Mesmo depois de dizer a Kim o que eu imaginava, ela permanece parada, não sei se está digerindo ou imaginou que eu estivesse maluca. E será que eu estava? Afinal, era uma mera coincidência a máscara, o mesmo modelo que foi encontrado no rosto da garota assassinada. Talvez eu estou. Lucas sustenta bastante o olhar no meu, e por estar distraída acabava respondendo a eles, me dava conta tarde demais para desviar.
— Acho que precisamos ir embora. - Kim fala de repente. Encarei seu rosto de perfil, mas ela evita olhar pra mim. Não a conheço o suficiente para saber o que se passa na sua mente.
— Mas já? - Gabi fez um bico, era nítido que estava muito bêbada. O lápis um pouco borrado era a prova disso.
— Posso levar vocês, já esta tarde, pode ser perigoso. - Lucas se ofereceu fazendo o resto da turma cochichar entre eles.
Estou ocupada demais com os meus pensamentos para responde-lo. O meu maxilar começa a doer de tão tenso que o meu corpo está.
— Estamos perto, mas, troquei telefone com as meninas talvez... - Kim começa.
— Claro. - Ele interrompeu. - Vamos marcar alguma coisa sim.
Com um breve aceno me despedi de todos e comecei a caminhar primeiro do que a Kim. Realmente estava muito assustada com a sensação de que alguém me observava o tempo todo. E eu não estava errada, as vezes percebia vultos entre as casas.
Ouço seus passos apressados e logo ela está andando do meu lado. Coloco a mão no bolso para mostrar a máscara, mas sinto sua mão evitando eu tirá-la.
— Aqui não. Não podemos confiar em ninguém. - Cochicha e aumentamos os passos.
Me jogo no sofá, sentindo os meus ombros pesarem. A dor se estende por todo meu corpo, até alcançar a minha cabeça e começar a latejar. Kim para na minha frente com olhos preocupados mexendo constantemente no cabelo.
— Deixe-me ver.
Retirei a máscara e entreguei a ela. Como eu já havia visto, não tinha nada, nenhuma pista ou mancha. Estranhamente cheirava novo.
— O que aquele homem falou? Me conta com detalhes, não podemos deixar nada escapar.
Ela sentou na mesa de centro, apoiando seus cotovelos na coxa, eu estava tendo toda a sua atenção.
— Pediu de volta. Falou que já era tarde, já que eu estava sendo observada. Não sei. Estou com medo.
— Ei, não precisa chorar! - Sua voz ficou suave e só assim percebi que lágrimas escorriam pelo meu rosto. - Não sabemos se isso é uma brincadeira, Rafa! De um péssimo gosto, mas é uma opção. Amanhã temos que ir ao campus, certo? Procuraremos esse professor e tiraremos nossas dúvidas.
Por mais que a Kim tenha passado horas e horas me confortando dizendo que tudo acabaria bem, eu não conseguia acreditar nisso. A sensação que aquele homem me passou foi de total desespero, ele realmente estava preocupado e estava longe de uma encenação, ele nem era tão novo para joguinhos.
Fechei os olhos e tentei relaxar, enquanto adormecia, encontrei os seus olhos autoritários.
Começou com um ruído, e depois de alguns segundos se tornou a minha música favorita, que não sei ao certo se era tão favorita assim.
— Bora bela-adormecida, temos um professor para interrogar. - Kim deu dois tapas na minha porta e ouvi seus passos indo para a cozinha.
Meu estômago embrulha no mesmo instante, mas consigo me controlar, claramente estava mais calma do que a noite anterior.
Fui direto para o chuveiro e deixei a água quente passar por todo o meu corpo, observava ela cair no chão com um piso antigo e gasto, e ir até o ralo junto com as lembranças da noite anterior. Nitidamente mais calma, respiro fundo relaxando os meus músculos.
— Está com fome? Espero que não, não temos nada para comer. - Kim informa assim que piso na cozinha.
— Não, na verdade estou sem apetite. E então, podemos ir?
Vejo ela encarar o meu cabelo e torcer a boca. Viro os olhos e puxo os castanhos escuros para um coque frouxo, deixando algumas mechas soltas.
— Bem melhor, depois vamos dar um jeito nele. - Aprova relutante.
Enquanto caminhávamos para a faculdade, Kim contou mais um pouco da sua história. Ela é adotada, mas não suportava o pai adotivo, já que ele era um frustrado, a odiava pela mulher não poder ter filhos. Definitivamente deveria ser bem triste estar morando em um lugar que não era bem vinda por um dos donos.
Quando chegamos, fiquei assustada pelo tamanho já que a cidade era tão pequena, imaginei que fosse um ovo. Mas não, intimidante e muito bem cuidado a Universidade de Garindé era a coisa mais linda que eu já havia visto.
— Cada hora que passa esse lugar fica mais estranho. - Kim falou intrigada. - Olha esses prédios antigos, essa arquitetura. Nada está descascando, só esses zumbis que não mudam, todos de preto e andando como se fossem robôs.
