parecendo estranha mas tudo isso é camuflagem.
Cada momento que eu espero Bernard é uma completa agonia e há suor escorrendo pela minha espinha e quando eu vejo ele parando de moto ao meu lado eu só falto me ajoelhar de alívio.
– Sobe ai.
Eu nunca andei de moto, mas essa é mais uma primeira vez que ele está me proporcionando. Assim que começamos a nos afastar, eu sinto uma enorme sensação de alívio me inundar, pois eu estava me afastando daquilo que ia me prender e fazer m*l para o resto da vida e digo para mim mesma “não importa o que vai enfrentar agora, não deve jamais se arrepender da decisão que tomou hoje”