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Alexander
Me levava pela praça até um parque infantil bem arejado após eu dizer que nunca brincara em um.
Não entendo porque ele ficara tão chocado. Alex cresceu sempre na cidade grande, tendo tudo do bom e do melhor. Seus pais viviam viajando e o levando para conhecer lugares maravilhosos e exóticos.
Eu fui criada em uma casa afastada da cidade e um jardim de flores com um lago pequeno era meu canto de diversão. Meus pais raramente me levavam para conhecer a cidade, sendo a noite do acidente que os levara a última vez.
E quando os perdi, fui parar num orfanato rígido onde as crianças nem sequer podiam ir à escola. Os professores eram as funcionárias.
E foi apenas na adolescência que fui adotada pela família Son, já não tinha mais idade para brincar em parquinhos de praça.
— Alexander eu não acho que isso seja necessário, não temos mais tamanho pra brincar nessas coisas! - assegurei e apontei para o balanço no qual ele me puxava.
Mas Alex não me dera ouvidos e logo me fez sentar ali e me segurei com firmeza nas correntes do balanço velho.
Pelos rangidos, já estava bem gasto.
— Confie em mim, Minah - o loiro de repente estava sussurrando em meu ouvido, posicionado atrás para conseguir me empurrar para a frente — Apenas sinta o vento e relaxe.
Era um pouco desconcertante ouvir sua voz tão colada ao meu ouvido, mas fiz como me pediu. Respirei fundo e fechei os olhos, deixando que ele me empurrasse cada vez mais alto.
Logo eu já tinha esquecido minha tensão.
O vento morno em meu rosto, o balanço indo para a frente e depois pra tras me trazendo a sensação de estar voando, a risada doce do meu amigo enquanto me empurrava...tudo aquilo era estranhamente reconfortante.
De vez em quando abria os olhos e virava o rosto para encarar Alexander, rindo com ele enquanto aproveitava aquele momento.
Logo que cansamos do balanço ele me convenceu a experimentar os outros brinquedos e passamos o dia entre risadas e constrangimentos por ser dois adultos em brinquedos para crianças.
Mas foi assim que me senti naquele momento: como se tivesse voltado a ser criança.
Perdemos até a noção da hora, do tanto que nos divertimos com a companhia um do outro.
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À noite, sentia meu corpo inteiro dolorido por ter brincado tanto. Só mesmo uma criança para aguentar horas sem cansar naqueles brinquedos, já eu estava exausta.
O toque sereno da campainha me desviou da terceira xícara de chá com canela, a melhor bebida para relaxar depois de um dia cheio.
Franzi o cenho, tentando imaginar quem viria me visitar à essa hora; Celeste estava de plantão, e inclusive ficara de me ligar caso precisasse de ajuda com nosso paciente, e Leon ficava na equipe ambulatória durante o turno da noite. Provavelmente estava resgatando um doente pela cidade.
Movida pela curiosidade, fui até a porta, dando de cara com minha irmã postiça ao abri-la. Sua cara de tédio dizia claramente que só estava ali por obrigação, como tudo que fazia relacionado a mim.
— Você é lerda até para abrir uma porta? - ela nem me esperou dizer nada, já entrou e acomodou sua bolsa cara no sofá.
Ignorei, como sempre fazia com suas palavras ariscas.
— O que faz aqui, Charlotte? - perguntei após fechar a porta e me aproximar de onde ela estava parada, mantendo uma distância bem considerável.
Charlotte Sanchez era uma modelo de pouca fama, mas bem sucedida o suficiente para se manter na carreira, graças ao dinheiro exorbitante que seus pais tinham.
Era um pouco mais baixa que eu mas isso não a impedia de se destacar entre as garotas, com suas roupas caras, seu rosto levemente maquiado e seu cabelo loiro cortado na altura dos ombros, alisados até a ponta.
Temos praticamente a mesma idade, eu sendo mais velha apenas por um ano, e nos dávamos bem, até a adolescência chegar e ela sem razão nenhuma começar a me desprezar e me diminuir, junto com sua mãe. Se minha história fosse um conto de fadas, diria que eu era a Cinderela.
O único que gostava de mim na família era o senhor Sanchez, pai de Charlotte.
Ele era amável e sempre me tratou como uma filha, dizendo que eu era o que ele esperava que sua filha fosse: bondosa e honesta.
Claramente ele vivia desapontado com os comportamentos fúteis da mulher e da filha e se apoiava em mim para ter esperanças de algo bom naquela família bagunçada.
— Vim entregar o seu convite para meu casamento, é claro - ela respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo enquanto remexia na bolsa — esqueceu que vou me casar no final do mês que vem? Ou seu trabalho não te deixa pensar em mais nada? - se seu tom não fosse tão agressivo, diria que ela estava chateada por não ter minha atenção como deveria.
— E por que eu preciso de convite? Achei que a irmã da noiva tinha entrada exclusiva - tentei soar brincalhona mas só ganhei um olhar frívolo dela, daqueles que doem mais que um t**a.
— Você não é minha irmã, e nunca vai ser - acusou em tom baixo, mas furioso — sempre será apenas a garota imunda de rua que papai achou e trouxe para nossa família - tive que respirar fundo para não perder o controle com aquelas palavras.
Cada palavra era uma facada que ardia cheia de ódio em meu peito.
— Não estamos mais morando no mesmo teto pra você ter o direito de falar assim! Se for me ofender na minha própria casa, peço que se retire antes que... - ia continuar gritando, mas ela apenas riu, me interrompendo.
Charlotte exibia seus dentes brilhantes enquanto me encarava, numa mistura de divertimento e pena. Típico de uma irmã postiça que não aceitava minha situação.
— Antes que o que, Minah? Que você me bata? - e riu novamente — Você não faz m*l nem a uma mosca e sabe disso.
Mordi o labio inferior, aceitando as palavras. Sabia que ela estava certa, eu odiava violência e seria incapaz de fazer isso a menos que fosse necessário. Raramente explodia, gostava de lidar com as coisas de forma paciente.
E aquele não era o momento de perder o controle por causa de alguém tão mimado quanto Charlotte.
— Muito bem - ela estava claramente satisfeita ao ver que conseguira me humilhar novamente — deixarei o convite no sofá, não vou perder mais um minuto do meu tempo com você. Tenho que voltar pra casa e organizar um jantar especial com meus sogros, meu noivo e meus pais. E não, você não foi convidada, não faz parte da família - ela disse enquanto jogava o papel sob uma almofada e me analisava de cima a baixo, um gesto de superioridade.
Não protestei nem reagi. Apenas esperei que ela saísse e a porta fosse fechada para enfim desabar no chão, sentindo o peso daquelas palavras.
Não queria chorar, não por causa daquilo. As lágrimas enchiam o canto dos meus olhos e eu lutava para afasta-las. Não ia me abalar por ser excluída dos eventos da família, festas sociais nunca foram o meu forte.
Desejei mais do que nunca que o sono viesse e me fizesse mergulhar naquele jardim tão familiar e reconfortante, conversando com Bryan, que já podia considerar meu amigo. Não sabia como esses sonhos nos interligara um com o outro, mas com certeza lembraria de pesquisar para achar uma resposta.
Tínhamos uma ligação estranha, mas sentia que podiamos confiar um no outro, ser o conforto um do outro.
O telefone tocando, porém, me desviou de pensar naquele homem de cabelos escuros.
— Minah? - a voz do senhor Sanchez, pai de Charlotte, preencheu a linha.
Pelo visto a família toda tirara o dia para lembrar que eu existo.
— Boa noite senhor - tentei disfarçar a voz falha, mas ele me conhecia e saberia que eu estava próxima de uma crise de choro.
— Você esteve chorando? O que Charlotte disse dessa vez?! - como eu previra, ele soube no mesmo instante.
Suspirei, não queria desabafar e causar uma briga de família agora, não com o casamento de Charlotte tão próximo. Ela certamente me culparia se eu estragasse aquele momento tão especial e a última coisa que queria era uma briga séria com aquela garota. Só com palavras ela tinha capacidade de me deixar péssima, imagina o que aconteceria se eu me enfiasse no seu caminho?
— Não se preocupe, ela não disse nada, veio apenas me entregar o convite para o casamento - comentei, me levantando ao lembrar do papel que a mesma deixara no sofá.
Sentei-me ali enquanto analisava cada detalhe do convite com a mão que não segurava o celular.
— Suponho que ela não tenha feito o que pedi, que foi chamar você para o jantar de noivado amanhã - pelo seu tom ele parecia desapontado.
Minha respiração acelerou. Não tinha como eu ir se ela não me queria lá.
— Senhor, acho que não é uma boa idéia eu ir. Se ela não convidou, é porque não sou bem-vinda - arrisquei dizer, um pouco receosa.
— Bobagem, você é da família e tem todo direito de estar no jantar. Vamos, Minah, não se deixe abala pelas atitudes infantis da sua irmã, ela não vai criar confusão enquanto eu estiver lá - se tinha uma coisa que aquele homem era ao extremo era insistente.
Mas sua voz passava confiança, uma confiança de que ele não deixaria minha "querida" irmã postiça pisar em mim.
E também, eu era incapaz de negar algo a ele, visto o tanto que fez por mim ao longo dos anos desde que me conheceu no orfanato e me trouxe para sua família.
— Tudo bem, eu vou dar um jeito de mudar meu horário no hospital e ficar livre para o jantar, mas não vou ficar muito tempo - eu tinha minhas condições.
E para minha felicidade ele concordou, encerrando a ligação após prometer mandar seu motorista me buscar em casa no horário certo e apenas concordei, sabia que era inútil aquela altura pedir para ir em meu próprio carro.
Bom, não tinha como escapar. Eu teria que enfrentar minha irmã do m*l mais uma vez tentando me humilhar e dessa vez na frente da família de seu noivo, outra família de ricos esnobes.
Guardei aquele convite na gaveta do criado mudo, me aprontando para dormir depois daquele dia cheio.
