Capítulo Um
Estava pronta para começar a viver minha vida. Tinha tudo sob controle, meu passaporte já estava na minha bolsa junto da passagem e o endereço da minha tia Berenice que iria me hospedar em sua humilde casa na cidade de Manhattan. Formada em administração e comunicação, tinha uma excelente carta de recomendação pela Universidade Federal e é claro, uma lista sem fim de empresas que contratam jovens formados. Na realidade eu não sabia o que esperar me mudando para outro país o mais longe que fui em toda minha vida foi para as praias de Búzios no Rio de Janeiro, adorava aquele lugar cresci correndo pela praia das tartarugas e passeando na rua das pedras o centro de comércio local. Com uma última olhada para o meu quarto cor de rosa dei um largo sorriso admirado a delicada decoração que minha mãe tinha se dedicado; a cama de grade branca com vários travesseiros com estampas florais e de bichinhos ao lado continha um criado mudo de madeira antiga pintado à mão cor de lavanda e alguns objetos como meu abajur de nuvens e o primeiro volume de Harry Potter e a pedra filosofal.
Próximo a janela tinha uma poltrona cor de rosa bebê e as cortinas com estampas de nuvens. Sim, meu quarto era extremamente infantil, mas como seria ao contrário se eu era filha única de um casal super amoroso. Meu pai sempre me tratou como sua princesa, nada menos do coronel Albuquerque sempre cuidado da sua filha tão amada, o que eu odiava pois não podia fazer nada que gostava de jogar futebol ou praticar vôlei, como ele dizia esses esportes era para plebeia e princesas tinham que praticar cavalgadas ou esgrima, mas em secreto minha mãe me permitia fazer vôlei.
A porta do quarto se abriu e dona Cecília entrou com um enorme sorriso no rosto, seus cabelos estavam presos em um coque alto deixando alguns fios soltarem para os lados e os enormes olhos cor de folha seca brilhavam como duas estrelas ao alto do céu em uma noite sem nuvens. Minha mãe era realmente a n***a mais linda que já tinha visto, ela sempre fora forte em todos os momentos de nossas vidas, era de se esperar já que conquistou o mais durão dos homens.
— Oh minha menininha — ela veio até mim me abraçando — estou tão ansiosa por você… seu pai já está quase chegando do quartel para te levar ao aeroporto.
— m*l posso esperar mamãe — sorri retribuindo seu doce abraço — tia Nice ligou?
— Sim, ela disse que sua prima Letícia iria de buscar no aeroporto.
Tia Berenice era irmã da minha mãe, ela se mudou para os Estados Unidos há quatro anos quando a prima lê conseguiu um emprego em uma empresa multinacional, ambas vivem muito bem no país e agora de formada decidiram que também tentaram algo fora.
— Estou com medo.
— Ivy! — minha mãe apertou minha mão — quantas vezes tenho que te dizer que não precisa ter medo, vai dar tudo certo e você não estará sozinha naquela cidade.
— Eu sei… só que… — sinto meu coração acelerar e uma vertigem se instalar em meu corpo — que é a primeira vez mamãe, por mais que não esteja sozinha, mas vocês não estarão comigo.
— Ivy, você já está com vinte quatro anos, já está na hora de sair debaixo das nossas asas — ela sorriu de forma amável — tenho certeza que conquistará tudo que almeja.
Abracei minha mãe apertando, sentiria saudade dessas conversas e de como ela conseguia me colocar para cima com apenas um sorriso. Minutos depois meu pai chegou, ele entrou no quarto ainda usando a farda do exército e sua face estava vermelha em sinal que subiu as escadas correndo. Carlos Albuquerque ou apenas Coronel Albuquerque como era mais conhecido era um homem de poucas palavras, sempre duro em suas decisões e impiedoso quando se tratava do seu trabalho, mas muito amoroso quando se trata da sua família. Poucas pessoas pensam que meu pai não tinha sentimentos, mas o que ninguém sabia era que ele sempre foi tão carinhoso e atencioso quanto um pai podia ser, quando era criança ele sempre assistia os filmes da Disney comigo ou brincava de boneca uma vez até deixou que fizesse suas unhas enquanto descansava em sua poltrona.
— Pronta.
— Não.
O caminho para o aeroporto foi tranquilo, meus pais foram comigo como já era de se esperar, não houve conversa ou qualquer tipo de sermão na qual “não converse com estranhos” ou “não aceite ajuda de estranhos” o que agradeci imensamente pois já estava nervosa o bastante para poder convencer ao coronel de que não faria nada além de tentar arrumar um emprego.
