O homem tigre

2001 Words
•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*• GERALMENTE Eu não tinha medo de encarar as situações, seja elas qual fossem. Desde me acostumar a viver em um orfanato, encarar uma nova família, uma construção de carreira profissional, até sonhar com um paciente que só estou cuidando a poucas semanas. Nada disso tinha me intimidado até agora. Então veio o jantar de noivado de Charlotte, onde as duas famílias se conheceriam. Ela não me queria lá, havia deixado bem claro, mas seu pai insistiu que eu fosse, por ele. Eu não podia negar à uma pessoa que desde minha infância cuidou de mim, simpatizou comigo desde que me vira no orfanato. Ele não tinha culpa de sua filha ter seguido os passos arrogantes da mãe, enquanto eu segui a compostura e responsabilidade dele. Mas a cada hora que se aproximava do evento, cada segundo, eu me sentia mais nervosa, imaginando como a loira reagiria ao me ver lá, participando de uma noite especial dela. Sendo sincera, eu prefiria passar a noite comendo pizza de quatro queijos e pesquisando mais sobre Suzane do que rodeada por duas famílias esnobes. Depois do último sanduíche, me senti pronta para começar o dia. Eu havia dormido tão m*l que acordara duas hora antes do expediente de trabalho, tinha tempo para me preparar com calma e seguir ao hospital. Reuni os documentos que conseguira de Suzane, aproveitando aquele tempo extra para continuar a pesquisa. Eu precisava comunicar a família daquela pobre moça o mais rápido possível e não teria muito tempo naquele dia, visto que estaria no jantar de Charlotte. Peguei a certidão de casamento e comecei a ler as informações sobre os dois. Pela primeira vez naquela busca estava tomando notas. O endereço onde os dois moravam, onde trabalhavam e os telefones... OS TELEFONES! Me detive no número de celular de Suzane, sobressaltada e me sentindo burra por ter deixado esse detalhe me escapar até agora. Claro, o celular dela não havia sido destruído no acidente! Os bens dos pacientes ficavam confiscados no hospital, esperando até que o dono ou um parente os buscasse. Guardei de volta os documentos, sabendo exatamente o que fazer, e me apressei para chegar ao hospital mesmo que ainda faltasse tempo para começar meu expediente. •*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*• — Você quer o celular de uma garota morta? Por que? - perguntou o rapaz responsável pela secretaria. Seus olhos me analisavam com desconfiança e comecei a me sentir desanimada em levar aquele plano à frente. Mas eu devia isso a Bryan. — Por favor, Holland, estou fazendo um favor à um amigo. Preciso contatar a família da moça e avisar sobre o que aconteceu, fui informada de que eles não sabem e que ninguém aqui do hospital procurou avisar - insisti, sendo sincera mas sem contar todos os detalhes. Se eu dissesse que estava sonhando com o paciente em coma de que cuidava, com certeza a equipe já teria me levado para uma consulta psicológica. O funcionário suspirou, seu cabelo castanho caindo levemente nos olhos enquanto inclinava a cabeça e refletia se deveria me ajudar ou não. Era contra as regras tomar os pertences de um paciente, não importava seu estado. Mas àquela altura eu não me importava em ser a certinha que obedecia regras. Uma família perdeu seu integrante em outro país, era crueldade não saberem. Depende de longos cinco minutos, o secretário olhou para mim, quase arrependido de estar cedendo. — Muito bem, mas você vai ter que devolver amanhã mesmo, antes que os funcionários de limpeza dêem por falta - avisou enquanto se levantava e ia até a prateleira para pegar o saquinho com os pertences de Suzane e me entregar. Sorri e prometi com um aceno que cumpriria o meu lado do acordo enquanto tomava o saco em mãos. Finalmente cumpriria a promessa que fiz a Bryan, ele poderia ficar em paz e focar em sua recuperação depois daquilo. Me despedi de Holland e guardei o saquinho na mochila, seguindo para o quarto de funcionários para me vestir adequadamente. Fiz uma nota mental de pedir à secretária de Celeste para trocar meu horário da noite, assim estaria livre para o jantar. Celeste entrou logo em seguida e respirei fundo para não acabar agindo como alguém que acabara de infligir uma regra. — Você está bem, Minah? Parece pálida - ela notou, fazendo meu corpo automaticamente esfriar. Balancei a cabeça e procurei a melhor forma de desconversar. — Apenas tensa, hoje vai ter um jantar para conhecer a família do noivo da minha irmã e vou ter que trocar meu horário da noite para ir - era uma verdade, apesar de não ser apenas isso. Celeste suspirou pesadamente, como sempre fazia quando eu mencionava minha família adotiva. Ela sempre odiou o jeito mesquinho de Charlotte, desde que a conheceu. — Quantos boas sortes você precisa que eu deseje para aguentar sua irmã por algumas horas? Ri fraco, mais relaxada. Aquela noite seria de fato longa. — Acho que nem assim me ajuda a ter coragem de enfrentar isso sozinha - comentei, fechando os últimos botões do uniforme. Logo estávamos no corredor indo em direção ao quarto do nosso paciente. — Por que não convida alguém para ir com você? Tenho certeza que seria melhor se também apresentasse um namorado à família, pelo menos não ficaria tão deslocada - aconselhou a mais velha, terminando de prender o cabelo em um coque alto. Pensei um pouco sobre. De fato me ajudaria a não ser apenas uma presença morna e invisível naquele lugar, mas quem eu poderia convidar? Minho seria o único disposto a me ajudar e ele tinha muito trabalho à noite. — Seria uma boa, mas