Charlotte me deixara m*l, mas o dia com Alexander havia sido fantástico. E adormeci com um sorriso nos lábios e aquele loiro alto de sorriso bonito invadindo minha mente.
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— Você parece tão abalada hoje - era impressionante que, mesmo não me conhecendo tão bem ainda, Bryan conseguia adivinhar perfeitamente meu estado de humor. Ou talvez eu que fosse transparente demais.
Estávamos deitados lado a lado na grama macia, encarando o céu perfeito e procurando nuvens em formatos de objetos e animais. Já havia achado um coelho, um coração, um castelo e um gatinho. Aquilo me reconfortou de uma forma que aqueceu meu coração.
— São só problemas familiares que insistem em perturbar minha mente - suspirei levemente, dando a entender que não queria estender aquele assunto.
Mas ele não parecia afim de deixar o assunto de lado, como o senhor Son fizera.
Pelo contrário, logo Bryan estava sentado na grama, olhando para mim.
— Seus pais adotivos são ruins com você? - perguntou e senti uma pontada de felicidade por ele ter lembrado do que lhe contara sobre mim no último sonho em que nos encontramos. E não vira problema nenhum no fato de eu ser órfã e adotada.
Dei de ombros, imitando sua posição. Sabia que era melhor desabafar, talvez me tirasse um grande peso das costas.
— O senhor Son é um homem bom, me trata como uma filha, o que ajuda a suportar melhor a convivência com a senhora Sanchez e com Charlotte, a filha deles - comecei, olhando para os gestos que fazia com a mão enquanto explicava — Charlotte e a mãe quem nunca me aceitaram tão bem na família, estão sempre arrumando um jeito c***l de me lembrar disso.
O moreno assentiu, escutando tudo com atenção.
— Depois que deixei de morar com eles, o contato ficou bem menos frequente, mas hoje Charlotte veio me entregar o convite de seu casamento e voltou a me dizer coisas para que eu me sentisse um peso desnecessário na família - lutei para falar com firmeza, sem que as lágrimas enchessem meus olhos. Em sonho isso era muito mais fácil.
— Pelo visto o único que presta nessa sua família é seu pai adotivo - foi seu comentário, claramente incomodado.
Não respondi e apenas continuei olhando para as minhas mãos.
Não considerava o senhor Sanchez como meu pai, ninguém seria capaz de substituir meu amado e falecido pai, por mais que tivesse me ajudado tanto na vida mas ainda tinha um lugar especial no meu coração, um lugar de família e apoio.
O silêncio começava a me incomodar à medida que se estendia e olhei para Bryan.
Ele já me encarava, com uma expressão serena no rosto. Aquilo me me fez sentir linda e ao mesmo tempo amedrontada.
— Algum problema? - perguntei para quebrar aquele clima silencioso e intenso que se formava.
O rapaz limpou a garganta com uma pequena tosse, parecendo despertar de seus devaneios.
— Está sim, eu só estava pensando demais - tentou se explicar mas parecia constrangido demais.
— Pensando em que exatamente?
Eu era uma mulher curiosa, isso eu não negava.
O olhar que ele me deu enquanto organizava a resposta me deu aquela sensação novamente e senti meu coração palpitar.
Dessa vez ele não parecia mais constrangido.
— Em como é tão injusto uma mulher linda e doce como você se sentir rejeitada por pessoas que não a merecem - seu tom baixo fazia parecer que estava contando um segredo.
Balancei a cabeça com um meio sorriso, achando aquela uma resposta fofa e ao mesmo tempo cômica.
Eu? Linda?
Não Bryan, no máximo tinha uma beleza mediana.
Olhei para a barra do meu vestido branco, que sempre aparecia usando nos sonhos, fazendo pouco caso daquelas palavras.
Eu não era tão alta nem tão esbelta, apesar de não comer m*l também não comia tão saudavelmente para ter um corpo apresentável e usava roupas fechadas demais para sequer notarem algum detalhe. Fui obrigada a descolorir meu cabelo antes castanho após uma sabotagem de Charlotte com cloro e detergente no meu shampoo. Levou semanas para tirar todo o branco e deixá-lo loiro.
Pensei nisso tudo por uns minutos, aproveitando a calmaria e o encerramento da conversa.
Mas não durou tanto o silêncio dessa vez, logo senti a mão dele tocar meu queixo e levantar meu rosto para encará-lo.
Bryan Collors havia se mexido quando desviei a atenção e agora estava muito próximo de mim. Podia ver detalhes de seu rosto que não havia prestado atenção antes, como pequenas e claras sardinhas que se espalhavam em suas bochechas até a região da orelha.
Senti vontade de tocá-las mas fechei a mão para me conter, ainda paralisada por seu toque.
— Minah, você não deveria se sentir inferior a ninguém. Você é linda, doce e é uma mulher especial. Não deixe que ninguém, nem sua irmã, te diminua - foi seu conselho, sussurrando como se fosse um segredo entre nós, como se tivesse lido meus pensamentos.
Aquilo fez meu coração aquecer, mas não consegui falar. Apenas acenei com a cabeça, declarando que ouvira.
E acordei mais uma vez me sentindo acolhida por aquele rapaz.