Capítulo 03

2216 Words
O almoço seguiu com calma, os filhos conversavam entre si tentando esconder do pai a ansiedade em descobrir sobre o diário. Teriam chegado à conclusão que tudo o que viram em sua infância e juventude, antes de saírem da casa de sua mãe, era parte de algo maior. Lucius deixara claro para os irmãos que eles iriam se arrepender de toda a rispidez com a qual trataram o velho pai. Mesmo que os pais tivessem ignorado o mais velho da casa, as noras e os netos gostavam bastante do senhor. Contavam sobre história que vivenciaram naquele ano, além de claro ouvirem histórias que o senhor da casa contava sobre aquela cidade. ― Antigamente, aqui costumava ser uma cidade pequena que vivia das plantações. E era conhecida pelo internato Saint Claire, que foi onde eu e a mãe dos meninos estudamos no colegial. ― O senhor ria com as lembranças ― Todo filho de gente rica ia para lá. Era um tormento para mim andar em todo lugar, simplesmente por ser um Bailey. Os três filhos ouviam a história também. Talvez fosse a primeira vez que ouviria o pai contar sobre algo de seu passado. Sabiam que o avô deles era alguém importante. Inclusive que o senhor da casa teria cuidado da empresa, assim como Benjamin atualmente cuida. Mas nunca haviam imaginado como teria sido a vida do pai antes do casamento. ― Era gente me seguindo para todo lado, perguntando sobre as ações de nossa empresa. E eu nem ligava pra isso. ― Ria o senhor esticando os braços mostrando as tatuagens. ― Fiz essas aqui para poder irritar meus pais, que me queriam todo engomadinho atrás de uma mesa preenchendo papeis e falando coisas complicadas. Nunca fui disso. Gostava da farra, adorava meus amigos e se eu sentisse tédio dava um jeito de m***r aula. Héctor arregalava os olhos com a rebeldia de seu pai. Recordava-se das tatuagens, e sempre achava aquilo legal. Só nunca imaginou que a vida do pai era como a mãe deles havia dito. ― Saía com mulheres mais velhas, ficava o final de semana em pequenas boates. ― O velho senhor ria balançando a cabeça ― Mas foi uma fase que acabou rapidinho, acabei enjoando daquela rotina. ― Por que o vovô enjoou? ― Porque eu conheci uma pessoa que me fez mudar. ― O olhar do velho senhor era de pura nostalgia. Mexia o arroz e levava à boca enquanto olhava a mesa pensativo. E então direcionou o olhar para os filhos ― Ele seria o dono de todos aqueles livros. ― Ele? A resposta unanime dos dois filhos não surpreendia o senhor da casa, e muito menos a Lucius. Entretanto o assunto se encerrara por ali, o desconforto nos olhos do pai era perceptível. Emma logo chamou a atenção de todo mundo, passando a fazer piadas. Por volta da tarde as crianças de fato teriam saído para brincar junto com as mães, deixando apenas os três filhos e a neta junto com o senhor da casa. Oliver fora o único que se disponibilizou a ir fazer as compras dos mantimentos que faltavam, e preferiu assim já que queria explorar a cidade sozinho. Lucius confiava plenamente no marido sabendo que ele precisaria se inspirar, já que era um escritor querendo escrever um romance naquela cidade. O senhor da casa havia se sentado em sua poltrona, jogando uma coberta dobrada sobre suas pernas. Percebia que os meninos estariam lhe rondando, curiosos para saber alguma coisa. Mesmo assim, fingia saber de nada. Somente descobrira o motivo da curiosidade quando Lucius se sentou no tapete, ficando em frente ao pai. Fingindo ignorar os irmãos, que também fingiam assistir televisão, o caçula mostrava o diário para o pai abrindo em uma página pré-escolhida. ― Pai, me conte essa história de novo. Quero saber os detalhes, já que Oliver aceitou escrever sua história. O senhor lembrava-se de quando Oliver morava consigo, ouvindo sua história ficando encantado dizendo que deveria publicá-la como um romance. Obviamente o senhor ficou imaginando como seria um livro, e por isso pediu para que o genro o fizesse. Talvez como uma forma de desabafo. Olhando a página escolhida, lera sua própria caligrafia para recordar. De canto de olho observou os filhos de braços cruzados, observando-o reflexo da televisão. Enquanto Lucius apenas assentia ao receber o olhar duvidoso do idoso. Saberia que o caçula estaria aprontando alguma coisa, então apenas seguiria o fluxo. Perderia nada contando aquela história novamente. ― 14 de fevereiro era o início do meu ano letivo. Na época eu tinha dezesseis anos e estava indo para o segundo ano... ●●● Interior do Inglaterra, 14 de fevereiro de 1965 O internato Saint Claire era particular frequentada somente pela alta elite. Filhos de empresários que iniciam o seu negócio, presidentes de empresas, futuros artistas e entre outros são alguns exemplos das profissões daqueles que se alto declaram de linhagem pura. O seu ensino ficava entre os melhores não havendo discordância quanto isso, principalmente por conta de método de ensino extracurricular que auxiliavam os herdeiros a seguirem na área dos negócios. Franchesco Bailey era filho herdeiro de uma empresa de entretenimento, a maior que poderia haver em todo o país. Sua popularidade na escola era grande desde o seu primeiro dia de aula, e isso apenas aumentava uma parte do seu ego. Seus amigos, os verdadeiros, eram apenas dois e ambos futuros empresários de empresas diferentes. Sempre andavam juntos, e raramente os viam brigar. Por isso eram conhecidos como trio real. O motivo do nome seriam os rumores que outros alunos criaram. Para viverem tão poderosamente na atualidade, só poderiam ter sido belos reis em outras vidas. Alguns dizem que a beleza que os três rapazes têm é algo incomparável, não há igual ou melhor. Além de suas habilidades esportivas e acadêmicas chamarem atenção, o comportamento rebelde também parecia ser um charme real. Colocar os pés na frente da escola precisava de alguns segundos de preparação psicológica. Seria mais um dia como os outros, sem nada de interessante para ver. Ajeitando os cabelos brancos, o rapaz de tatuagens sorria jogando a bolsa sobre o ombro e passava pelo portão. Logo os gritos femininos junto com os murmúrios se iniciaram. Gostava de que falassem de si. Fingindo ignorá-las seguira o seu percurso para o refeitório onde encontraria seus amigos. Não havia muito movimento, preferindo chegar cedo para aproveitar a calmaria que antecedia o pico dos alunos. Além de que dentro da escola não receberia nada dos seus pais, que provavelmente ligariam para saber o que o filho pensou sobre o futuro. Não saberia se quer o que comeria naquele café da manhã, quanto mais sobre o seu futuro. Parando na porta do refeitório, ficou à procura dos meninos. Não os encontrando, apenas suspirara indo até a cantina onde comprara alguns salgados. Segurou a bandeja seguindo os exatos vinte passos até a mesa central desocupada. Deixando a bandeja sobre a mesa e a mochila no banco ao seu lado, tratou de comer um dos salgados. Estava entediado demais. Seus olhos vagavam pelo refeitório parando nas janelas. Nunca havia reparado que os vidros eram tão grandes dando vista ao gramado entre os prédios. Como haviam lugares que nunca conheceu, mesmo frequentando a escola por um ano. Enquanto olhava as janelas, percebendo que alguns alunos se sentavam no gramado para aproveitar o sol do dia, algo percorreu em sua mente. Faziam alguns dias que sua rotina era a mesma coisa. Vir à escola, falar com seus amigos sobre as mesmas coisas, assistir às aulas sobre a mesma matéria. E quando chegava no dormitório, não sentia vontade de fazer absolutamente nada. Passava o restante do dia deitado na cama olhando para o teto, sentindo falta do algo a mais. Quando que isso teria começado? Em que momento de sua vida, a sua rotina parou de ser interessante? Antes, passar pelo portão da escola não era motivo de hesitar. No entanto naquela manhã precisou se preparar para os murmúrios. Aquilo estava lhe incomodando? Por quê? Algo estava diferente. Algo havia mudado para si e não teria percebido. Estava tão imerso em seu próprio pensamento, que não percebia o movimento ocular que fazia. Estava seguindo um garoto que se sentava em uma mesa próximo a janela. Ele tirava um livro da mochila e ficava lendo as páginas, enquanto tomava algum suco de caixinha. Nada demais, apenas um garoto como os demais. Voltando a encarar o salgado, o rapaz tatuado apenas soltou um suspiro. Aos poucos o movimento no refeitório aumentava, e com ela a vinda de dois rapazes. Um deles tinha a pele branca, um lábio levemente carnudo que parecia em sonhos de várias garotas, tendo de seus cabelos lisos e negros ajeitado em uma franja. O segundo tinha a pele clara como leite, os cabelos castanhos ajeitados em um topete e a fisionomia calma. Franchesco os avistou e ergueu o braço acenando para