o Leon está com a agenda lotada hoje a noite - suspirei com pesar. Celeste apenas revirou os olhos. — É um milagre ele NÃO estar com a agenda lotada - rimos juntas do comentário, concordando. Leon adorava trabalhar — mas você tem aquele seu amigo, o Alexander certo? Convida ele. Mordi o labio, sem responder. Não conhecia Alex a muito tempo, não sabia se toparia participar de um evento tão pessoal assim comigo. Meus pensamentos sobre o loiro e o jantar se foram ao encarar o corpo inconsciente de Bryan Colllors na maca do quarto, o peso da promessa que fiz a ele pesando sob os ombros. Inspirei e soltei o ar lentamente enquanto Celeste checava as máquinas e eu tratava de limpar e trocar os curativos de seus ferimentos. Já estavam quase cicatrizados, mas hospitais eram lugares sempre lotados e não queríamos correr o risco dele contrair uma infecção. Havia outra coisa que eu precisava fazer por ele e esperaria apenas Celeste sair do quarto para ficarmos a sós. — Vou pedir um novo exame agora mesmo, mas os sinais da máquina e os exames de ontem indicam que ele não corre mais risco de coma permanente - a médica pronunciou com alívio, me deixando igualmente esperançosa. Já ia fazer um mês que estávamos sem um sinal de melhora do moreno. Esbocei um meio sorriso enquanto alisava a bochecha do rapaz, limpando com cuidado o último ferimento, um corte que ia da ponta do nariz até o canto do labio superior. — Espero que ele acorde em breve - sussurrei, com o desejo saindo do fundo do meu coração. Pelo canto do olho, vi a médica assentir enquanto escrevia em sua prancheta. — Os exames de hoje provavelmente vão indicar o tempo exato, mas pelos meus cálculos e a recuperação dele até agora, tudo indica não vai demorar tanto tempo, talvez mais um ou dois meses - a m analisou os detalhes com cuidado e precisão. Abri mais o sorriso enquanto olhava o rosto adormecido dele, arrumando o tubo de ar em seu nariz após terminar de limpar o corte. Logo ele acordaria e poderia recomeçar uma nova vida. Será que se lembraria de mim ou do que aconteceu a si mesmo? Não acontecia muito, mas corria o risco do paciente não se lembrar nem mesmo de sua identidade ao acordar de um coma. Dependia do tamanho do trauma causado pelo acidente e apesar dele não ter sofrido nenhum dano na região cerebral, o psicólogico as vezes pode ser frágil. — Vou dar entrada nos exames de hoje e aproveito para pedir à recepção que informe a chefe das enfermeiras sobre seu evento para que seu horário seja trocado - voltei minha atenção para Celeste enquanto a mesma se aproximava e repousava a mão em meu ombro — hoje você fica a manhã com o paciente e cobre a tarde no berçário - alertou, por fim. Sorri para ela. Eu não podia ter pedido uma agenda melhor para o dia. — Obrigada, minha amiga. Com um sorriso leve e um aperto no meu ombro, a médica se retirou. Esperei até que fechasse a porta e fui até a gaveta do pequeno criado mudo ao lado da cama de Bryan, onde havia guardado o livro que começara a ler para o mesmo. — Não é ótimo, Bryan? Saber que vai acordar em breve? - sabia que ele me ouvia e me sentei na ponta da cama, abrindo o livro e começando a ler. Ler me relaxava e esperava que fizesse o mesmo efeito sob ele. — Kelsey criou uma conexão com aquele tigre branco no primeiro momento que o viu. Ela se sentiu inebriada por seu cheiro, por sua beleza, e seus hipnotizantes olhos azuis. Ela nem sequer questionou porque, não hesitou em se aproximar daquele animal tão desconhecido mas tão atraente e confiável. E aos poucos o tigre também se afeeiçoou a ela - limpei a garganta enquanto virava as páginas, presa naquela leitura — até que ela começou a ler e conversar com ele, mesmo sabendo que ele não podia responder com palavras, a confortava saber que ele ouvia. Ela queria que ele fosse livre, torcia para que ele saísse daquela prisão que era o circo para que corresse livre por aí. Ela m*l sabia o que lhe aguardava. Quando enfim parei de ler, era hora do almoço. Afastei alguns fios de cabelo de seu rosto, Bryan parecia tão sereno que me confortava. — Pode ser estranho Kelsey ter se sentido atraída por aquele tigre mesmo sem o conhecer...- sorri fraco observando aquele rosto tão sereno, mas tão pálido — mas acho que o amor verdadeiro é assim, não é? Você sente como se um imã invisível te atraisse pra essa pessoa. Fechei o livro e me levantei, ainda de olho naquele rapaz que se tornara meu apoio naqueles sonhos. Não entendia porque, mas ansiava pelo dia que ele acordaria e eu pudesse finalmente ouvir sua bela voz, olhar em seus olhos castanhos, senti-lo fora dos sonhos e assim ter certeza de que era real. Será se ele tinha aquela personalidade tão amável na realidade também?? Pensando nisso, dei um lento e singelo beijo em sua testa. O calor morno me deixou esperançosa, era sinal de que ele acordaria em breve. Sorrindo, saí do quarto direto para o refeitório, mas antes saquei o celular e fiz uma ligação importante. Enquanto lia para Bryan, refleti sobre o conselho de Celeste sobre não ir sozinha no jantar e decidi realmente aderir a idéia. Não queria estragar o dia da minha irmã, mas também não queria ser humilhada. E como minha presença não era requisitada por ela, não seria bom passar por todo aquele climao sozinha. Feliz por Alexander ter aceitado meu convite, me apresso em pedir meu almoço e mandar uma mensagem para Celeste me encontrar no refeitório. Teria uma longa noite pela frente e nada melhor que um almoço com a minha melhor amiga para relaxar antes disso.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD