Capítulo 02 : Entre o Controle e o Caos

1261 Words
Rafael A festa estava lotada, como sempre. O som do funk misturado ao cheiro de churrasco e fumaça criava uma atmosfera elétrica. A Rocinha era assim, pulsante, viva, cheia de energia e caos. Era meu território, minha casa. O local onde eu dominava e controlava cada passo. E aquela noite não era diferente. As pessoas se aglomeravam, riam, bebiam. Eu observava tudo, de longe, sem realmente fazer parte. Ser o líder de uma área como essa exige mais do que força ou inteligência. Exige estar sempre alerta, saber quando agir e, principalmente, quando observar. E naquela noite, minha atenção foi atraída para algo diferente. Ela. Não era o tipo de garota que eu estava acostumado a ver por aqui. Mesmo em meio à multidão, ela parecia deslocada, como uma peça de um quebra-cabeça que não se encaixava. Tinha um olhar atento, curioso, mas também hesitante. Seus olhos percorriam o ambiente com cautela, mas havia uma faísca ali, algo que despertou minha curiosidade. Ela não parecia pertencer à Rocinha, e isso me fez observá-la mais de perto. Seus movimentos eram sutis, quase como se tentasse passar despercebida, mas ao mesmo tempo, havia uma força contida nela. Eu sabia identificar pessoas que vinham de fora, que não conheciam os perigos daqui. E ela definitivamente não pertencia a esse mundo. Mas, ainda assim, estava ali. Continuei observando de longe, até que decidi me aproximar. Algo nela me intrigava, e eu sempre fui bom em seguir meus instintos. Desviei-me pelas pessoas, como um predador que escolhe cuidadosamente sua presa. Quando cheguei perto o suficiente, ela já tinha me notado. Nossos olhares se cruzaram e, por um breve momento, vi a confusão em seus olhos. — Você não parece pertencer a este lugar — comecei, minha voz baixa, como se compartilhasse um segredo. Ela me olhou com um misto de surpresa e curiosidade. Não era o tipo de reação que eu normalmente recebia. Havia algo diferente nela. Algo que eu não conseguia identificar de imediato, mas sabia que estava lá. — Estou apenas acompanhando uma amiga — ela respondeu, a voz um pouco vacilante, mas ainda firme. Sorri. Gostei do desafio que suas palavras traziam, da tentativa de não parecer vulnerável. Ela era mais forte do que aparentava, e isso só aumentou meu interesse. — A Rocinha pode ser perigosa para quem não conhece suas ruas — continuei, me aproximando um pouco mais. Eu queria ver até onde ela iria com isso. Havia algo na maneira como ela mantinha a postura, mesmo sabendo que eu era alguém a ser temido. Ela deu de ombros, como se não se importasse. Era um gesto pequeno, mas significativo. Uma tentativa de mostrar que não estava intimidada, embora seus olhos revelassem algo mais. — Acho que estou me virando bem até agora — ela disse, e dessa vez, seu tom era mais firme. Gostei disso. Não era fácil encontrar alguém de fora que não se dobrasse diante do medo. Ela tinha coragem, e isso me atraía. Mas também me intrigava. O que fazia alguém como ela, uma garota obviamente de fora, se meter em um lugar como esse? — Siga-me — falei de repente, sem dar espaço para que ela recusasse. Virei as costas e comecei a andar em direção a uma área mais isolada, onde poderíamos conversar sem as distrações da festa. Queria saber mais sobre ela. Queria entender por que ela estava aqui e o que a trouxe até meu mundo. Senti sua hesitação, mas ela me seguiu. Isso me disse muito sobre sua curiosidade, sobre sua vontade de se aventurar, mesmo sabendo dos riscos. Quando chegamos a um canto mais afastado, onde as luzes eram mais fracas e a música apenas um ruído distante, me virei para ela. Seu olhar estava atento, analisando tudo ao seu redor. Ela não era ingênua, isso era claro. — O que você quer de mim? — ela perguntou de repente, cruzando os braços como se estivesse se preparando para me enfrentar. Sorri novamente. Gostei da coragem, da forma como ela tentava manter o controle da situação, mesmo sabendo que não estava em seu território. Ela era diferente das outras, e isso me intrigava ainda mais. — Quero entender o que te trouxe até aqui — respondi, encostando-me na parede, relaxado. — Você não parece ser o tipo de pessoa que frequenta lugares assim. Ela me olhou com cautela, como se estivesse tentando decifrar minhas intenções. Gostei disso também. Ela não era facilmente manipulada. — Minha amiga me convenceu a vir — disse, seu tom defensivo. — Não é como se eu frequentasse festas como essa o tempo todo. Havia verdade em suas palavras, mas também algo que ela não estava me contando. Algo sobre ela não se encaixava. E isso só me deixava mais curioso. — E você sempre faz o que sua amiga manda? — perguntei, provocando-a. Ela me encarou, e por um momento, vi algo mudar em seu olhar. Uma faísca de desafio. — Não. Eu faço o que eu quero. Eu ri, um som baixo e rouco. Ela tinha mais fogo do que parecia à primeira vista. Isso era bom. Eu gostava de pessoas que não se deixavam intimidar facilmente. — Então por que você está aqui? — perguntei, me afastando da parede e me aproximando mais dela. Queria ver como ela reagiria à proximidade. Ela não recuou, mas vi seus olhos mudarem ligeiramente, como se estivesse tentando entender o que eu estava fazendo. Ela estava em conflito, isso era óbvio. Uma parte dela queria fugir, mas outra parte estava presa pela curiosidade. — Talvez eu só queria ver como é — ela respondeu, sem realmente responder à minha pergunta. Eu a observei por mais alguns segundos. Ela era interessante, diferente. Uma peça que não se encaixava nesse mundo, mas que, de alguma forma, estava sendo sugada para ele. — Eu posso te mostrar mais — ofereci, a provocação evidente na minha voz. Ela hesitou novamente, mas eu sabia que ela estava considerando. Ela queria mais do que apenas um vislumbre desse mundo. Ela queria entender, explorar. E eu podia ser a chave para isso. — E o que exatamente você quer me mostrar? — ela perguntou, o desafio voltando à sua voz. Eu me aproximei ainda mais, tão perto que podia sentir sua respiração. Ela não recuou, e isso apenas aumentou meu interesse. — Quero te mostrar o que você ainda não conhece — respondi, minha voz baixa, quase um sussurro. — O lado da vida que você ainda não viu. Ela me encarou, e eu vi a batalha interna que estava travando. Ela sabia que estava brincando com fogo, mas não podia se afastar. Não ainda. — Talvez eu não queira ver esse lado — ela disse, sua voz mais suave, mas ainda desafiadora. Eu sorri novamente. Ela estava mentindo. Parte dela queria, sim. E eu sabia disso. Sabia que ela estava curiosa, que queria saber até onde poderia ir. — Talvez você já esteja vendo — murmurei, e antes que ela pudesse responder, dei mais um passo em sua direção, diminuindo ainda mais a distância entre nós. Eu podia sentir a tensão no ar, o perigo e a excitação misturados. Ela não se afastou, e isso foi tudo o que eu precisava saber. Ela estava dentro, mesmo que ainda não soubesse disso. Eu a observei por mais alguns segundos antes de me afastar lentamente. — Vamos ver até onde você quer ir — falei, antes de me virar e começar a andar de volta para o caos da festa. Eu sabia que ela me seguiria.
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