eles. Assim que reunidos, se cumprimentaram para então voltarem sua atenção ao braço direito do mais alto. ― Mais uma tatoo! ― O rapaz mais baixo segurava o braço de Franchesco olhando de perto ― Quanta ousadia. ― Te rendeu quantos castigos? Uns vinte? Franchesco ria dos amigos negando com a cabeça. Puxando o braço olhou o desenho do relógio que havia feito em antebraço. ― Eles ainda não viram. Fiquei de moletom em casa no último final de semana. O riso de ambos os jovens ecoou pelo refeitório. Os meninos começaram a conversar, ignorando totalmente os olhares indiscretos de quem passavam por eles. Não demonstravam ficar contentes com a atenção que recebiam. Se mostrassem gostar daquilo, provavelmente arranjariam mais brigas. Rivalidades com outros rapazes era terminantemente proibido, se a diretora soubesse de qualquer briga seria o fim dos três rapazes na escola. ― Aliás, o que acham da Camille do terceiro ano? Franchesco mantinha o olhar no pequeno pedaço de salgado. O enfiou na boca ignorando os olhares intensos dos dois amigos. Os mesmos se entreolhavam e suspiravam, apenas pegando seus respectivos lanches. ― Sabe Franchesco, acho que deveria ver como ela é. Dizem que é um broto legal. ― Não estou interessado. ― Nunca está ― Sussurrava o outro deixando o copo vazio de café. ― As de boate são melhores que as daqui? Franchesco segurava o copo com o suco de laranja e refletia. Quanto tempo teria se passado desde o último final de semana em que fora a alguma balada flertar com as mulheres, aproveitando de seus corpos para o prazer dos envolvidos? Eestava entediado demais para ir, além de parecer ter perdido o interesse naquelas mulheres. Mesmo assim deixou um sorriso travesso em seu rosto. Se fosse para comparar as mulheres da boate, que apenas querem dormir com um Bailey, e as garotas da escola que querem namorar um Bailey, então iria escolher aquela opção que menos lhe deixaria preso a algo. Mulheres da boate. ― Com certeza. A troca de risos entre os três amigos continuara até alguns minutos após o sinal tocar. Mesmo assim permaneceram sentados sozinhos esperando a vontade de ficar horas dentro de uma sala de aula. As matérias já não eram mais interessantes, e aquilo ajudava com o tédio que os rapazes sentiam. Mesmo assim estavam no segundo ano, queriam se livrar da escola o quanto antes e entrar de férias antecipadamente. Agarrando as mochilas, os três seguiram para a classe, da qual somente o mais baixo e o próprio Franchesco estudavam juntos. Se despedindo de Vincent, Franchesco e o menor Adrian, entraram na terceira sala do segundo andar, apenas movendo a cabeça sussurrando um pedido de desculpas nada sincero. O professor que iniciava suas explicações, ajeitou o par de óculos e assentia, engolindo a sua pequena ponta de raiva por ter sido atrapalhado novamente. Sentando-se nas últimas carteiras vagas, os dois rapazes tentaram seguir a aula. Até faziam as anotações, mas não conseguiam manter o ritmo. Quando o quadro era apagado, Franchesco jogava o lápis sobre a mesa e resmungava, já perdia o interesse naquela aula tão complicada. Desistindo em saber o que estava sendo explicado, olhou para Adrian que já dormia escondido atrás do livro. “Deveria imitar ele?”, deixando as mãos em seu bolso da calça, o rapaz deitou a cabeça sobre o caderno olhando a janela. Estava um dia ensolarado, as folhas da imensa árvore que ficava em frente ao seu prédio balançavam em ritmo ao vento. Parecia um movimento gracioso e calmo, que rendeu a atenção do rapaz por alguns minutos. Desviando os olhos para o livro, leu algumas linhas fazendo careta. “Como podem entender isso sem figuras?”. Passando o indicador no livro, o fechou e suspirou baixo. Mesmo com um dia ensolarado no lado de fora, Franchesco estava preso dentro de uma sala onde todos pareciam máquinas da aprendizagem. Talvez o mundo lá fora fosse como um livro ilustrado, apenas vendo e vivendo é que se aprenderia. Por algum motivo, as janelas estavam chamando sua atenção naquele dia, como se fizessem algum convite. Entretanto, Franchesco não sabia exatamente o que iria encontrar no lado de fora, e por isso negava-se a acreditar em seus instintos. Iria permanecer na sala de aula, e como estava tudo tão entediante, ficaria imerso em seu silêncio sem vontade de atrapalhar o professor.
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