Depois do check-in faltava duas horas para o embarque e nesse momento aproveitei para me sentar em um café e conferir se estava tudo em ordem.
— Fiz contato com o exército americano — meu pai comentou entre um gole e outro de café — caso aconteça qualquer coisa é só dizer que é filha do coronel.
Com certeza eu tinha batido a cabeça quando entrei e saí do carro, levantei meu olhar para meu pai devagar como se não estivesse acreditando no que estava me dizendo.
— Pai, você não fez isso? — olhei para ele e logo para mamãe.
Minha mãe estava com a mesma cara de surpresa.
— Preciso manter minha filha em segurança.
— Pai, eu não sou uma terrorista.
— Eu sei minha princesa — ele soltou um longo suspiro — mas você está indo para longe e preciso saber de cada passo seu.
— Colocando toda a segurança de um país — resmunguei cruzando os braços — papai!
— Não me julgue por querer que minha filha fique em segurança em um país onde tudo pode acontecer.
Com certeza desta vez o coronel passou dos limites, na realidade não foi a primeira vez em que meu pai extrapolou na segurança. Uma vez ele colocou dois dos soldados disfarçados em uma festa para a qual fui convidada e quando o garoto mais fofo do colégio tentou me beijar, os bastardos quebraram o nariz dele e me levaram de volta para casa alegando que o garoto tentou passar a mão em mim.
Despedi dos meus pais com um forte abraço e vários beijos vindo da minha mãe.
Quando me acomodei na minha poltrona a aeromoça, em partes sempre adorei essa profissão e ficava admirada sobre o quanto elas eram chiques e educadas sempre com um sorriso no rosto. Uma delas se aproximou.
— Boa noite, meu nome é Melissa e serei sua aeromoça nesta viagem. Gostaria de beber algo?
— O que sugere para aliviar o nervosismo e a ansiedade?
— Sei exatamente do que precisa.
Ela saiu em direção aos fundos do avião, fiquei encarando minhas mãos por alguns instantes até que a aeromoça voltou um copo estilo os que meu pai tomava suas doses de whiskey.
— Água tônica com gin e limão — ela sorriu estendendo para mim — vai ajudá-la a acalmar.
Peguei o copo levanto até a boca e com um gole generoso tomei um pouco da bebida que desceu queimando pela minha garganta, aliviando instantaneamente a tensão que estava concentrada em toda a região do meu corpo acalmando a ansiedade que tinha.
— Poderia me trazer mais dois desses?
— É melhor ir com calma senhora… — ela riu baixinho — qualquer coisa e só me chamar.
Nunca tinha bebido algo tão saboroso do que aquela bebida, um delicioso formigamento iniciou na ponta da minha língua e foi subindo até minhas bochechas criando uma anestesia maravilhosa. Peguei meu telefone colocando no modo avião, então os fones de ouvido quando a voz de Rita Ora e Liam Payne começou a cantar For You foi a melhor sensação do mundo. Só então reparei o quanto eles cantavam bem e tinha uma incrível sintonia naquela música que era trilha de um filme.
— Estados Unidos, aí vou eu!
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A viagem até Nova York foi incrivelmente animadora, passei boa parte da viagem experimentando aqueles pequenos drinks que as aeromoças lhe servem para relaxar e juro que o que mais gostei foi o Gin. Eu deveria ter saído com mais calma, mas estava tão animada que não consegui pensar direito. Quando a nave pousou no Aeroporto John F. Kennedy (JFK) Meu corpo tremia de êxtase, ali estava se iniciando minha própria jornada, começaria tomando decisões por conta própria. A Ivy filha única, garota exemplar que sempre tirava boas notas e não fazia nada de errado estava ficando para trás dando lugar a uma nova mulher que estava pronta para experimentar as coisas maravilhosas dessa cidade. Assim que sai pelo portão de desembarque minha prima Letícia me esperava diferente do que ela aparenta nas fotos, seus cabelos tão bem arrumados em um coque alto e perfeito e o vestido tubinho azul claro indicava uma Letícia diferente do que as fotos que ela mandava para minha tia.
— Ivy! — Gritou com seu jeitinho brasileiro — Meu Deus, como você está diferente.
Ela riu e me puxou para o abraço mais caloroso que já podia sentir. Uma emoção diferente dançava em meu peito dizendo o quanto nós duas nos daríamos bem.
— Então, está pronta para viver os melhores anos da sua vida nessa cidade incrível?
— Sinceramente? — Indaguei — Acho que não me sinto totalmente confiante com isso.
— Nova York é um lugar único, você vai ver.
Com uma risada ela pegou minha mala e junta seguimos até um táxi que estava esperando novos passageiros.
Nova York era de longe tudo que já tinha lido, visto ou imaginado. O estado aqui era outra vibração, as pessoas sempre andando apressadas de um lado para o outro, os carros que pareciam não se importarem com o espaço pequeno em que dividia e claro, o som maravilhoso que tudo aquilo trazia. As luzes daquele lugar era tudo! Como todos diziam, Nova York era uma cidade que nunca dormia, exatamente assim, com tantas luzes, tantas pessoas diferentes, tanta cultura misturada era incapaz daquela cidade dormir. Quando o táxi parou em um dos inúmeros semáforos, me permiti abrir a janela do carro para poder sentir o aroma misturando com o que quer que fosse aquele cheiro estranho.
— Eu bebi muito Gin! — Disse rindo, voltando com a cabeça para o carro. — Acho que não me sinto no meu normal.
Leticia soltou uma gargalhada balançando a cabeça.
— Perfeito! Você já tem uma história pra contar agora.
Fechando a janela novamente me virei até encontrar um carro parado ao nosso lado, o homem que estava dentro dele parecia estranhamente irritado com algo, mas a sua beleza era algo fenomenal digno de um modelo da QG. Os olhos azuis reluziam por conta da luz do seu painel, ao meu ver ele era mais um executivo, meu Deus! Um executivo rico. Soltei uma risadinha acenando para ele, se pudesse desceria daquele taxi e lhe daria meu telefone, mas antes que eu pudesse cogitar em fazer algo assim o táxi seguiu seu rumo até o apartamento de Letícia.
Minha prima morava em uma área tranquila de Nova York, não era muito longe do centro, o que facilitaria minha transição. Um prédio antigo, mas recém reformado no Upper East Side, era tão lindo o lugar todo iluminado pela luz da rua que eu me senti em um dos meus melhores sonhos. O apartamento era perfeito, todo decorado com flores e algumas obras de artes que acredito que foi comprado em feiras.
— Fique à vontade, Ivy! — Disse Letícia colocando minha mala ao lado de uma cama — Amanhã te apresento a cidade.
— Obrigada, prima.
Com um abraço me despedi de Letícia, precisava dormir depois dos Gin’s minha cabeça rodava como um pião. Mas por outro lado eu estava tão feliz, tão animada que quando meu corpo caiu na cama temia acordar do melhor sonho que poderia estar tendo. Eu estava na cidade luz.
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Quando acordei no outro dia o cheirinho de café novo inundava meu nariz causando a sensação de que eu ainda estava na casa dos meus pais, mas diferente disso quando abrir os olhos e o sol bateu forte em meus olhos me forçando a fechar novamente o som de um buzina ao fundo me fez lembrar de que não estava em casa, um sorriso involuntário se abriu em meus lábios e eu afundei a cabeça no travesseiro abafando um grito. Pulei da cama e uma vertigem tomou conta do meu corpo causando um pouco de náuseas, agora o Gin fazia o efeito. Segui até o banheiro no corredor, fiz a toalete e lavei o rosto escovando os dentes e tentei tirar o gosto horrível e álcool que insistia em ficar em minha boca.
— Bom dia prima! — A voz de Letícia me chamou atenção logo atrás — Nossa você está um caco. Até parece que bebeu a noite inteira.
— Foi minha primeira vez com álcool — Confessei franzido o cenho — Vou adorar se você dividir esse café comigo.
— Tem mais na cozinha, tome um banho primeiro.
Eu tinha esquecido o quanto minha prima era sincera, mas ela estava certa precisava de um banho e uma troca de roupa. E foi o que eu fiz. Tomei um longo banho retirando qualquer sujeira do avião. Depois de me sentir devidamente limpa, vesti um vestido floral de alça de couro preto e chinelos.
— Olha pra ela até parece que está nas praias da Bahia. — Brincou Letícia, me entregando uma xícara de café.
— Até quando ficará zombando de mim? — Indaguei com uma certeza preocupante — Não fizeram isso com você.