Observei as pessoas no jardim da frente do campus, e a encaro com outros olhos. Elas me lembravam alguém, sim, lembravam eu na noite passada: desconfiada e preocupada.
— Não parece medo? - Sussurrei.
Kim não me ouviu, agradeci por isso, por ter sido apenas um pensamento alto. Acompanhava seus passos rápidos, subimos as escadas e logo estávamos dentro do prédio muito bem cuidado.
— Qual a sua grade? - Ela pergunta tirando a folha dela do bolso toda amassada.
— Não sei, acho que escolhi matérias demais. Mas vou para anatomia.
— Ok. Caso ele aparecer você me fala, e depois da aula vamos atrás dele. Tá bom? Qualquer coisa me liga.
— Sim!
— E Rafa. - Ela chama quando já estávamos indo em direção diferentes, virei corpo pra ela. - Não confie em ninguém, ok?
Aceno com a cabeça e continuo o meu caminho, um tanto desastrada com o mapa do campus não mão, consigo achar a sala depois de longos minutos. Tempo suficiente para que todos já estivessem em suas aulas.
Abro a porta, e o eco se espalha pelo auditório, e em seguida barulho de cadeiras e corpos se virando pra mim. Tem bastantes alunos e eu provavelmente atrapalhei a aula. Sem olhar muito para os lados, busquei a primeira cadeira vazia e me sentei rapidamente antes que chamasse mais atenção. Joguei uns livros na mesa e encarei quem estava dando a aula.
Minha garganta tampa e eu sinto uma leve falta de ar.
Nossos olhos se encontram e um choque corre por todo o meu corpo, seus olhos são tão intensos e misteriosos que eu, estranhamente, não consigo desviar. Mas ele sim.
Peguei o celular discretamente e comecei a digitar um SMS para a Kim.
— Não autorizo celulares na minha aula, senhorita Ferraz. - A voz. Aquela voz de ontem à noite ecoa no meu ouvido e o meu corpo estremece.
Estranhamente ele já está ao meu lado.
Tento bloquear o celular e ele acaba caindo entre os meus dedos trêmulos e batendo no chão. Pego rapidamente antes que ele lesse a mensagem, mas pela sua expressão ele tinha visto. Olhá-lo por baixo o fez ser ainda mais prepotente, mas com certeza gostava disso.
Felipe passou o resto da aula sem olhar pra mim, e eu não tive coragem de pegar o celular novamente, tendo a falha tentativa de avisar a Kim que ele estava aqui.
Finalmente o sinal bate e todos começam a guardar suas coisas e o auditório vai esvaziando aos poucos. Eu continuei o observando, tão bonito e egocêntrico. Bate a caneta na coxa impacientemente enquanto anda de um lado para o outro, passos largos e fundos, o que parecia é que ele estava irritado. Sapatos sociais davam passadas elegantes. Jeans escuro e uma camisa social azul marinho.
Achei melhor sair dali o mais rápido possível, então começo guardar minhas coisas quando percebo que aqui está praticamente vazio, exceto pela garota que estava se desviando das cadeiras para sair e por um professor misterioso.
— Rafaela. - Ele chama o meu nome assim que a menina sai.
Eu estou a três passos da porta mas as minhas pernas param. Não parecia um chamado educado, parecia uma ordem.
Engulo seco e viro pra ele, que está no mesmo lugar ainda batendo a caneta na sua coxa, inevitável eu desço os olhos e meu instinto falho faz com que eu olhe o volume na sua região íntima. Eu queria fazer tantas perguntas, mas não consigo formular nenhuma frase.
— Chegou atrasada hoje, perdeu a apresentação e algumas coisas importantes sobre o campus. Depois passa na diretoria e retira as regras.
— Regras? Em um campus? O que seria? Pichar muros ou matar aulas no banheiro? Ou não assustar as pessoas durante a noite?
— Do que você está falando?
— Quem é você, Felipe? - Perguntei curiosa.
—Seu...Seu professor de anatomia. - Responde depois de alguns segundos - Agora se não se importa, preciso organizar as coisas para a próxima aula. - Indica a porta.
Sua voz estranhamente ficou calma e ele voltou para os seus livros.
Viro para sair e vejo um homem alto e um pouco velho, seus olhos ainda estavam no Felipe mas assim que notou que estava sendo observado abriu um sorriso largo e amarelo pra mim.
— Rafaela, pode me acompanhar? Sou o Diretor.
— Claro! - Respondi prontamente.
Ele da uma última encarada no Felipe e começa a andar na minha frente.
Espera.
Calma aí.
Ele está mancando.
O homem correndo na direção da minha casa também mancava dessa mesma forma.
Olhei pra trás e busco os olhos do Felipe. Estranhamente eles buscam pelos meus também e quase tenho certeza que seus lábios contraíram em preocupação.