— Você que pensam, quando cheguei eles ficavam me perguntando se no Brasil nós falamos Espanhol — Comentou franzindo as sobrancelhas — O que não parece fazer sentido.
Ela riu baixinho e eu a acompanhei tomando uma golada do café, não parecia o mesmo com o da minha mão, contudo era ainda mais saboroso. Letícia parecia ter planejado o nosso dia completo, onde me levaria para conhecer toda a cidade em algumas lojas que ela adorava fazer compras, depois me levaria em uma das lanchonetes do bairro.
Então depois do café seguimos para o dia planejado. Ela parecia conhecer tão a vontade que me fazia sentir como um peixinho fora d'água usando aquelas roupas tão turísticas. Fora isso, para todos os lugares que olhava era uma novidade, pessoas, carros, lojas, lanchonetes e até mesmo cosplays de algum personagem andando pela rua e o clássico patriota tocando violão de cueca na esquina da Times Square estava ali fiz questão de deixar 1 dólar.
— Você já ligou para seus pais? — Perguntou Letícia tomando seu sorvete de chocolate.
— Ainda não — Respondi — Meus pais acham que é só pisar nessa cidade que já estou empregada.
Letícia riu balançando a cabeça.
— Todos os pais são assim, minha querida prima — Disse — Mas diferente, os seus são completamente loucos.
— Não é para tanto, minha mãe é apenas hiper protetora e meu pai usa do poder militar para afastar quem quer que se aproxime de mim.
— Verdade. Mas agora você está aqui, a milhares de quilômetros deles, o que te faz uma mulher completamente livre e independente!
Depois do dia proveitoso com Letícia, voltamos para casa ela tinha recebido uma ligação um tanto duvidosa que deixou seu rosto iluminado e precisava ir em um jantar de negócios o que me deixaria sozinha em casa. Me vendo ali sentada em uma sala bem clássica olhando para a enorme janela que dava para rua me peguei pensando em ligar para meus pais, com certeza eles estavam esperando um contato meu pegando meu telefone abrir o aplicativo fazendo uma chamada de vídeo. Foram necessários dois toques para o rosto da minha mãe aparecer na tela do telefone.
— Ivy! Filha e você? Eu não estou te vendo — Dona Cecília gritou — Carlos! Venha aqui, é Ivy!
— Mãe! Não precisa gritar! — Disse segurando uma risada — Afasta um pouco o telefone do rosto. Isso.
— Oh, minha filha! Que horas estão aí agora?
— Já são um pouco tarde — Disse — Quase onze horas.
— Onde está Letícia? Por que está acordada até agora?
Soltei uma risada coçando a testa, minha mãe tinha a mania de fazer várias perguntas em uma frase só o que deixava tudo muito confuso.
— Ela teve uma reunião de trabalho, ainda não chegou— Comentei — Mamãe, fuso horário, não estou com muito sono. Eu só liguei pra saber como vocês estão.
— Ah, estamos bem, morrendo de saudade de você minha menina, você tem se alimentando direito?
— Sim, mamãe.
A conversa não demorou muito e logo desliguei já que o assunto de arrumar um emprego estava surgindo e eu não estava nem um pouco afim de lidar com meus pais naquele início. Eu amava eles, de todo meu coração, mas meus pais depositavam uma expectativa tão grande em mim que meu medo de errar com eles sempre falava mais alto. E isso era minha vida inteira, uma Albuquerque não poderia errar. Talvez isso fosse da natureza rígida do meu pai e o fato de eu não ter seguido a carreira militar que eles tanto desejavam. Mas aqui longe deles, eu poderia ser eu mesma, me permitir errar para obter acertos na minha vida, não teria medo, jamais. Tomando fôlego criei coragem para sair e comprar algo para comer, precisava colocar meu inglês em prática e começar por comida era uma ótima ideia. Próximo dali tinha uma pequena lanchonete, optei por um sanduíche de peru e um copo enorme de coca cola, foi um achado já que o sanduíche era a coisa mais deliciosa que eu já tinha provado até então, voltei caminhando tranquilamente enquanto saboreava meu jantar quando me deparei com um carro luxuoso parado do outro lado da rua, não era um carro comum para aquela área ele me parecia familiar, mas com os vidros escuros não conseguia ver se tinha alguém dentro. Não demorei encarando, uma coisa que tinha aprendido com meu pai e que não se deve encarar estranhos na rua, quem quer que fosse a pessoa não era da minha conta.